21 de mar. de 2013

20 de mar. de 2013

Crepúsculo de Al Berto

(…)
Chegava a qualquer cidade e alugava dois ou três quartos, distantes uns dos outros, mas nunca pernoitava duas vezes de seguida no mesmo.
Em todos eles simulava viver há muito tempo. Num, espalhava bugigangas de plástico, compradas aos vendedores ambulantes, sobre os poucos desengonçados móveis. Noutro, pendurava roupa nos pregos que tinham servido para pendurar estampas baratas, e que alguém se dera ao incómodo de roubar.
Por vezes, deitado, olhava para os pregos espetados nas paredes e tentava perceber o que levava alguém a roubar aquelas arrumadinhas paisagens suíças que, infalivelmente, decoravam os quartos das pensões. E adormecia a pensar que no outro quarto cobrira as paredes com fotografias, e era nesse quarto que lhe apetecia estar.
(…)
fonte: Lunário. assírio & Alvim, 1999.

Al Berto, pseudônimo de Alberto Raposo Pidwell Tavares, GCSE (Coimbra, 1948 - Lisboa, 1997), poeta, pintor, editor e animador cultural português.

19 de mar. de 2013

Pequenos martelinhos de Walter Benjamin

"Encyclopédie" de Diderot, gravura em metal, 1760

Achar palavras para aquilo que se tem diante dos olhos - quão difícil pode ser  isso! Porém quando elas chegam, batem contra o real com pequenos martelinhos até que, como de uma chapa de cobre, dele tenham  extraído a imagem. BENJAMIN, W. Obras Escolhidas II - Rua de Mão Única. p.203.

18 de mar. de 2013

Paineira, sumaúma, barriguda, paina-de-seda, paineira-rosa, árvore-de-paina, árvore-de-lã




Há várias espécies conhecidas como paineira no Brasil, quase todas pertencendo ao gênero Ceiba. De todas, a mais conhecida é a paineira da espécie Ceiba speciosa (St.-Hill.) Ravenna, nativa das florestas brasileiras e da Bolívia, inicialmente descrita como Chorisia speciosa St. Hilaire 1828.
É uma árvore com até vinte metros de altura, tronco cinzento-esverdeado com estrias fotossintéticas e fortes acúleos rombudos, muito afiados nos ramos mais jovens.
O tronco das paineiras tem boa capacidade fazer fotossíntese e tem coloração esverdeada até quando tem um bom porte; isto auxilia o crescimento mesmo quando a árvore está despida de folhas; é comum, também, paineiras apresentarem uma espécie de alargamento na base do caule, daí o apelido "barriguda".
As folhas são compostas palmadas e caem na época da floração. As flores são grandes, com cinco pétalas rosadas com pintas vermelhas e bordas brancas. Há uma variedade menos comum, com flores brancas.
Os frutos são cápsulas verdes, que, quando maduras, rebentam (deiscentes), expondo as sementes envoltas em fibras finas e brancas que auxiliam na flutuação e que são chamadas paina.
A partir dos vinte anos de idade, aproximadamente, os espinhos costumam começar a cair na parte baixa do caule e, gradualmente, também caem nas partes mais altas da árvore, com o engrossamento da casca. Diz-se, no Brasil, que isto permite à árvore receber ninhos de pássaros, o que seria impossível de acontecer quando esta tinha espinhos longos e pontiagudos; assim, flores e frutos já não estão presentes, mas a árvore continua a dar sua contribuição à natureza hospedando os passarinhos. Esta não é uma regra para todas as paineiras; algumas paineiras com mais de vinte metros, por exemplo, continuam com espinhos muito grandes na parte baixa, provavelmente como defesa de insetos do local.

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

A estrada, como uma senhora de Fernando Pessoa

A estrada, como uma senhora,
Só dá passagem legalmente.
Escrevo ao sabor quente da hora
Baldadamente.

Não saber bem o que se diz
É um pouco sol e um pouco alma.
Ah, quem me dera ser feliz.
Teria isto, mais a calma.

Bom campo, estrada com cadastro,
Legislação entre erva nata.
Vai atar a alma com um nastro
Só para ver quem ma desata.

31-8-1930
Poesias Inéditas (1919-1930). Fernando Pessoa. (Nota prévia de Vitorino Nemésio e notas de Jorge Nemésio.) Lisboa: Ática, 1956 (imp. 1990). - 183.


Nastro: Fita estreita de linho, algodão ou outro fio.

