19 de abr. de 2012

Amor de Índio - Beto Guedes e Ronaldo Bastos

Marc Chagall - Sonho 

Tudo o que move é sagrado
E remove as montanhas
Com todo cuidado, meu amor
Enquanto a chama arder
Todo dia te ver passar
Tudo viver a teu lado
Com o arco da promessa
Do azul pintado pra durar
(...)

18 de abr. de 2012

O cheiro da madeira de Marcello Mastroianni


Nas férias escolares, entre uma figuração e outra, eu passava quase todos os verões na oficina de meu pai e de meu avô - uma oficininha numa garagem pequena, com duas bancadas de carpintaria, porque os dois eram carpinteiros.
Meu pai ia embora na hora do almoço. Aí meu avô, homem de poucas palavras, dizia-me: " Varra as aparas de madeira e a serragem. As lixas, guarde-as ali. Depois, se tiver tempo, afie as ferramentas". Eu perguntava: "Mas quando é que vou comer ?"
No fundo, isso não me desagradava, porque eu admirava o trabalho daqueles dois homens, que, entre outras coisas, viviam discutindo. Meu pai dizia: "Já faz um dia que está trabalhando nessa cadeira de cozinha ! Quanto é que vai poder cobrar daquela mulher ?" E meu avô: "É minha obrigação consertá-la". Já naquele tempo, havia conflito de gerações.
Eu ficava um pouco envergonhado. Ali pelos quinze, dezesseis anos, comecei a olhar para as meninas. De vez em quando, meu avô me dizia: "Pegue a bolsa de ferramentas. Vamos consertar uma porta que não fecha mais". Na casa a que devíamos ir, talvez morasse uma garota em quem eu estivesse interessado, e chegar com aquela sacola de ferramentas seria ... Sinceramente, eu tinha vergonha.
Mas as lembranças daqueles anos são muito bonitas. O cheiro da madeira, por exemplo. Quem não o conhece não pode imaginar quanto é bom. O cheiro de madeira misturado ao suor de meu pai e de meu avô, aos impropérios, às cuspidas de vovô, que fumava cachimbo. Acho que aprendi muita coisa com aquelas experiências - certa percepção das coisas simples, certa humildade.
in: Mastroianni, Marcello. Eu me lembro, sim, eu me lembro. DBA, 1999. p. 95.

17 de abr. de 2012

Leveza de Cecília Meireles

imagem de Henriette Browne

Leve é o pássaro:
e a sua sombra voante,
mais leve.

E a cascata aérea
de sua garganta,
mais leve.

E o que se lembra, ouvindo-se
deslizar seu canto,
mais leve.

E o desejo rápido
desse mais antigo instante,
mais leve.

E a fuga invisível
do amargo passante,
mais leve.

16 de abr. de 2012

Pierre Verger - Fotografia

foto de Pierre Verger 

Intimidade, por Luiz Fernando Verissimo



Os dois na cama.

— Bem...

— Mmm?

— Posso te fazer uma pergunta?

— Se você pode me fazer uma pergunta? 40 anos de casados e você precisa de permissão para me fazer uma pergunta?

— É uma coisa que me intriga há 40 anos...

— O que?

— A sua calcinha pendurada no box do chuveiro...

— Sim?

— Está ali para secar ou para molhar mais?

— Como é?!

— A sua calcinha pendurada no...

— Eu ouvi a pergunta. Só não estou acreditando. Há 40 anos você vive com essa dúvida? O que a calcinha dela está fazendo no box do banheiro?

— É. Ela foi lavada e está secando, ou está ali para receber mais água?

— E por que você levou 40 anos para me fazer essa pergunta?

— Sei lá. Eu...

— Você achou que nós não tínhamos intimidade o bastante para tratar do assunto, é isto?. Que eram necessários 40 anos de vida em comum para podermos discutir a minha calcinha pendurada no box sem constrangimentos. É isto? Você sabe tudo ao meu respeito. Sabe toda a minha vida, conhece cada estria e sinal do meu corpo, sabe do que eu gosto e não gosto, em quem eu voto, sabe as minhas manias e os meus ruídos, mas estava faltando este detalhe. Este ponto cego no nosso relacionamento. O que a minha calcinha faz pendurada no box do banheiro.

