Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
14 de mar. de 2013
No jardim que o pensamento permite de Maria Gabriela Llansol
in: Parasceve. Puzzles e ironias. Relógio d'Água, 2001.
13 de mar. de 2013
O dia já envelheceu de Manoel de Barros
Van Gogh "Landscape At Twilight"
No fim da tarde, nossa mãe aparecia nos fundos do quintal :
Meus filhos, o dia já envelheceu, entrem pra dentro.
Manoel de Barros
12 de mar. de 2013
Artes - Maria Lúcia Dal Farra
Picasso
Não distingo o que queres
e nem triunfo sobre
o enigma que nos atrai
(assim dessemelhantes).
Mas se adivinho o que há dentro do teu cenho
e se (acaso)
empreendo o que (querendo) não fazes por
consumar –
ganho (em troca)
a solidão patética de quem erra
por acertar.
O amor é isso:
cisco que tolda a vista
tão só pra se enxergar.
fonte: Alumbramentos, 2012
11 de mar. de 2013
Às vezes, em sonho triste de Fernando Pessoa
Vieira da Silva
Às vezes, em sonho triste
Nos meus desejos existe
Longinquamente um país
Onde ser feliz consiste
Apenas em ser feliz.
Vive-se como se nasce
Sem o querer nem saber.
Nessa ilusão de viver
O tempo morre e renasce
Sem que o sintamos correr.
O sentir e o desejar
São banidos dessa terra.
O amor não é amor
Nesse país por onde erra
Meu longínquo divagar.
Nem se sonha nem se vive:
É uma infância sem fim.
Parece que se revive
Tão suave é viver assim
Nesse impossível jardim.
21-11-1909
Novas Poesias Inéditas. Fernando Pessoa. (Direcção, recolha e notas de Maria do Rosário Marques Sabino e Adelaide Maria Monteiro Sereno.) Lisboa: Ática, 1973 (4ª ed. 1993). - 15.
Comandando os passos - Livia Garcia Roza
Ruth S Harris
Poucas coisas são mais bonitas
do que crianças caminhando.
A alegria comandando os passos.
10 de mar. de 2013
Teresa de Manuel Bandeira
Picasso
A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna
Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)
Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.
9 de mar. de 2013
Amor de Eugenio de Andrade
é uma ave a tremer
nas mãos duma criança.
Serve-se de palavras
por ignorar
que as manhãs mais limpas
não têm voz.
8 de mar. de 2013
A Ovelha de Henriqueta Lisboa
Encontrastes acaso
a ovelha desgarrada?
A mais tenra
do meu rebanho?
A que despertava ao primeiro
contato do sol?
A que buscava a água sem nuvens
para banhar-se?
A que andava solitária entre as flores
e delas retinha a fragrância
na lã doce e fina?
A que temerosa de espinhos
aos bosques silvestres
preferia o prado liso, a relva?
A que nos olhos trazia
uma luz diferente
quando à tarde voltávamos
ao aprisco?
A que nos meus joelhos brincava
tomada às vezes de alegria louca?
A que se dava em silêncio
ao refrigério da lua
após o longo dia estival?
A que dormindo estremecia
ao menor sussurro de aragem?
Encontrastes acaso
a mais estranha e dócil
das ovelhas?
Aquela a que no coração eu chamava
– a minha ovelha?
Em: Nova Lírica: poemas selecionados, Henriqueta Lisboa, Belo Horizonte, Imprensa Oficial: 1971
7 de mar. de 2013
O Dia Deu em Chuvoso - Fernando Pessoa (Álvaro de Campos)
Chuva de Oswaldo Goeldi
O dia deu em chuvoso.
A manhã, contudo, esteve bastante azul.
O dia deu em chuvoso.
Desde manhã eu estava um pouco triste.
Antecipação! Tristeza? Coisa nenhuma?
Não sei: já ao acordar estava triste.
O dia deu em chuvoso.
Bem sei, a penumbra da chuva é elegante.
Bem sei: o sol oprime, por ser tão ordinário, um elegante.
