3 de dez. de 2011

Incomunicabilidade de Ruy Castro


No cinema dos anos 50/60, era assim: Jeanne Moreau, em "Ascensor para o Cadafalso", "Os Amantes" e "A Noite"; Monica Vitti, em "A Aventura" e "O Eclipse"; Anna Karina, em "Uma Mulher É uma Mulher" e "Viver a Vida"; Anouk Aimeé, em "Lola"; Audrey Hepburn, em "Bonequinha de Luxo"; e até a nossa Leila Diniz, em "Todas as Mulheres do Mundo", todas tinham de ser boas de pernas -literalmente.

Os diretores desses filmes as faziam caminhar quilômetros pelas ruas, sozinhas, em silêncio, cenho franzido, como se buscassem uma comunicação impossível com seus pares, os quais também deviam estar zanzando feito zumbis pela cidade. Era a famosa incomunicabilidade -uma doença do progresso, da industrialização, do amesquinhamento dos valores. Quanto mais próximas, menos as pessoas tinham o que dizer. Os casais viviam "em cheque" ou "em situação", como se dizia.

Seja o que for que atormentasse aqueles personagens, só podia ser discutido a dois, ao vivo, entre longas pausas. Não se concebia que, em "A Noite", de Antonioni, Moreau entrasse num telefone público, metesse uma ficha e derramasse seus problemas existenciais para Marcello Mastroianni. As pessoas tinham de viver o seu inferno até o fim, em preto e branco, sem esperança de redenção.

Hoje, com todo esse arsenal de meios -celulares, smart-phones, androides, twitters, facebooks, SMSs e outros que nem imagino-, não se toca mais em incomunicabilidade. A própria palavra perdeu o sentido.

Mas, pelo que vejo de homens e mulheres de expressão carregada, digitando incansavelmente, na rua, na fila do banco, nas salas de espera, nos saguões e até nos restaurantes -o que essas pessoas tanto falam umas com as outras?-, desconfio que a busca da comunicação seja a mesma. A fartura de meios não eliminou a solidão.
Folha de São Paulo, sábado, 03 de dezembro de 2011

Para não Esquecer de Clarice Lispector




Acho que sábado é a rosa da semana; 
sábado de tarde a casa é feita de cortinas ao vento, 
e alguém despeja um balde de água no terraço; 
sábado ao vento é a rosa da semana; 
sábado de manhã, a abelha no quintal, 
e o vento: uma picada, o rosto inchado, sangue e mel, 
aguilhão em mim perdido: outras abelhas farejarão
e no outro sábado de manhã vou ver se o quintal vai estar cheio de abelhas. 

2 de dez. de 2011

Cerâmica Iznik, Turquia















Cerâmica Iznik , assim conhecida por ser originalmente feita na cidade de Iznik (Anatólia, Turquia), pode ser vista em quantidade nos edifícios imperiais e religiosos de Istambul.

Quadras ao gosto popular de Fernando Pessoa



O que sinto e o que penso
de ti e' bem e e' mal
E' como quando uma xicara
tem o pires desigual

In Quadras ao gosto popular

1 de dez. de 2011

Niemeyer



"O mais importante não é a arquitetura, mas a vida, os amigos e este mundo injusto que devemos modificar". entrevista à Revista IstoÉ, edição 132, 11/02/2002

"Meu trabalho não tem importância, nem a arquitetura tem importância pra mim. Para mim o importante é a vida, a gente se abraçar, conhecer as pessoas, haver solidariedade, pensar num mundo melhor, o resto é conversa fiada."- entrevista a Isabel Murray; Portal BBC Brasil, 20 de abril, 2001

« J’ai fait un croquis qui surgit dans l’espace. J’ai fait une main ouverte avec une fleur, quelque chose qui transmette la solidarité, une chose vague, comme un rêve », Niemeyer sobre a escultura “Uma mulher, uma flor, solidariedade” do Parque de Bercy, no leste de Paris.