— Não, eu queria perguntar há tempo, mas...

— Já sei. Você achou que fosse uma coisa só de mulher, que homem jamais entenderia. As calcinhas penduradas no chuveiro seriam uma espécie de demarcação de território, um ritual de congregação tribal. Um mistério que une todas as mulheres do mundo e um terreno em que homem só entra com o risco de enlouquecer. Por isso demorou tanto para fazer a pergunta.

— Nada disso. Eu só...

— Francamente.

Ele já estava quase dormindo quando se deu conta. Ela não respondera a pergunta.

Bob Carey e o Projeto Tutu: fotos malucas de si mesmo para beneficiar pacientes de câncer de mama







http://www.thetutuproject.com/

15 de abr. de 2012

Encadeamento


“Foi um dia memorável, pois operou grandes mudanças em mim. Mas isso se dá com qualquer vida. Imagine um dia especial na sua vida e pense como teria sido seu percurso sem ele. Faça uma pausa, você que está lendo, e pense na grande corrente de ferro, de ouro, de espinhos ou flores que jamais o teria prendido não fosse o encadeamento do primeiro elo em um dia memorável.”
Charles Dickens, In: Grandes esperanças

14 de abr. de 2012

O Que é Escrever? Agustina Bessa-Luís

Ama-se a palavra, usa-se a escrita, despertam-se as coisas do silêncio em que foram criadas.
Depois de tudo, escrever é um pouco corrigir a fortuna, que é cega, com um júbilo da Natureza, que é precavida.
in "Contemplação Carinhosa da Angústia"

Fractais







Fractais (do latim fractus, fração, quebrado) são figuras da geometria não-Euclidiana. 
A geometria fractal é o ramo da matemática que estuda as propriedades e comportamento dos fractais. Descreve muitas situações que não podem ser explicadas facilmente pela geometria clássica, e foram aplicadas em ciência, tecnologia e arte gerada por computador. As raízes conceituais dos fractais remontam a tentativas de medir o tamanho de objetos para os quais as definições tradicionais baseadas na geometria euclidiana falham.

Um fractal é um objeto geométrico que pode ser dividido em partes, cada uma das quais semelhante ao objeto original. Diz-se que os fractais têm infinitos detalhes, são geralmenteautossimilares e independem de escala. Em muitos casos um fractal pode ser gerado por um padrão repetido, tipicamente um processo recorrente ou iterativo.

O termo foi criado em 1975 por Benoît Mandelbrot, matemático francês nascido na Polónia, que descobriu a geometria fractal na década de 70 do século XX, a partir do adjetivo latino fractus, doverbo frangere, que significa quebrar. Os Fractais são normalmente gerados através de computadores com softwares específicos. Através de seu estudo podemos descrever muitos objetos extremamente irregulares do mundo real.

fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Fractal

13 de abr. de 2012

Ane Vivoda - artista croata






Instantâneos diferentes do ser de Marcel Proust


Fabrice Wittner

Os seres não cessam de mudar de lugar em relação a nós. Na marcha insensível mas eterna do mundo, nós consideramo-los como imóveis num instante de visão, demasiado breve para que seja percebido o movimento que os arrasta. Mas basta escolher na nossa memória duas imagens suas, tomadas em instantes diferentes, bastante próximos no entanto para que eles não tenham mudado em si mesmo, pelo menos sensivelmente, e a diferença das duas imagens mede a deslocação que eles operavam em relação a nós.
Marcel Proust, in 'Sodoma e Gomorra'

12 de abr. de 2012

Amizade de Simone Weil


imagem: Jack Vettriano

A amizade deve ser uma alegria gratuita como as que a arte ou a vida oferecem.

Simone Weil, in A Gravidade e a Graça

Saudade de Guimarães Rosa



A saudade é o braço-e-a mão do coração, e que, certas horas, 
quer segurar demais em alguma pessoa ou coisa.