Bem sei: ser susceptível às mudanças de luz não é elegante.
Mas quem disse ao sol ou aos outros que eu quero ser elegante?
Dêem-me o céu azul e o sol visível.
Névoa, chuvas, escuros — isso tenho eu em mim.
Hoje quero só sossego.
Até amaria o lar, desde que o não tivesse.
Chego a ter sono de vontade de ter sossego.
Não exageremos!
Tenho efetivamente sono, sem explicação.
O dia deu em chuvoso.
Carinhos? Afetos? São memórias...
É preciso ser-se criança para os ter...
Minha madrugada perdida, meu céu azul verdadeiro!
O dia deu em chuvoso.
Boca bonita da filha do caseiro,
Polpa de fruta de um coração por comer...
Quando foi isso? Não sei...
No azul da manhã...
O dia deu em chuvoso.
Álvaro de Campos, in "Poemas" Heterônimo de Fernando Pessoa
6 de mar. de 2013
5 de mar. de 2013
Cadeira de balanço de Carlos Drummond de Andrade
(...)
o balanço manso manso da cadeira de balanço é convite ao descanso à maneira bem mineira. Se na era eletrônica uma crônica, pobrezinha, vale menos que a palhinha da cadeira (verba vana), a pedida verdadeira é tirar uma pestana devagar no remanso da cadeira de balanço. In Viola de Bolso, 1955 In Poesia Completa, pag. 387 |
4 de mar. de 2013
A paixão segundo G. H. de Clarice Lispector
Heru Suryoko
Este livro é como um livro qualquer. Mas eu ficaria contente se fosse lido apenas por pessoas de alma já formada. Aquelas que sabem que a aproximação, do que quer que seja, se faz gradualmente e penosamente – atravessando inclusive o oposto daquilo que vai se aproximar. Aquelas pessoas que, só elas, entenderão bem devagar que este livro nada tira de ninguém. A mim, por exemplo, o personagem G.H. foi dando pouco a pouco uma alegria difícil mas chama-se alegria.
3 de mar. de 2013
ADIAMENTO de Fernando Pessoa (Álvaro de Campos)
Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjectividade objectiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um eléctrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...
Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-me toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje qual é o espectáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espectáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei.
Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...
O porvir...
Sim, o porvir...
14-4-1928
Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993). - 266.
1ª publ. in Solução Editora, nº1. Lisboa 1929.
Para uma Menina com uma Flor de Vinicius de Moraes
Roman Urbinskiy
E porque você é uma menina com uma flor e chorou na estação de Roma porque nossas malas seguiram sozinhas para Paris e você ficou morrendo de pena delas partindo assim no meio de todas aquelas malas estrangeiras.
2 de mar. de 2013
Fui Sabendo de Mim de Mia Couto
Fui sabendo de mim
por aquilo que perdia
pedaços que saíram de mim
com o mistério de serem poucos
e valerem só quando os perdia
fui ficando
por umbrais
aquém do passo
que nunca ousei
eu vi
a árvore morta
e soube que mentia
in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"
1 de mar. de 2013
Ouriço
… tem a elegância do ouriço: por fora, é crivada de espinhos, uma verdadeira fortaleza, mas tenho a intuição de que dentro é tão simplesmente requintada quanto os ouriços, que são uns bichinhos falsamente indolentes, ferozmente solitários e terrivelmente elegantes.
Muriel Barbery. A Elegância do ouriço. Companhia das Letras, 2008.
28 de fev. de 2013
Gratifico de Livia Garcia Roza
John William Waterhouse
Gratifico a quem encontrar meu amor.
É grande, eu sei,
mas estava desorientado.
Sonetilho de verão de Paulo Henriques Britto
Traído pelas palavras.
O mundo não tem conserto.
Meu coração se agonia.
Minha alma se escalavra.
Meu corpo não liga não.
A idéia resiste ao verso,
o verso recusa a rima,
a rima afronta a razão
e a razão desatina.
Desejo manda lembranças.
O poema não deu certo.
A vida não deu em nada.
Não há deus. Não há esperança.
Amanhã deve dar praia.
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