"Eu não dou a menor importância a dinheiro. Nem à própria vida. A vida é um sopro, um minuto. A gente, nasce, morre. O ser humano é um ser completamente abandonado..."- entrevista a Isabel Murray; Portal BBC Brasil, 20 de abril, 2001

"O trabalho me distrai. Na minha idade a gente não pode ficar desocupado, que só pensa besteira."- (aos 93 anos); entrevista a Isabel Murray; Portal BBC Brasil, 20 de abril, 2001

Entrevista:
theartnewspaper: You say that architecture should lead to beauty. What is your concept of beauty?
ON: An aesthetic sense of life is fundamental; every architect should possess this, and because of it I’ve changed a lot of designs at the last minute. I’ve always been prepared to go for any concession or fantasy if it results in greater visual beauty. All my solutions are basically simple, direct and visually poetic. Everyone classifies beauty in a particular way, and for me it’s everything that astonishes and moves me.

theartnewspaper: And your favourite word is “solidarity”?
ON: We have to be decent, fraternal, all that. The architect must think that the world has to be a better place, that we can end poverty. So it is important that the architect think not only of architecture but of how architecture can solve the problems of the world. The architect’s role is to fight for a better world, where he can produce an architecture that serves everyone and not just a group of privileged people.

theartnewspaper: How do you imagine a better world?
ON: Houses will be simpler. We won’t have ghettos and palaces. The great human enterprises—theatres, museums, and stadiums—will be bigger so that all can enjoy them. Now, poor people cannot participate, they only know architecture from afar.

fonte : http://www.theartnewspaper.com/articles/%E2%80%9CThe-architect-s-role-is-to-fight-for-a-better-world%E2%80%A6%E2%80%9D/21854

Hotel Toffolo de Carlos Drummond de Andrade


As Duas Velhinhas de Cecília Meireles



Duas velhinhas muito bonitas,
Mariana e Marina,
estão sentadas na varanda:
Marina e Mariana.

Elas usam batas de fitas,
Mariana e Marina,
e penteados de tranças:
Marina e Mariana.

Tomam chocolate, as velhinhas,
Mariana e Marina,
em xícaras de porcelana:
Marina e Mariana.

Uma diz:"Como a tarde é linda,
não é, Marina?"
A outra diz: "Como as ondas dançam,
não é Mariana?"

"Ontem, eu era pequenina",
diz Marina.
Ontem, nós éramos crianças",
diz Mariana.

E levam à boca as xicrinhas,
Mariana e Marina,
as xicrinhas de porcelana:
Marina e Mariana.

Tomam chocolate, as velhinhas,
Mariana e Marina,
em xícaras de porcelana:
Marina e Mariana.

30 de nov. de 2011

Así te amo de Pablo Neruda

(...)
Al pan yo no le pido que me enseñe 

sino que no me falte 

durante cada día de la vida. 

Yo no sé nada de la luz, de dónde

viene ni dónde va,
yo sólo quiero que la luz alumbre, 
yo no pido a la noche 
explicaciones,
yo la espero y me envuelve, 
y así tú, pan y luz
y sombra eres. 
Has venido a mi vida
con lo que tú traías, 
hecha
de luz y pan y sombra te esperaba, 
y así te necesito, 
así te amo
(...)

28 de nov. de 2011

ODA AL LIBRO (II)


LIBRO
hermoso,
libro,
mínimo bosque,
hoja
tras hoja,
huele
tu papel
a elemento,
eres
matutino y nocturno,
cereal,
oceánico,
en tus antiguas páginas
cazadores de osos,
fogatas
cerca del Mississippi,
canoas
en las islas,
más tarde
caminos
y caminos,
revelaciones,
pueblos
insurgentes,
Rimbaud como un herido
pez sangriento
palpitando en el lodo,
y la hermosura
de la fraternidad,
piedra por piedra
sube el castillo humano,
dolores que entretejen
la firmeza,
acciones solidarias,
libro
oculto
de bolsillo
en bolsillo,
lámpara
clandestina,
estrella roja.

