Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
8 de mai. de 2011
Significado das ordens florais entre dois sexos
Aquele casal
Aquele casal, o marido me honra com suas confidências:
- Ultimamente, a Elsa anda um pouco estranha. Não sei o que é, mas não me agrada a sua evolução.
- Como assim?
- Deu para usar estampados berrantes, de mau gosto, ela que era tão discreta no vestir.
- É a moda.
- Pode ser o que você quiser, porém minha mulher jamais se permitiu esses desfrutes.
- Deixe Dona Elsa ser elegante. Não há desfrute em seguir o figurino.
- Se fosse só o figurino. São as maneiras, os gestos.
- Que é que tem as maneiras, os gestos?
- A Elsa parece uma menina de quinze anos. Ficou com os movimentos mais leves, um ar desembaraçado que ela não tinha, e que não vai bem com uma senhora casada.
- Posso dar opinião? As senhoras casadas não perdem a condição feminina, e pode até realçá-la por uma graça experiente.
Fixou-me suspeitoso:
- Que é que está insinuando?
- Nada. A mulher casada desabrochou, não é mais um projeto, pode revelar melhor o encanto natural da personalidade.
- Pois fique com suas teorias, que eu não quero saber de minha mulher revelar seu encanto a ninguém.
- Perdão, eu...
- Já sei. Estava querendo desculpar a Elsa.
- Desculpar de quê?
- De tudo que ela vem fazendo.
- Eu ignoro tudo, e adivinho que não há nada senão...
- Senão o quê?
- Aquilo que o dicionário chama de ente de razão, uma fantasia completamente destituída de razão.
- Acha então que estou maluco?
- Acho que está sonhando coisas.
- E a flor que ela trouxe ontem para a casa é sonho? Me diga: é sonho?
- Que é que tem trazer uma flor para casa?
- Veio do oculista e trouxe uma rosa. Acha direito?
- Por que não?
- Eu apertei, ela me disse que foi o oculista que deu a ela. Estava num vaso, ela achou bonita, ele deu.
- E daí?
- Então uma senhora casada vai ao oculista e o oculista lhe dá uma rosa? Que lhe parece?
- Que ele é gentil, apenas.
- Pois eu não vou nessa gentileza de oculista. Não há rosas nos consultórios de oftalmologia. E que houvesse. Tem propósito uma coisa dessas? Ela acabou chorando, dizendo que eu sou um bruto, um rinoceronte. Engraçado. Minha mulher vem com uma rosa para casa, uma rosa dada por um homem, e eu não devo achar ruim, eu tenho que achar muito natural.
- Desde quando é proibido uma senhora ganhar flor de uma pessoa atenciosa? Que sentido erótico tem isso?
- Tem muito. Principalmente se é rosa. Ora, não tente negar o significado das ordens florais entre dois sexos. O oculista não podia dar essa flor, nem ela podia aceitar. O pior é que não deve ter sido o oculista.
- Quem foi, então?
- Sei lá. Numa cidade do tamanho do Rio, posso saber quem deu uma rosa a minha mulher?
- Vai ver que ela comprou na loja de flores da esquina, e disse aquilo só para fazer charminho.
- Ela nunca fez isso. Se fez agora, foi para preparar terreno, quando chegar aqui uma corbelha de antúrios e hibiscos.
- Não diga uma coisa dessas.
- Digo o que penso. Estou inteiramente lúcido, só me conduzo pelo raciocínio. Repare no encadeamento: os vestidos modernos; os modos (só vendo a maneira dela se sentar no sofá); a rosa, que ela foi correndo levar para a mesinha de cabeceira do quarto. Cada uma dessas coisas é um indício; reunidas, são a evidência.
- Permita que eu discorde.
- Discorda sem argumentos. A Elsa não é mais a Elsa. Demora mais tempo no espelho. Fica olhando um ponto no espaço, abstrata. Depois, sorri. Estou decidido.
- A quê?
- Vou segui-la daqui por diante. Contrato um detetive. E logo que tenha a prova, me desquito.
- Não vai ter prova nenhuma, juro. Ponho a mão no fogo por Dona Elsa.
- Pensei que você fosse meu amigo. Fiz mal em me abrir. Vamos mudar de assunto que ela vem chegando. Mas repare só que os olhos de Capitu que ela tem, eu nunca havia reparado nisso!
Esquecia-me de dizer que meu amigo tem 82 anos, e Dona Elsa, 79.
3 de mai. de 2011
20 de abr. de 2011
Transformação
O encontro de duas personalidades
assemelha-se ao contato de duas substâncias químicas:
se alguma reação ocorre,
ambos sofrem uma transformação.
Carl Jung
19 de abr. de 2011
11 de abr. de 2011
5 de abr. de 2011
Obscuro
Quando nos esforçamos demasiado por penetrar noutra pessoa, descobrimos que a impelimos para uma posição defensiva e que ela cria resistências porque, nos nossos esforços para penetrar e compreender, ela sente-se forçada a examinar aquelas coisas em si mesma que não desejava examinar. Toda a gente tem o seu lado obscuro que - desde que tudo corra bem - é preferível não conhecer. Jung
3 de abr. de 2011
Arquivando
Joguei fora e lamentei. Sempre lamentamos ter jogado fora em certo momento da vida. Mas, se não jogamos fora, se não nos separamos, se queremos guardar o tempo, podemos passar a vida arrumando, arquivando nossa vida."
