5 de mai. de 2012

O momento mais feliz da minha vida de Orhan Pamuk

Frank Dicksee -  Romeu e Julieta

‎"Era o momento mais feliz da minha vida, mas eu não sabia. Se soubesse, se tivesse dado o devido valor a essa dádiva, tudo teria acontecido de outra maneira? Sim, se eu tivesse reconhecido aquele momento de felicidade perfeita, teria agarrado com força e nunca deixaria que me escapasse. Levou alguns segundos, talvez, para aquele estado luminoso tomar conta de mim, mergulhando-me na paz mais profunda, mas ele me pareceu ter durado horas, até mesmo anos. " 
Orhan Pamuk, O Museu da Inocência. Companhia das Letras, 2011. p. 15

Lenço de pano de Fabrício Carpinejar


Fui procurar um lenço movido por nostalgia, para dar aos meus filhos. Devassei as lojas e feiras de artesanato e não achei o produto. Tinha que explicar ainda. Explicar nos envelhece.
– Tem lenço?
– Lenço?
– De pano, de nariz, de enxugar a testa?
– Ah, sim, isso é muito antigo, não tem não.
Não se vendem mais lenços em Porto Alegre.
Não verei de novo aquela cena portuária das pessoas se despedindo com as pequenas bandeiras brancas.
Lenço nos ensinava a acenar. Era o professor da despedida. O professor de nossa saudade.
Adeus, lenço!

4 de mai. de 2012

Prato de figos de Eugénio de Andrade

Giovanna Garzoni (1600-1657) 
Também a poesia é filha
da necessidade –
esta que me chega um pouco já
fora do tempo,
deixou de ser sumarenta alegria
do sol sobre a boca;
esta, perdida a húmida
e nacarada pele adolescente,
mais parece um desses figos
secos ao sol de muitos dias
que no inverno sempre se encontram
postos num prato
para comeres junto ao fogo.

3 de mai. de 2012

André Kértesz (1894, Budapeste - 1985, Nova Iorque)












Serendipidade

Nizami (Ilyas Abu Muhammad Nizam al-Din of Ganja) (probably 1141–1217)

Serendipidade, também conhecido como Serendipismo, Serendiptismo ou ainda Serendipitia, é um neologismo que se refere às descobertas afortunadas feitas, aparentemente, por acaso.
A palavra Serendipismo se origina da palavra inglesa Serendipity, criada pelo escritor britânico Horace Walpole em 1754, a partir do conto persa infantil "Os três príncipes de Serendip". Esta história de Walpole conta as aventuras de três príncipes do Ceilão, atual Sri Lanka, que viviam fazendo descobertas inesperadas, cujos resultados eles não estavam procurando realmente. Graças à capacidade deles de observação e sagacidade, descobriam “acidentalmente” a solução para dilemas impensados. Esta característica tornava-os especiais e importantes, não apenas por terem um dom especial, mas por terem a mente aberta para as múltiplas possibilidades.
Serendib é o nome que os comerciantes árabes da antiguidade deram ao Sri Lanka (um entre vários nomes dados a esta ilha através de sua história, sendo que os cartógrafos gregos antigos a chamavam de Toprobane; já o atual nome do país significa Terra Resplandecente no idioma sânscrito, conforme registrado nos antigos épicos indianos Mahabharata e Ramayana; finalmente, com a chegada dos portugueses, a ilha recebeu o nome luso de Ceilão, do qual deriva a versão inglesa Ceylon).
fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Serendipidade#Etimologia_e_hist.C3.B3ria


Olha o teu leque esquecido! de Fernando Pessoa


 Renoir

 Renoir
Olha o teu leque esquecido!
Olha o teu cabelo solto!
Maria, toma sentido!
Maria, senão não volto!


Ausente de Maria Gabriela LLansol



 se estiveres ausente ( automóvel, comboio, avião, mudança de estação ou de cidade ), compra um papel simples que te comunique e envia-mo pelos meios mais eficazes ao teu alcance, e que te revelem como comprimido a desfazer-se debaixo da língua.

Amigo e amiga, Curso de silênco de 2004. Assírio & Alvim, 2006

2 de mai. de 2012

Verossímil de Adélia Prado


W.-A. Bouguereau. A canção dos anjos. 1881

Antigamente, em maio, eu virava anjo.
A mãe me punha o vestido, as asas,
me encalcava a coroa na cabeça e encomendava:
‘canta alto, espevita as palavras bem’.
Eu levantava voo rua acima.

Adélia Prado, em “Bagagem”

1 de mai. de 2012

Rosa, rosa, trandafir, tela







O poeta-operário de Vladimir Maiacovski

Grita-se ao poeta:

"Queria te ver numa fábrica!

O que? Versos? Pura bobagem".

