Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
14 de mai. de 2012
Discurso de Cecilia Meireles
E aqui estou, cantando.
Um poeta é sempre irmão do vento e da água:
deixa seu ritmo por onde passa.
Venho de longe e vou para longe:
mas procurei pelo chão os sinais do meu caminho
e não vi nada, porque as ervas cresceram e as serpentes
andaram.
Também procurei no céu a indicação de uma trajetória,
mas houve sempre muitas nuvens.
E suicidaram-se os operários de Babel.
Pois aqui estou, cantando.
Se eu nem sei onde estou,
como posso esperar que algum ouvido me escute?
Ah! Se eu nem sei quem sou,
como posso esperar que venha alguém gostar de mim?
13 de mai. de 2012
A minha filha junto de mim de Débora Siqueira Bueno
Jessie Willcox Smith
Para Lígia, que comigo escreveu esse poema.
A minha filha junto de mim lê os meus sonhos.
Tento evitá-lo –
aquilo não é coisa pra criança.
Insiste.
– Credo, mãe! Isso não é sonho, é pesadelo!
Senta-se e escreve em meu lugar –
A minha filha junto de mim.
Me junta a mim, a desjuntada,
me aconchega
e nina o desânimo em que me encontro.
Espanta o siso e abre o riso e fecho o livro
de onde brotam tais palavras mal escritas.
A minha filha junto de mim me traz de volta
ao mundo vivo em que pertenço a alguém
que me pertence e me escreve – filha.
Palavra forte.
Inscreve – mãe –
me faz alguém.
A minha filha junto de mim sonha seus sonhos
e abre o livro vivo que há em mim.
12 de mai. de 2012
Bauhinia, pata de vaca
11 de mai. de 2012
As mães de Eugénio de Andrade
foto: Dorothea Lange
Elas são as Mães, ignorantes da morte mas certas da sua ressurreição.
1987
10 de mai. de 2012
Na ribeira deste rio de Fernando Pessoa
imagem: Lisboa, vista
Na ribeira deste rio
Ou na ribeira daquele
Passam meus dias a fio
Nada me impede, me impele
Me dá calor ou dá frio
Vou vivendo o que o rio faz
Quando o rio não faz nada
Vejo os rastros que ele traz
Numa seqüência arrastada
Do que ficou para trás
Vou vendo e vou meditando
Não bem no rio que passa
Mas só no que estou pensando
Porque o bem dele é que faça
Eu não ver que vai passando
Vou na ribeira do rio
Que está aqui ou ali
E do seu curso me fio
Porque se o vi ou não vi
Ele passa e eu confio
Ele passa e eu confio
9 de mai. de 2012
Saudade
Saudade de Almeida Junior
fitei intensamente a lua:
era o teu rosto
na noite do desespero.
de ti tive abundância
em tempo de penúria.
pude viver em graça
no abrigo que me davas.
ai, a saudade dessa estima antiga!
doce era ser sob a tua sombra:
errava no verde prado
perto da fonte de água fresca!
ibn 'ammâr 1031-1084
o meu coração é árabe - a poesia luso-árabe. radução de adalberto alves. assírio & alvim, 1999
8 de mai. de 2012
Certas mulheres de Diva Cunha
Certas mulheres catam coisas pequeninas
conchas, feijões, letras
outras distraem-se nos espelhos
contam rugas
algumas contam nuvens
criam cachorros e gatos como crianças
certas mulheres guardam mágoas
ressentimentos, botões, elásticos
algumas são como certos homens
não contam nada
ocupadas com coisas incontáveis
Diva Cunha (10 de dezembro de 1947, em Natal, RN)
Diva Cunha (10 de dezembro de 1947, em Natal, RN)
As rosas de Sophia de Mello Breyner Andresen
Quando à noite desfolho e trinco as rosas
É como se prendesse entre os meus dentes
Todo o luar das noites transparentes,
Todo o fulgor das tardes luminosas,
O vento bailador das Primaveras,
A doçura amarga dos poentes,
E a exaltação de todas as esperas.
in Dia do Mar, 1947
Sabe, se quer que lhe diga, do que eu me lembro bem, e para mim o que é importante, é os sítios onde escrevi, as situações em que escrevi. Há um poema que diz: «Quando à noite desfolho e trinco as rosas». Isto é absolutamente verdade: eu ia para o jardim da minha avó colher rosas, a minha avó já tinha morrido e era um jardim semi-abandonado, colhia camélias no Inverno e rosas na Primavera. Trazia imensas rosas para casa, havia sempre uma grande jarra cheia delas em frente da janela, no meu quarto. E depois eu desfolhava e comia as rosas, mastigava-as... No fundo era a tentativa de captar qualquer coisa a que só posso chamar a alegria do universo, qualquer coisa que floresce.