Marguerite Duras in: A vida material. Ed. Globo, p. 46)
Marguerite Duras in: A vida material. Ed. Globo, p. 46)
29 de mar. de 2011
Más allá de tus ojos
Te recuerdo como eras en el último otoño. Eras la boina gris y el corazón en calma. En tus ojos peleaban las llamas del crepúsculo Y las hojas caían en el agua de tu alma. Apegada a mis brazos como una enredadera. las hojas recogían tu voz lenta y en calma. Hoguera de estupor en que mi sed ardía. Dulce jacinto azul torcido sobre mi alma. Siento viajar tus ojos y es distante el otoño: boina gris, voz de pájaro y corazón de casa hacia donde emigraban mis profundos anhelos y caían mis besos alegres como brasas. Cielo desde un navío. Campo desde los cerros. Tu recuerdo es de luz, de humo, de estanque en calma! Más allá de tus ojos ardían los crepúsculos. Hojas secas de otoño giraban en tu alma.
Pablo Neruda
27 de mar. de 2011
21 de mar. de 2011
Outonear de Carlos Drummond de Andrade
Todas estavam ainda verdes, mas essa ostentava algumas folhas amarelas e outras já estriadas de vermelho, numa gradação fantasista que chegava mesmo até o marrom – cor final de decomposição, depois da qual as folhas caem. Pequenas amêndoas atestavam seu esforço, e também elas se preparavam para ganhar coloração dourada e, por sua vez, completado o ciclo, tombar sobre o meio-fio, se não as colhe algum moleque apreciador de seu azedinho. É como se o cronista, lhe perguntasse – Fala, amendoeira – por que fugia ao rito de suas irmãs, adotando vestes assim particulares, a árvore pareceu
explicar-lhe:
-- Não vês? Começo a outonear. É 21 de março, data em que as folhinhas assinalam o equinócio do outono. Cumpro meu dever de árvore, embora minhas irmãs não respeitem as estações.
-- E vais outoneando sozinha?
-- Na medida do possível. Anda tudo muito desorganizado, e, como deves notar, trago comigo um resto de verão, uma antecipação de primavera e mesmo, se reparares bem neste ventinho que me fustiga pela madrugada, uma suspeita de inverno.
-- Somos todos assim.
-- Os homens, não. Em ti, por exemplo, o outono é manifesto e exclusivo. Acho-te bem outonal, meu filho, e teu trabalho é exatamente o que os autores chamam de outonada: são frutos colhidos numa hora da vida que já não é clara, mas ainda não se dilui em treva. Repara que o outono é mais estação da alma que da natureza.
-- Não me entristeças.
-- Não, querido, sou tua árvore-de-guarda e simbolizo teu outono pessoal. Quero apenas que te outonize com paciência e doçura. O dardo de luz fere menos, a chuva dá às frutas seu definitivo sabor. As folhas caem, é certo, e os cabelos também, mas há alguma coisa de gracioso em tudo isso: parábolas, ritmos, tons suaves... Outoniza-se com dignidade, meu velho.
15 de mar. de 2011
14 de mar. de 2011
7 de mar. de 2011
1 de mar. de 2011
Esfinge
Fernand Khnopff, Des Caresses (The Sphinx), 1896
A pintura, intitulada "Arte" ou "Sphinx" ou "carícias" retrata principalmente a união dos aspectos masculinos e femininos dentro do ser, a viagem de volta ao estado andrógino. Nostalgia de completude.
24 de fev. de 2011
dondequiera
Corazon Coraza
Porque te tengo y no
porque te pienso
porque la noche está de ojos abiertos
porque la noche pasa
y digo amor
porque has venido a recoger tu imagen
y eres mejor que todas tus imágenes
porque eres linda desde el pie hasta el alma
porque eres buena desde el alma a mí
porque te escondes dulce en el orgullo
pequeña y dulce corazón coraza
porque eres mía porque no eres mía
porque te miro y muero
y peor que muero si no te miro amor
si no te miro
porque tú siempre existes dondequiera
pero existes mejor donde te quiero
porque tu boca es sangre y tienes frío
tengo que amarte amor
tengo que amarte
aunque esta herida duela como dos
aunque te busque y no te encuentre
y aunque la noche pase
y yo te tenga
y no.
Mario Benedetti, poeta uruguaio
20 de fev. de 2011
Aprendizado
E minha avó cantava e cosia. Cantava
canções de mar e de arvoredo, em língua antiga.
E eu sempre acreditei que havia música em seus dedos
e palavras de amor em minha roupa escritas.
Minha vida começa num vergel colorido,
por onde as noites eram só de luar e estrelas.
Levai-me aonde quiserdes! - aprendi com as primaveras
a deixar-me cortar e a voltar sempre inteira.
Cecília Meireles
In Mar Absoluto
18 de fev. de 2011
5 de fev. de 2011
Lucidez
Woyzeck com a lucidez da loucura:
"Todo homem é um abismo,
a gente fica tonto de olhar pra dentro dele"
31 de jan. de 2011
Possibilidade
IGUATEMI
O espaço que determina conforto Uma sensação de possibilidade infinita Nem hostil nem hospitaleiro As proporções das entradas A magnitude dos corredores Os matizes das palavras O clima, as mulheres andando, andando Mas especialmente as jovens Cujas vidas são o paraíso de possibilidade. Vincent Katz
In: Ilustríssima, FSP, 30.01.2011
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