17 de mar. de 2013

Retrato de mulher de Wislawa Szymborska (1923 – 2012)


                                                                                                                           Modigliani

Deve ser para todos os gostos.
Mudar só para que nada mude.
É fácil, impossível, difícil, vale tentar.
Seus olhos são, se preciso, ora azuis, ora cinzentos,
negros, alegres, rasos d´água sem nenhuma razão.
Dorme com ele como a primeira que aparece, a única no mundo.
Dá-lhe quatro filhos, nenhum filho, um.
Ingênua, mas a que melhor aconselha.
Fraca, mas aguenta.
Não tem cabeça, pois vai tê-la.
Lê Jaspers e revistas de mulher.
Não entende de parafusos mas constrói uma ponte.
Jovem, como sempre jovem, ainda jovem.
Segura nas mãos um pardalzinho de asa partida
seu próprio dinheiro para uma viagem longa e longínqua
um cutelo para carne, uma compressa, um cálice de vodca.
Corre para onde, não está cansada.
Claro que não, só um pouco, muito, não importa.
Ou ela o ama ou é teimosa.
Para o bem, para o mal e para o que der e vier.
tradução de Regina Przybycien, Poemas, Companhia das Letras

16 de mar. de 2013

Abbas Kiarostami



Traço vermelho sobre o branco da neve,
presa ferida
que coxeia

Um potro branco
nasceu
de uma égua negra
ao alvorecer

O vento levará consigo
flores de cerejeira
até à alvura das nuvens

Por cada onda alta
três ondas baixas,
por cada três ondas baixas
uma onda alta

Acompanhei
a lua
ao coração de uma nuvem escura,
bebi vinho e adormeci

Quando regressei à terra natal
a casa paterna
já não existia nem a voz de minha mãe

O céu
pertence-me,
a terra
pertence-me

como sou rico!

Um mendicante
acordou sobre a margem de um regato
um sedento
acordou sobre um tesouro


abbas kiarostami
«un lupo in agguato» (um lobo ao ataque)
ed. einaudi tascabili
tradução de mário rui de oliveira.
e a tradução do texto persa é da responsabilidade de ricardo zipoli.

15 de mar. de 2013

Coreópsis, Margaridinha-amarela









A coreópsis apresenta ramagem densa e ramificada, com folhas espessas e lanceoladas com uma coloração verde vibrante. As flores são diminutas, como em outras plantas da família Asteraceae, e reunidas em capítulos solitários, simples ou semi-dobrados, sobre longos pedúnculos. As pétalas da coloração expandida são amarelas ou alaranjadas, largas e com bordas denteadas. O contraste da folhagem com as flores tem grande efeito decorativo.
A floração se estende por todo o ano, em climas quentes, mas é mais abundante no verão. Rústica, tolera solos pobres, secas moderadas, além de ventos fortes e salinidade no solo, tornando-se uma boa escolha em jardins de praia.
Devem ser cultivadas sempre a pleno sol em solo fértil, leve e enriquecido com matéria orgânica para uma boa produção. Apesar de perene, requer reformas bianuais, através do replantio. As regas devem ser regulares. Têm potencial invasivo, podendo tornar-se daninha. Multiplica-se por divisão das touceiras e por sementes.
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Um passo de dança de Fernando Sabino




Façamos da interrupção um caminho novo.
Da queda um passo de dança,
do medo uma escada,
do sonho uma ponte, da procura um encontro!
Fernando Sabino


14 de mar. de 2013

La Vida es Sueño de Hélio Pellegrino


A pedra a pedra como o fogo com suas resinas e ramas a pedra como o fogo é um sonho de pálpebras abertas. O sonho é quando no veludo íntimo da noite fogo e pedra se sonham: — as pálpebras cerradas.

No jardim que o pensamento permite de Maria Gabriela Llansol


Descrever um lugar indescritível é torná-lo inamovível para o resto da minha vida, que certamente decorrerá ao lado da árvore, como sempre tem decorrido no jardim que o pensamento permite. O jardim não é criado pelo pensamento, o jardim permite pensar, tem a sua própria forma de pensar o pensamento.
in: Parasceve. Puzzles e ironias. Relógio d'Água, 2001.


13 de mar. de 2013

O dia já envelheceu de Manoel de Barros

Van Gogh "Landscape At Twilight" 

No fim da tarde, nossa mãe aparecia nos fundos do quintal :
Meus filhos, o dia já envelheceu, entrem pra dentro.
Manoel de Barros

12 de mar. de 2013

Artes - Maria Lúcia Dal Farra


Picasso


Não distingo o que queres 
e nem triunfo sobre 
o enigma que nos atrai 
(assim dessemelhantes). 
Mas se adivinho o que há dentro do teu cenho 
e se (acaso) 
empreendo o que (querendo) não fazes por 
consumar – 
ganho (em troca) 
a solidão patética de quem erra 
por acertar. 

