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13 de jul. de 2020

Al-Mu'tamid, "Só eu sei ..."




Só eu sei quanto me dói a separação!
Na minha nostalgia fico desterrado
À míngua de encontrar consolação.
À pena no papel escrever não é dado
Sem que a lágrima trace, caindo teimosa,
Linhas de amor na página da face.
Se o meu grande orgulho não obstasse
Iria ver-te à noite: orvalho apaixonado
De visita às pétalas da rosa.

Al-Mutamid Alã-l-lãh ibn 'Abbãd Abu-l-Qasin Muhammad nasceu em Beja (Portugal) em 1040 e morreu em Agmat (Marrocos) em  1095.
Tradução de Adalberto Alves, do livro "O meu coração é árabe".

15 de jun. de 2015

Despedida :: Rubem Braga

E no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perde da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito — depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado — sem glória nem humilhação.

Creio que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.

E que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?

Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil.

Ah, talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus.

A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo.

fonte: A Traição das Elegantes.  Sabiá, 1967.  p. 83.

29 de dez. de 2014

Poema de Wislawa


Para os filhos, pela primeira vez o fim do mundo.
Para o gato, novo dono.
Para o cachorro, nova dona.
Para os móveis, escadas, rangidos, caminhão, transporte.
Para a parede, quadrados brancos depois de retirados os quadros.
Para os vizinhos do térreo, um tema, um intervalo no enfado.
Para o carro, seria melhor se fossem dois.
Para os romances, poesia -de acordo, leve o que quiser.
Pior para a enciclopédia e o videocassete
e para aquele manual de escrita
onde se encontram talvez as regras de uso dos nomes compostos - se ainda os liga a conjunção "e"
ou se os separa um ponto final.

De "Tutaj" (Aqui), 2009

11 de abr. de 2014

O papel do coração de Fabrício Carpinejar

                                                 Narciso de Rogério Fernandes

O casamento deveria assinar a carteira. Não dispensaríamos quem amamos com facilidade. Não existiria separação pelo jogo de futebol com amigos ou por não descer o lixo ou por não lavar a louça ou pelas distrações involuntárias. Seríamos perdoados em nome de nossas virtudes, ainda que poucas, ainda que raras. No momento da briga, não pensaríamos no pior de nossa companhia, mas pescaríamos um motivo qualquer, um motivo remoto, para a insistência. Mesmo que o estômago seja obrigado a cumprir o papel do coração.

Casamento de carteira assinada de Fabrício Carpinejar