É como se prendesse entre os meus dentes
Todo o luar das noites transparentes,
Todo o fulgor das tardes luminosas,
O vento bailador das Primaveras,
A doçura amarga dos poentes,
E a exaltação de todas as esperas.
in Dia do Mar, 1947
Sabe, se quer que lhe diga, do que eu me lembro bem, e para mim o que é importante, é os sítios onde escrevi, as situações em que escrevi. Há um poema que diz: «Quando à noite desfolho e trinco as rosas». Isto é absolutamente verdade: eu ia para o jardim da minha avó colher rosas, a minha avó já tinha morrido e era um jardim semi-abandonado, colhia camélias no Inverno e rosas na Primavera. Trazia imensas rosas para casa, havia sempre uma grande jarra cheia delas em frente da janela, no meu quarto. E depois eu desfolhava e comia as rosas, mastigava-as... No fundo era a tentativa de captar qualquer coisa a que só posso chamar a alegria do universo, qualquer coisa que floresce.
7 de mai. de 2012
Herança de Eugénio de Andrade
É a minha herança: o sorriso,
o azul de uma pedra branca.
Posso juntar-lhe, ao acaso da memória,
um ramo de madressilva inclinado
para as abelhas que metodicamente fazem
do outono o lugar preferido do verão,
para fazer ninho num poema meu,
um barco chamado Cavalinho na Chuva
à espera de reparação no molhe da Foz.
Deve haver mais alguma coisa,
não serei tão pobre, cometemos sempre
a injustiça de não referir, por pudor,
coisas mais íntimas: um verso de Safo
traduzido por Quasimodo, a mão
que por instantes nos pousou no joelho
e logo voou para muito longe,
as cadências do coração
teimoso em repetir que não envelheceu.
In: Os Sulcos da Sede (2001)
6 de mai. de 2012
Amar de Jean Cocteau
"O verbo amar é difícil de conjugar;
o seu passado nunca é simples,
o seu presente é apenas indicativo
e o seu futuro é sempre condicional".
5 de mai. de 2012
O momento mais feliz da minha vida de Orhan Pamuk
Frank Dicksee - Romeu e Julieta
Orhan Pamuk, O Museu da Inocência. Companhia das Letras, 2011. p. 15
Lenço de pano de Fabrício Carpinejar
Fui procurar um lenço movido por nostalgia, para dar aos meus filhos. Devassei as lojas e feiras de artesanato e não achei o produto. Tinha que explicar ainda. Explicar nos envelhece.
– Tem lenço?
– Lenço?
– De pano, de nariz, de enxugar a testa?
– Ah, sim, isso é muito antigo, não tem não.
Não se vendem mais lenços em Porto Alegre.
Não verei de novo aquela cena portuária das pessoas se despedindo com as pequenas bandeiras brancas.
Lenço nos ensinava a acenar. Era o professor da despedida. O professor de nossa saudade.
Adeus, lenço!
4 de mai. de 2012
Prato de figos de Eugénio de Andrade
da necessidade –
esta que me chega um pouco já
fora do tempo,
deixou de ser sumarenta alegria
do sol sobre a boca;
esta, perdida a húmida
e nacarada pele adolescente,
mais parece um desses figos
secos ao sol de muitos dias
que no inverno sempre se encontram
postos num prato
para comeres junto ao fogo.
3 de mai. de 2012
Serendipidade
Nizami (Ilyas Abu Muhammad Nizam al-Din of Ganja) (probably 1141–1217)
A palavra Serendipismo se origina da palavra inglesa Serendipity, criada pelo escritor britânico Horace Walpole em 1754, a partir do conto persa infantil "Os três príncipes de Serendip". Esta história de Walpole conta as aventuras de três príncipes do Ceilão, atual Sri Lanka, que viviam fazendo descobertas inesperadas, cujos resultados eles não estavam procurando realmente. Graças à capacidade deles de observação e sagacidade, descobriam “acidentalmente” a solução para dilemas impensados. Esta característica tornava-os especiais e importantes, não apenas por terem um dom especial, mas por terem a mente aberta para as múltiplas possibilidades.
Serendib é o nome que os comerciantes árabes da antiguidade deram ao Sri Lanka (um entre vários nomes dados a esta ilha através de sua história, sendo que os cartógrafos gregos antigos a chamavam de Toprobane; já o atual nome do país significa Terra Resplandecente no idioma sânscrito, conforme registrado nos antigos épicos indianos Mahabharata e Ramayana; finalmente, com a chegada dos portugueses, a ilha recebeu o nome luso de Ceilão, do qual deriva a versão inglesa Ceylon).
fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Serendipidade#Etimologia_e_hist.C3.B3ria
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