Nosotros
los poetas
caminantes
exploramos
el mundo,
en cada puerta
nos recibió la vida,
participamos
en la lucha terrestre.
Cuál fue nuestra victoria?
Un libro,
un libro lleno
de contactos humanos,
de camisas,
un libro
sin soledad, con hombres
y herramientas,
un libro
es la victoria.
Vive y cae
como todos los frutos,
no sólo tiene luz,
no sólo tiene
sombra,
se apaga,
se deshoja,
se pierde
entre las calles,
se desploma en la tierra.
Libro de poesía
de mañana,
otra vez
vuelve
a tener nieve o musgo
en tus páginas
para que las pisadas
o los ojos
vayan grabando
huellas:
de nuevo
descríbenos el mundo
los manantiales
entre la espesura,
las altas arboledas,
los planetas
polares,
y el hombre
en los caminos,
en los nuevos caminos,
avanzando
en la selva,
en el agua,
en el cielo,
en la desnuda soledad marina,
el hombre
descubriendo
los últimos secretos,
el hombre
regresando
con un libro,
el cazador de vuelta
con un libro,
el campesino arando
con un libro.

Orquídea Laelia Tenebrosa

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Xote de navegação de Dominguinhos e Chico Buarque (1998)



Eu vejo aquele rio a deslizar
O tempo a atravessar meu vilarejo
E às vezes largo
O afazer
Me pego em sonho
A navegar

Com o nome Paciência
Vai a minha embarcação
Pendulando como o tempo
E tendo igual destinação
Pra quem anda na barcaça
Tudo, tudo passa
Só o tempo não

Passam paisagens furta-cor
Passa e repassa o mesmo cais
Num mesmo instante eu vejo a flor
Que desabrocha e se desfaz
Essa é a tua música
É tua respiração
Mas eu tenho só teu lenço
Em minha mão

Olhando meu navio
O impaciente capataz
Grita da ribanceira
Que navega pra trás
No convés, eu vou sombrio
Cabeleira de rapaz
Pela água do rio
Que é sem fim
E é nunca mais

27 de nov. de 2011

A extraordinária aventura vivida por Vladimir Maiakóvski no verão na Datcha



Delicadeza - Maria Rita Kelh

Por que escolhi a delicadeza como parte essencial da condição humana? Por não ser uma qualidade intrínseca do humano. Isso é justamente o que a faz necessária. A delicadeza não é causa de nossa humanidade, é efeito dela. Não é meio, é finalidade. O homem não é necessariamente delicado – daí a urgência de se preservar, na vida social, as condições para a vigência de alguma delicadeza. 

Erramos ao chamar os atos que nos repugnam de desumanos. O homem, não o animal, usa de violência contra seu semelhante. O homem inventou o prazer da crueldade: o animal só mata para sobreviver. O homem destrói o que ama – pessoas, coisas, lugares, lembranças. Se perguntarem a um homem por que razão ele se permitiu abusar de seu semelhante indefeso ele dirá: eu fiz porque nada me impediu de fazer. O abuso da força é um gozo ao qual poucos renunciam. Além disso o homem é capaz de indiferença, essa forma silenciosa e obscena de brutalidade. O homem atropela o que é mais frágil que ele – por pressa, avidez, sofreguidão, rivalidade – sem perceber que com isso atropela também a si mesmo. 

O cientista político Renato Lessa (...) utilizou a imagem do naufrágio como metáfora do humano, em nossos tempos. Proponho acrescentar a esta, a metáfora do atropelamento, que expressa perfeitamente a relação do sujeito contemporâneo com o tempo. Não por acaso a palavra já está incorporada ao uso cotidiano da linguagem para expressar os efeitos da pressa sobre a subjetividade. Dizemos, com freqüência, que fomos atropelados pelos acontecimentos – mas quais acontecimentos têm poder de atropelar o sujeito? Aqueles em direção aos quais ele se precipita, com medo de ser deixado para trás. Deixamo-nos atropelar, em nossa sociedade competitiva, porque medimos o valor do tempo pelo dinheiro que ele pode nos render. Nesse ponto remeto o leitor, mais uma vez à palavra exata do professor Antonio Candido: 
“O capitalismo é o senhor do tempo. Mas tempo não é dinheiro. Isso é uma brutalidade. O tempo é o tecido de nossas vidas”. 

