Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
7 de fev. de 2012
À luz de Mia Couto
Picasso
Um filho, afinal, é quem dá à luz a mãe.
Pois cada menino nascido faz nascer uma mãe de uma respectiva mulher.
Mia Couto
Vittorio Costantini: Escultor de vidro
Linhas de barcos para Murano partem do cais Fondamenta
Nuove, na parte norte de Veneza. Relativamente perto desse cais, está situada a
loja e estúdio de um dos mais reconhecidos artistas das esculturas de vidro:
Vittorio Costantini.
Apesar do renome, ele não é de Murano, mas da vizinha ilha
de Burano, famosa pelo rendado. Com seu maçarico, o artista foca em trabalhos
pequeninos e delicados. "A fragilidade faz o valor", ressalta o
artesão.
Rodeado por pilhas de livros de diferentes partes do mundo
-até mesmo do Japão- sobre animais, Vittorio Costantini sempre busca
representar a natureza, frequentemente pássaros, animais aquáticos ou insetos.
Quando é questionado sobre o tempo que leva para produzir
uma de suas obras, prefere ressaltar seus 55 anos de experiência -treina o
ofício desde os 11-, além de mostrar um pote cheio de tentativas que não deram
certo ou ensaios preparatórios, como pedaços do que poderia ser uma borboleta.
O artista não fala inglês, mas deixa o turista à vontade
para fotografar e observar seu processo de produção -esticando os tentáculos de
um polvo, por exemplo.
Seus trabalhos são mais caros que o habitual em outras
lojas, mas dá para obter algum por € 60. Uma complexa água-viva na loja chega a
ser orçada por € 3.000, e um colecionador já lhe ofereceu € 10 mil por uma
aranha em maior escala -oferta, diz ele, recusada, pois pertencia a sua coleção
pessoal.
Só é realmente difícil atravessar o labirinto de vielas e
pontes até chegar ao esconderijo do artista. A reportagem contou com a ajuda de
um eletricista morador da região, que consultou no computador o endereço (calle
del Fumo, 5.311) e guiou pessoalmente até lá.
Costantini não liga: diz que prefere ficar distante das
aglomerações das ruas principais para ter mais concentração. E ele nem mora em
Veneza, mas em outra cidade, no continente e com mais natureza, como aprecia.
Todo dia, caminha meia hora até a estação e depois leva mais quase uma hora de
trem para casa.(MAURICIO KANNO)
fonte: Folha de São
Paulo, Turismo -quinta-feira, 10 de novembro de 2011
6 de fev. de 2012
Trovas de muito amor para um amado senhor de Hilda Hilst
Senhor, se a mim me acrescento
Flores e renda, cetins,
Se solto o cabelo ao vento
É bem por vós, não por mim.
Tenho dois olhos contentes
E a boca fresca e rosada.
E a vaidade só consente
Vaidades, se desejada.
E além de vós
Não desejo nada.
5 de fev. de 2012
Só Tenho a Ti de Hilda Hilst e Adoniran Barbosa
Mas tão distante
Que não me ouves
Chamo e pergunto
Se ainda me queres
Mas o teu grito de assentimento
Chega cansado a meu ouvido
E assim cansado
Desaparece
Como um lamento
Ó minha amada
Bem eu quisera
Que esta vontade
Que se avoluma
No meu pensamento
Se fosse embora
Se fosse embora
4 de fev. de 2012
Intimidade de Débora Siqueira Bueno
Chagall
Desvelamentos –
a dobra branca das coxas,
a maciez do rosto,
nuances da voz,
ruídos do corpo.
Ressono.
Tive um pesadelo e gritei
mas no segundo seguinte já o sabia –
é sonho.
Porém não resisti à idéia
de fruir o acalento de meu medo,
fingimento do que é.
Posso estar absorta,
não importa o vôo.
O silêncio é quietude,
presença mansa,
branda ternura.
Intimidade.
3 de fev. de 2012
Algo de seu para apertar ao coração
"Por favor, mande-me o quanto antes seu último par de sapatos, aquele já gasto de tanto dançar de que me falou em sua última carta, para que eu possa ter novamente algo de seu para apertar ao coração."
2 de fev. de 2012
Otro poema de los dones de Jorge Luis Borges
Gracias quiero dar al divino Laberinto de los efectos y de las causas
Por la diversidad de las criaturas que forman este singular universo,
Por la razón, que no cesará de soñar con un plano del laberinto, (...)