O amor é isso: 
cisco que tolda a vista 
tão só pra se enxergar. 

fonte: Alumbramentos, 2012

11 de mar. de 2013

Às vezes, em sonho triste de Fernando Pessoa

Vieira da Silva 
Às vezes, em sonho triste
Nos meus desejos existe
Longinquamente um país
Onde ser feliz consiste
Apenas em ser feliz.

Vive-se como se nasce
Sem o querer nem saber.
Nessa ilusão de viver
O tempo morre e renasce
Sem que o sintamos correr.

O sentir e o desejar
São banidos dessa terra.
O amor não é amor
Nesse país por onde erra
Meu longínquo divagar.

Nem se sonha nem se vive:
É uma infância sem fim.
Parece que se revive
Tão suave é viver assim
Nesse impossível jardim.


21-11-1909
Novas Poesias Inéditas. Fernando Pessoa. (Direcção, recolha e notas de Maria do Rosário Marques Sabino e Adelaide Maria Monteiro Sereno.) Lisboa: Ática, 1973 (4ª ed. 1993). - 15.

Comandando os passos - Livia Garcia Roza



 Ruth S Harris



Poucas coisas são mais bonitas
do que crianças caminhando. 
A alegria comandando os passos.

10 de mar. de 2013

Teresa de Manuel Bandeira

                                        Picasso

A primeira vez que vi Teresa 
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna

Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)

Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.

9 de mar. de 2013

Amor de Eugenio de Andrade


                                                                                                                                      Picasso
O amor
é uma ave a tremer
nas mãos duma criança.
Serve-se de palavras
por ignorar
que as manhãs mais limpas
não têm voz.


8 de mar. de 2013

A Ovelha de Henriqueta Lisboa





Encontrastes acaso
a ovelha desgarrada?
A mais tenra
do meu rebanho?
A que despertava ao primeiro
contato do sol?
A que buscava a água sem nuvens
para banhar-se?
A que andava solitária entre as flores
e delas retinha a fragrância
na lã doce e fina?
A que temerosa de espinhos
aos bosques silvestres
preferia o prado liso, a relva?
A que nos olhos trazia
uma luz diferente
quando à tarde voltávamos
ao aprisco?
A que nos meus joelhos brincava
tomada às vezes de alegria louca?
A que se dava em silêncio
ao refrigério da lua
após o longo dia estival?
A que dormindo estremecia
ao menor sussurro de aragem?
Encontrastes acaso
a mais estranha e dócil
das ovelhas?
Aquela a que no coração eu chamava
– a minha ovelha?

Em: Nova Lírica: poemas selecionados, Henriqueta Lisboa, Belo Horizonte, Imprensa Oficial: 1971

7 de mar. de 2013

Somos únicos - Livia Garcia Roza


Portinari

Somos únicos na possibilidade de sermos muitos. 

Livia Garcia Roza


O Dia Deu em Chuvoso - Fernando Pessoa (Álvaro de Campos)


Chuva de Oswaldo Goeldi 


O dia deu em chuvoso. 
A manhã, contudo, esteve bastante azul. 
O dia deu em chuvoso. 
Desde manhã eu estava um pouco triste. 

Antecipação! Tristeza? Coisa nenhuma? 
Não sei: já ao acordar estava triste. 
O dia deu em chuvoso. 

Bem sei, a penumbra da chuva é elegante. 
Bem sei: o sol oprime, por ser tão ordinário, um elegante. 
Bem sei: ser susceptível às mudanças de luz não é elegante. 
Mas quem disse ao sol ou aos outros que eu quero ser elegante? 
Dêem-me o céu azul e o sol visível. 
Névoa, chuvas, escuros — isso tenho eu em mim. 

Hoje quero só sossego. 
Até amaria o lar, desde que o não tivesse. 
Chego a ter sono de vontade de ter sossego. 
Não exageremos! 
Tenho efetivamente sono, sem explicação. 
O dia deu em chuvoso. 

Carinhos? Afetos? São memórias... 
É preciso ser-se criança para os ter... 
Minha madrugada perdida, meu céu azul verdadeiro! 
O dia deu em chuvoso. 

Boca bonita da filha do caseiro, 
Polpa de fruta de um coração por comer... 
Quando foi isso? Não sei... 
No azul da manhã... 

O dia deu em chuvoso. 

Álvaro de Campos, in "Poemas" Heterônimo de Fernando Pessoa

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...