A velocidade normal da vida contemporânea não nos permite parar para ver o que atropelamos; torna as coisas passageiras, irrelevantes, supérfluas. Tenho grande ternura pela lembrança de meu pai, nas viagens de carro que fazíamos na minha infância: cada vez que uma mariposa se estatelava contra o para brisas, à noite, ele lamentava o fim abrupto daquela vidinha minúscula, cujo vôo errático era tão desproporcional à velocidade do automóvel. Tudo que vive é sagrado? 
Corremos na intenção de não perder nada e perdemos o essencial: o desfrute do próprio caminho. A vida, no entanto, não é exatamente isso – travessia?
fonte: www.mariaritakehl.psc.br

26 de nov. de 2011

Clarice Lispector in Uma aprendizagem Ou o livro dos prazeres

                                                            Vilhelm Hammershøi, 'Interior, Strandgade 30' (1901).


Mais uma vez, nas suas hesitações confusas, o que a tranqüilizou foi o que tantas vezes lhe servia de sereno apoio: é que tudo o que existia, existia com uma  precisão absoluta e no fundo o que ela terminasse por fazer ou não fazer não escaparia dessa precisão; aquilo que fosse do tamanho da cabeça de um alfinete, não transbordava nenhuma fração de milímetro além do tamanho de uma cabeça de alfinete: tudo o que existia era de uma grande perfeição. Só que a maioria do que existia com tal perfeição era, tecnicamente, invisível: a verdade, clara e exata em si própria, já vinha vaga e quase insensível à mulher.
Bem, suspirou ela, se não vinha clara, pelo menos sabia que havia um sentido secreto das coisas da vida. De tal modo sabia que às vezes, embora confusa, terminava pressentindo a perfeição — de novo esses pensamentos, que de algum modo usava como lembrete (de que, por causa da perfeição que existia, ela terminaria acertando (...)
Clarice Lispector in Uma aprendizagem Ou o livro dos prazeres

Fotografia - Eva Mariana Besnyö



Eva Mariana Besnyö nació en Budapest en 1910 y murió en Laren, Holanda 2003. Creció con sus dos hermanas en una familia liberal judía y se educó en la publicidad y en la fotografía con Josef Pécsi. En Berlín conoció al cineasta John Fernhout, hijo de la pintora Charley Toorop. John y Eva se casaron en 1933 en Holanda y se separaron en 1939. Durante la Segunda Guerra Mundial siguió haciendo fotos, más o menos oculta, trabajó desde la resistencia, en la clandestinidad. En 1945 se casó con el diseñador gráfico Wim Brusse con el que tuvo dos hijos; se divorciaron en 1968. En los años 70 fotografió las acciones del grupo feminista Dolle Mina, y rechazó algunos premios oficiales. Considerada como la gran dama de la fotografía de Holanda, en 1999 fue objeto de una gran exposición en el Centro Portugués de Fotografía de Porto.










25 de nov. de 2011

Intimidade de Livia Garcia Roza

Imagem: Vilhelm Hammershøi 


Conquistei uma grande intimidade comigo mesma.

Das vantagens de ser bobo de Clarice Lispector

Imagem : Marc Chagall 

(...)
Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em Minas!

Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas. É quase impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.
Clarice Lispector

Portinari



Portinari : “Sabem por que é que eu pinto tanto menino em gangorra e balanço? 
Para botá-los no ar, feito anjos” 

24 de nov. de 2011

O guardador de rebanhos de Fernando Pessoa

Ao entardecer, debruçado pela janela,
E sabendo de soslaio que há campos em frente,
Leio até me arderem os olhos
O livro de Cesário Verde.
Que pena que tenho dele! Ele era um camponês
Que andava preso em liberdade pela cidade.
Mas o modo como olhava para as casas,
E o modo como reparava nas ruas,
E a maneira como dava pelas cousas,
É o de quem olha para árvores,
E de quem desce os olhos pela estrada por onde vai andando
E anda a reparar nas flores que há pelos campos…
Por isso ele tinha aquela grande tristeza
Que ele nunca disse bem que tinha,
Mas andava na cidade como quem anda no campo
E triste como esmagar flores em livros
E pôr plantas em jarros…

POEMA LXIV Dulce María Loynaz


De amar mucho tienes la palabra que persuade, la mirada que vende y que turba...
De amar mucho dejas amor en torno tuyo, y el que pasa cerca y se huele el
perfume en el pecho, viene a creer que tiene la rosa dentro...

Dulce María Loynaz, Poemas sin nombre (1953), en: Poesía completa, La Habana, 1993

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...