Por el olor medicinal de los eucaliptos,
Por el lenguaje, que puede simular la sabiduría,
Por el olvido, que anula o modifica el pasado,
Por la costumbre, que nos repite y nos confirma como un espejo,
Por la mañana, que nos depara la ilusión de un principio,
Por la noche, su tiniebla y su astronomía,
Por el valor y la felicidad de los otros (...)
1 de fev. de 2012
Maiores e até infinitos.
A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores e até infinitos.
Manoel de Barros
China
Magnolias de Yun Shouping (1633-1690)
Peonias de Yun Shouping
Flor de lótus de Yun Shouping
China, o nome do país (em chinês, "terras centrais" Zhongghuó pela crença chinesa de que seu país era o centro da Terra), o mais populoso do mundo, vem da dinastia Ts'in, que unificou o país no século III DC. Três séculos mais tarde, a terra de Ts'in, que agora constitui a província de Shensi, se tornaria a mais desenvolvida de todo o país e, posteriormente, atraiu exploradores árabes e europeus.
Quando os árabes chegaram, a partir do século VII, chamaram a esta terra Cin, talvez por ouvir o nome da população local, e assim foi transmitido aos mercadores venezianos, que o transformaram em Cina, e em português China.
No século XVII, o missionário jesuíta português Bento de Goes demonstraria que "a China" visitada por numerosos missionários europeus era o mesmo que o "Catay" de Marco Polo.
31 de jan. de 2012
A flor de maracujá de Fagundes Varela
Pelas rosas, pelos lírios,
Pelas abelhas, sinhá,
Pelas notas mais chorosas
Do canto do Sabiá,
Pelo cálice de angústias
Da flor do maracujá !
Pelo jasmim, pelo goivo,
Pelo agreste manacá,
Pelas gotas de sereno
Nas folhas do gravatá,
Pela coroa de espinhos
Da flor do maracujá.
Pelas tranças da mãe-d'água
Que junto da fonte está,
Pelos colibris que brincam
Nas alvas plumas do ubá,
Pelos cravos desenhados
Na flor do maracujá.
Pelas azuis borboletas
Que descem do Panamá,
Pelos tesouros ocultos
Nas minas do Sincorá,
Pelas chagas roxeadas
Da flor do maracujá !
Pelo mar, pelo deserto,
Pelas montanhas, sinhá !
Pelas florestas imensas
Que falam de Jeová !
Pela lança ensangüentado
Da flor do maracujá !
Por tudo que o céu revela !
Por tudo que a terra dá
Eu te juro que minh'alma
De tua alma escrava está !!..
Guarda contigo este emblema
Da flor do maracujá !
Não se enojem teus ouvidos
De tantas rimas em - a -
Mas ouve meus juramentos,
Meus cantos ouve, sinhá!
Te peço pelos mistérios
Da flor do maracujá!
30 de jan. de 2012
Como um gato
I'm like cat here, a no-name slob. We belong to nobody, and nobody belongs to us. We don't even belong to each other. Breakfast at Tiffany's (1961)
Constante de Clara Coelho de Carvalho
Eu conto com (o) amor
Com amor sempre (sem virgulas)
fonte: http://poetetre.wordpress.com/2012/01/27/constante/
Gente é pra brilhar de Vladimir Maiakovski
Milharal com vista para Arles de Van Gogh
Brilhar pra sempre,
brilhar como um farol,
brilhar com brilho eterno,
gente é pra brilhar.
29 de jan. de 2012
Meu avô de Débora Siqueira Bueno
"SONHO Na verdade, sonhar é outra maneira de lembrar." Freud
Essa noite sonhei com o pai de minha mãe,
meu avô bonito e mudo.
No sonho ele falava comigo,
reclamava de eu ter dito bom dia.
– É porque eu gosto do senhor, Vô!
Estava no meu quarto de menina.
Acomodei-o para que dormisse,
mas ele prosseguiu e conversava.
Seus olhos claros tinham um brilho
que a vida embaçou e nunca vi.
A voz cascateava, alegre até,
num tom que também não conheci.
Meu avô falava grego e latim;
criança, quis achar sua linguagem.
Às vezes brincava quieta ao seu lado,
horas.
Olhava-o de soslaio, tímida sorria,
esperando que a vida aparecesse.
Uma vez vieram seus irmãos,
os nomes muito antigos:
Gamaliel, Arcelino,
Alberico, Pergentino.
Sóbrios, com seus chapéus na mão,
traziam os cheiros da fazenda.
Doce de leite, goiabada e rapadura
os presentes dados.
A conversa era pausada,
Siqueiras são circunspetos.
Sentados na varanda em frente ao rio
o que mais se ouvia era a voz das águas.
Foi quando ouvi a voz do meu avô,
única vez.