Talvez ninguém como nós

ponha tanto coração

no trabalho.
Eu sou uma fábrica.
E se chaminés
me faltam
talvez seja preciso
ainda mais coragem.
Sei.
Frases vazias não agradam.
Quando serrais madeira
é para fazer lenha.
E nós que somos
senão entalhadores a esculpir
a tora da cabeça humana?
Certamente que a pesca é coisa respeitável.
Atira-se a rede e quem sabe?
Pega-se um esturjão!
Mas o trabalho do poeta
é muito mais difícil.
Pescamos gente viva e não peixes.
Penoso é trabalhar nos altos-fornos
onde se tempera o ferro em brasa.
Mas pode alguém
acusar-nos de ociosos?
Nós polimos as almas
com a lixa do verso.
Quem vale mais:
o poeta ou o técnico
que produz comodidades?
Ambos!
Os corações também são motores.
A alma é poderosa força motriz.
Somos iguais.
Camaradas dentro da massa operária.
Proletários do corpo e do espírito.
Somente unidos,
somente juntos remoçaremos o mundo,
fá-lo-emos marchar num ritmo célere.
Diante da vaga de palavras
levantemos um dique!
Mãos à obra!
(...)

(publicado em 1918)
tradução de  Emilio C. Guerra 
Vladimir Maiacovski 1893-1930

30 de abr. de 2012

Memorandum de Mario Benedetti

Uno llegar e incorporarse el día
Dos respirar para subir la cuesta
Tres no jugarse en una sola apuesta
Cuatro escapar de la melancolía
Cinco aprender la nueva geografía
Seis no quedarse nunca sin la siesta
Siete el futuro no será una fiesta
Y ocho no amilanarse todavía
Nueve vaya a saber quién es el fuerte
Diez no dejar que la paciencia ceda
Once cuidarse de la buena suerte
Doce guardar la última moneda
Trece no tutearse con la muerte
Catorce disfrutar mientras se pueda. 

...........................................................

Um chegar e incorporar-se o dia
Dois respirar para subir a ladeira
Três não jogar-se em uma só aposta
Quatro escapar da melancolia
Cinco aprender a nova geografia
Seis não ficar-se nunca sem a sesta
Sete o futuro não será uma festa e
Oito não assustar-se ainda
Nove vai a saber quem é o forte
Dez não deixar que a paciência ceda
Onze cuidar-se da boa sorte
Doze guardar a última moeda
Treze não tratar-se com a morte
Catorze desfrutar enquanto se pode.

Tradução de Maria Teresa Almeida Pina

29 de abr. de 2012

Poemas de Eugénio de Andrade


Beijo Querubim de Rogerio Fernandes

Canção
Tinha um cravo no meu balcão;
veio um rapaz e pediu-mo
– mãe, dou-lho ou não?
Sentada, bordava um lenço de mão;
veio um rapaz e pediu-mo
– mãe, dou-lho ou não?

Dei um cravo e dei um lenço,
só não dei o coração;
mas se o rapaz mo pedir
– mãe, dou-lho ou não?
.

28 de abr. de 2012

Dias:: Philip Larkin


Para que servem os dias?
Dias são onde vivemos.
Eles vêm, nos acordam
Um depois do outro.
Servem para a gente ser feliz:
Onde podemos viver senão neles?

Ah, resolver essa questão
Faz o padre e o médico
Em seus longos paletós
Perderem seu trabalho.

Philip Larkin, "Days" In : Nichols, David. Um dia.

27 de abr. de 2012

Canção Para Álbum de Moça Carlos Drummond de Andrade



Bom dia: eu dizia à moça
que de longe me sorria.
Bom dia: mas da distância
ela nem me respondia.
Em vão a fala dos olhos
e dos braços repetia
bom-dia a moça que estava
de noite como de dia
bem longe de meu poder
e de meu pobre bom-dia.

Bom-dia sempre: se acaso
a resposta vier fria ou tarde vier,
contudo esperarei o bom-dia.
E sobre casas compactas
sobre o vale e a serrania
irei repetindo manso
a qualquer hora: bom dia.
Nem a moça põe reparo
não sente, não desconfia
o que há de carinho preso
no cerne deste bom-dia.

Bom dia: repito à tarde
à meia-noite: bom dia.
E de madrugada vou
pintando a cor de meu dia
que a moça possa encontrá-lo
azul e rosa: bom dia.

Bom dia: apenas um eco na mata
(mas quem diria)
decifra minha mensagem,
deseja bom o meu dia.
A moça, sorrindo ao longe
não sente, nessa alegria,
o que há de rude também
no clarão deste bom-dia.
De triste, túrbido, inquieto,
noite que se denuncia
e vai errante, sem fogos,
na mais louca nostalgia.
Ah, se um dia respondesses
Ao meu bom-dia: bom dia!
Como a noite se mudara
no mais cristalino dia!