João Guimarães Rosa in Ave, Palavra

11 de abr. de 2012

Efeito jacaré de Fabrício Carpinejar



Toda relação tem um efeito Jacaré. Ele engole pessoas ainda vivas. Tritura amores. Cuidado.
Fui procurar uma meia na lavanderia de minha namorada. Achei um saco de brinquedos. Num canto. Mexi com o tato: hélices, bonecas, corda de pular, quebra-cabeça.
- O que é isso, Cínthya?
- O quê?
- Esse saco de brinquedos aqui atrás?
- Peças do meu consultório antigo, quando atendia crianças.
Observei o estado de abandono das peças, exalando a condição de trastes, empoeirados e sem uso. Retirei todos para espiar se localizava algum fetiche de minha infância. Virei a lona no chão e já não me importava que estava descalço. Do pântano, saltou um jacaré. Bonito, de borracha, do tamanho de uma tábua de passar.
Pulei de faceirice como quem reencontra um par de luvas. Combina com a minha estante, pensei. Vou colocar na ala infantil, chamará atenção.
Naquele momento, eu me fardei de pet shop. Levei o bichinho para lavar. Retirei as manchas, a sujeira, esfreguei suas escamas, ainda dei ao luxo de aquecê-lo com o secador.
O jacaré rejuvenesceu, já era um filhote de jacaré. Lustrado. Cintilante.
Na sala, comuniquei minha decisão para Cínthya:
- Peguei o Jacaré para mim.
- Que jacaré?
- Este! (retirei das costas como um buquê). Arrumei e aprontei para sair comigo. Vou levar para meu escritório.
- Nãooooooooooooooooo
A negativa me magoou. Não absorvi o tranco. Imaginei que estivesse troçando, fazendo charme. Mas ela lançou tentáculos na minha direção e puxou o jacaré para perto dos seus seios. Com a violência de uma mãe recente.
Tentei argumentar:
- Largou o bicho, imundo. Não duvido que permaneceu parado naquele lugar há três anos. E agora banca a interessada?
- Não importa, é meu!
É muito egoísmo, deduzi. E comecei a enumerar as minhas tentativas frustradas de levar algo de seu apartamento. Reclamei de sua possessividade, da ausência absoluta de gentileza. Demonizei a namorada, faltou somente colocar a bata negra da Inquisição e armar o fogo.
Bati a porta e não me despedi. Desci lento as escadas, aguardando que ela se arrependesse. Sempre parto devagar, esperando um pedido de desculpa sôfrego pelo corredor, dando chance para que ela me alcance pelo grito.
Não correu atrás de mim, muito menos caminhou. Não era isso que queria mesmo. A verdade é que não desejamos que a namorada corra para nos buscar, desejamos que ela rasteje.
Perdi o jacaré. Aliás, não perdi o jacaré, não era meu, não ganhei o jacaré simplesmente.
Por pouco, não fui engolido pela avareza. O orgulho é a mais grave avareza.
Descobri que o egoísta era eu. Eu é que entrei em seu espaço, mexi em suas lembranças, retirei um objeto qualquer, sem perguntar que valor tinha para ela, quem havia oferecido, sua história. Vá lá que seja lembrança de um amigo que morreu ou um presente de uma amiga que não vê mais.
É a mania de desfalcar quem amamos pelo ideal de despojamento. Há uma concepção equivocada no relacionamento de que não deve persistir limites na entrega. Com limites, acusamos que não é mais amor.
Aproveitando a culpa, os amantes são os piores trambiqueiros, esquecem o valor dos detalhes, tiram vantagem em cada gesto.
É o mesmo que entrar no quarto do filho e colocar, de modo arbitrário, roupas fora. Entregaremos justo sua camisa predileta ou a mais confortável para a Campanha do Agasalho. É o mesmo que promover uma limpeza nas gavetas da criança e eliminar tampinhas de garrafa, confiando que aquilo é um lixo imperdoável, sem adivinhar que serviam para sinalizar a pista de pouso dos aviões de guerra.
Cada peça da casa é contaminada pela imaginação do seu dono, revestida da memória afetiva de seu uso. Não seria conservada se não fosse importante.
Não desfrutei de nenhuma educação, poderia ao menos questionar qual o nome do jacaré. Recolhi o animal com a pretensão de que cuidaria melhor dele. Deixei de cuidar de minha namorada.

Ara Güler, fotojornalista
















Ara Güler nascido em Istambul em 1928, é um fotojornalista de origem armenia.

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...