Meu avô me dava livros, muitos,
devolvidos à minha avó porque pensava
que me eram dados por engano.
Sobraram dois –
um, de botânica,
o outro, de uma coleção – Pensamento Vivo,
O pensamento vivo de Freud.
Meu nome está escrito –
a mim foi dedicado.
Foi assim que meu avô falou comigo,
só o descobri depois, muito depois.
Manuseio o livro amarelado,
repleto de anotações nas margens.
Sítio arqueológico, traz impressas
mensagens destinadas ao futuro.
Ao final encontro, frases soltas –
"O eterno presente – onde o tempo não passa.
Momento da liberdade,
onde não há recordações do passado,
nem as inquietações do futuro.
Porém, a vida palpita sempre.
Sonhada felicidade, o futuro,
visão de esperança".
Meu avô no sonho ria, satisfeito, os dentes lindos.
Da Natureza do Homem - Francis Bacon
Aquele que deseja vencer a sua natureza, não tente dar a si próprio tarefas muito grandes ou muito pequenas; porque as primeiras podem desanimá-lo com frequentes frustrações, e as segundas dar-lhe-ão insignificantes progressos, apesar de serem bem sucedidas. No princípio, irá praticando com auxiliares, como os nadadores se socorrem de bóias e coletes; mas, ao fim de algum tempo, deverá realizar o treino entre dificuldades, como os dançarinos fazem com os socos. Isto porque resulta sempre maior perfeição quando o exercício é mais árduo do que a prática.
(...) Não é má a antiga regra que mandava curvar a natureza até ao extremo oposto, para que ela se rectificasse; subentendendo-se, porém, que o extremo oposto não seja o vício. O homem não se deve forçar a um hábito com contínua persistência, mas com alguma interrupção; porque a pausa reforça a nova investida; e se o homem que não é perfeito estiver sempre a exercitar-se, será tão perito nos seus erros como nas suas virtudes, e será introduzido no hábito de ambos; e não há meio de evitar isso, se não por interrupções oportunas. Mas não confie de mais o homem na vitória sobre a sua natureza, porque ela pode estar sepultada durante muito tempo, e ressuscitar no primeiro momento de tentação.
in 'Ensaios - Da Natureza do Homem
28 de jan. de 2012
A bela adormecida de Adélia Prado
Estou alegre e o motivo
beira secretamente a humilhação,
porque aos 50 anos
não posso mais fazer curso de dança,
escolher profissão,
aprender a nadar como se deve.
No entanto, não sei se é por causa das águas,
deste ar que desentoca do chão as formigas aladas,
ou se é por causa daquele que volta
e põe tudo arcaico como matéria da alma,
se você vai ao pasto,
se você olha o céu,
aquelas frutinhas travosas,
aquela estrelinha nova,
sabe que nada mudou.
O pai está vivo e tosse,
a mãe pragueja sem raiva na cozinha.
Assim que escurecer vou namorar.
Que mundo ordenado e bom !
Namorar quem ?
Minha alma nasceu desposada
com um marido invisível.
Quando ele fala roreja,
quando ele vem eu sei,
porque as hastes se inclinam.
Eu fico tão atenta que adormeço
a cada ano mais.
Sob juramento lhes digo:
tenho 18 anos. Incompletos.
Origami de Livia Garcia Roza
Para que serve um origami?
Para nada.
E é nesse servir para nada que está a beleza dele.
Ele é puro sentido.
27 de jan. de 2012
Eu queria somente olhar de Clarice Lispector
" ...... eu o vi de repente e era um homem tão extraordinariamente bonito e viril que eu senti uma alegria de criação. Não é que eu o quisesse para mim assim como não quero para mim o menino que vi com cabelos de arcanjo correndo atrás da bola. Eu queria somente olhar. O homem olhou um instante para mim e sorriu calmo: ele sabia quanto era belo e sei que sabia que eu não o queria para mim. Sorriu porque não sentiu ameaça alguma.É que os seres excepcionais em qualquer sentido estão sujeitos a mais perigos do que o comum das pessoas. Atravessei a rua e tomei um táxi. A brisa arrepiava-me os cabelos da nuca. E eu estava tão feliz que me encolhi no canto do táxi de medo porque a felicidade dói. E isto tudo causado pela visão do homem bonito. Eu continuava a não querê-lo para mim - gosto é das pessoas um pouco feias e ao mesmo tempo harmoniosas, mas ele de certo modo dera-me muito com o sorriso de camaradagem entre pessoas que se entendem. Tudo isso eu não entendia."
Água Viva. Editora Nova Fronteira, 1980. p. 65
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