Miosotis






As flores Miosotis também são conhecidas como “não se esqueça de mim” ou ”não me esqueças” em várias línguas — non-ti-scordar-di-me, na Itália, forget-me-not na língua inglesa. São várias as formas de se explicar o seu nome, são diversas as lendas e estórias que passaram de pai para filho. Em uma antiga e romântica lenda alemã, conta-se esse nome está relacionado à última frase de um cavaleiro que, tentando alcançar uma flor para oferecer para a sua companheira, por conta do peso da armadura caiu em um rio e se afogou. Em outra lenda, conta-se que o nome teria sido dado por Adão, ainda no Éden, que ao nomear as flores do jardim esquecera desta e, mais tarde, ao constatar que essa planta havia sido esquecida, deu-lhe então o nome de Miosotis como forma de compensação por seu esquecimento. Uma terceira lenda, cristã e popular, diz-se que as flores dessa planta teriam ficado da cor azul quando a Virgem Maria lhes derramou lágrimas por cima. Na Europa há um folclore que costuma atribuir diversos poderes mágicos ao Miosotis, tratando-o, por exemplo, como chave mágica para tesouros enfeitiçados.

fonte: http://www.portalmundodasflores.com.br/guia_plantas_22.asp

26 de abr. de 2012

Todo o Leitor é Leitor de si Mesmo- de Marcel Proust

imagem: Elizabeth Peyton
Na realidade, todo leitor é, quando lê, o leitor de si mesmo. A obra não passa de uma espécie de instrumento óptico oferecido ao leitor a fim de lhe ser possível discernir o que, sem ela, não teria certamente visto em si mesmo.
Marcel Proust, in "O Tempo Redescoberto"

25 de abr. de 2012

Da pequena parte de perfeição


Amor e Psique de Antonio Canova (1757 — 1822)

“Já amei mulheres de feições diversas,
Por suas mais diversas qualidades,
Mas nunca assim, com toda a minha alma,
Pois sempre alguma sombra de defeito
Pairava sobre a graça mais perfeita
E desfazia o meu encantamento.
Mas você é tão bela e tão perfeita,
Parece feita da pequena parte
De perfeição que há em cada criatura.”
Shakespeare “A Tempestade”, tradução de Geraldo Carneiro

Erva-doce




O funcho, também conhecido por anis-doce, erva-doce, maratro ou finóquio, ou fiuncho, é o nome vernáculo dado à espécie herbácea Foeniculum vulgare Mill. (sinónimo taxonómico de Anethum foeniculum L. e deFoeniculum officinale L.) uma umbelífera fortemente aromática comestível utilizada em culinária, em perfumaria e como aromatizante no fabrico de bebidas espirituosas e planta medicinal. O funcho é nativo da bacia do Mediterrâneo, com variedades na Macaronésia e no Médio Oriente, onde ocorre no estado silvestre, mas é hoje cultivado, sob diversas formas varietais, em todas as regiões temperadas e subtropicais. 
fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Funcho

24 de abr. de 2012

Presença de Mário Quintana

Wyeth
É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,
teu perfil exato e que, apenas, levemente, o vento
das horas ponha um frêmito em teus cabelos...
É preciso que a tua ausência trescale
sutilmente, no ar, a trevo machucado,
as folhas de alecrim desde há muito guardadas
não se sabe por quem nalgum móvel antigo...
Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela
e respirar-te, azul e luminosa, no ar.
É preciso a saudade para eu sentir
como sinto - em mim - a presença misteriosa da vida...
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista
que nunca te pareces com o teu retrato...
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te.

Fotografia: Diego González Ragel [España, 1893-1951].








Sobre: Diego González Ragel [España, 1893-1951]. Las aficiones de Diego González Ragel pronto le condujeron hasta un variado grupo de artistas, intelectuales, deportistas y aristócratas de la época que iría fotografiando a lo largo de toda su vida. Paralelamente se especializó en el fotorreportaje, cuya dificultad técnica y modernidad pronto le lanzaron a la fama. Colaboró con revistas y publicaciones de gran prestigio, como Blanco y Negro o The Illustrated London News. Destacan también varias series de retratos, como los de la familia Sorolla o los del guitarrista Andrés Segovia. Junto a otros colegas, fundó la Unión de Reporteros Gráficos de Guerra y en 1941 fue nombrado fotógrafo oficial del Banco de España, actividad que combinaba con sus colaboraciones en el diario ABC y con trabajos más personales: retratos de familia, vistas de Madrid y reportajes de carreras y cacerías.

João Fasolino (1987, Rio de Janeiro)