Devo ter viajado de trem da Ucrânia até a Romênia e desta para Hamburgo. Nada sei, recém-nascida que eu era.
Mas me lembro de uma memorável viagem de trem, com 11 anos de idade, de Recife a Maceió, como meu pai. Eu já era altinha, e pelo que se revelou, já meio mocinha. Na viagem de ida – quase um dia inteiro – um rapaz de seus 18 anos, lindo de morrer e que comeu no mínimo uma dúzia de laranjas, e que tinha os olhos verdes pestanudos de preto, simplesmente veio pedir licença a meu pai para ficar conversando comigo. Meu pai disse que sim. Eu não cabia em mim de emoção: namoramos o tempo todo sob o olhar aparentemente distraído de meu pai.
Em Maceió, onde íamos ficar um dia apenas, aconteceu outro milagre. Houve uma festa dada para o meu pai. E lá havia um menino de 13 anos, considerado marginal. Contava-se que, uma vez, à saída de uma festa, acompanhando uma senhora de noite para casa, beliscara-lhe o braço. Pois esse menino me quis. E me pediu para passear com ele. Eu era completamente inocente, mas instintivamente compreendi alguma coisa e disse que não. Tomou meu enderece em Recife e recebi dele um cartão postal todo florido, com palavras de amor. Perdi o cartão, perdi o amor. Ficou-me a lembrança. A volta foi no dia seguinte à festa – todos na estação, inclusive o menino marginal – e sei que alguma coisa aconteceu também *bouleversante mas não me lembro o quê.
* bouleversante : perturbadora, desconcertante, comovente
fonte: http://www.unicamp.br/iel/site/alunos/publicacoes/textos/c00012.htm#_ftn27
Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
Assinar:
Postar comentários (Atom)
-
Tem de haver mais Agora o verão se foi E poderia nunca ter vindo. No sol está quente. Mas tem de haver mais. Tudo aconteceu, Tu...
-
Ekaterina Pozdniakova Não sei como são as outras casas de família. Na minha casa todos falam em comida. “Esse queijo é seu?” “Não, é...
Nenhum comentário:
Postar um comentário