Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
16 de dez. de 2013
Caminha sempre
Louisa Matthiasdottir
Florbela Espanca, Contos e Diário, Leya.
15 de dez. de 2013
A felicidade dos pais :: Rubem Alves
“Viveu outrora um imperador, pai de muitos filhos, avô de muitos netos. Mais importante que as coisas da administração do império e da guerra contra os inimigos lhe eram os seus filhos e netos, a quem amava de todo coração.
Infelizmente, entretanto, como acontece com todas as pessoas acometidas do mal do amor, ele sofria sem cessar o medo de que a Morte pudesse levar um deles.
Essa idéia lhe tirava toda a alegria de viver. De dia era atormentado pela ansiedade. De noite era afligido pela insônia. Sua cabeça não tinha descanso. Seus pensamentos não paravam de procurar meios de burlar a Morte.
Seu palácio estava cheio de médicos, laboratórios e remédios, que combatiam a Morte no front das enfermidades. Havia também guardas por todos os lados, encarregados de combater a Morte no front dos acidentes.
Mas ele sabia que tais cuidados não bastavam. A morte é muito astuta. Ela ataca no momento em que não se espera, de uma forma não prevista. Por isso, o imperador mandou vir, dos lugares mais distantes do seu reino, todos os sacerdotes, profetas, videntes, mágicos, feiticeiros, sábios, gurus, com o pedido de que não só realizassem os rituais mágicos apropriados, como também escrevessem, nas páginas do enorme livro sagrado, feito especialmente para esse fim, com papiros recolhidos em noites de lua cheia nos lugares onde moravam os deuses, as fórmulas que garantiriam aos seus filhos e netos vida longa e a felicidade que ele tanto desejava. Somente assim ele poderia viver e morrer em paz.
Ouvindo a convocação do imperador, veio de uma longínqua província um velho sábio, que todos ignoravam. Ele morava num lugar distante, nas montanhas. O caminho a ser trilhado era longo e as suas pernas eram velhas e cansadas. Chegou atrasado, depois que todos, após realizarem seus rituais e registrar seus desejos, haviam partido.
O imperador se alegrou ao ser informado da chegada do homem santo e ordenou que um de seus conselheiros lhe mostrasse o livro sagrado. O velho sábio leu cuidadosamente os desejos que ali haviam sido escritos.
Havia os desejos dos tolos, que desejavam aos filhos e netos do imperador a proteção da riqueza, das armas e dos exércitos.
Havia as palavras prudentes, que aconselhavam moderação e hábitos saudáveis de vida como receita para prolongar os seus dias.
Havia as fórmulas dos sacerdotes, que invocavam a proteção dos deuses e das forças do bem.
Havia os bruxedos dos feiticeiros e mágicos, que exorcizavam as forças do mal.
Todas estas palavras traziam ao imperador grande alegria - e ele julgava que elas protegeriam melhor aqueles a quem amava.
Após ler tudo o que fora escrito, o velho sábio tomou de uma pena e gravou nas páginas do livro sagrado estas palavras:
“Os avós morrem. Os pais morrem. Os filhos morrem.”
E assinou o seu nome.
O imperador, ao ler tais palavras enfureceu-se, julgando-as fórmulas de maldição e exigiu que o sábio se explicasse, sob pena de ser mandado para a prisão pelo resto dos seus dias.
“Majestade”, disse o sábio. “Não sei receitas para impedir a chegada da Morte. Ela virá de qualquer forma. Sou apenas um velho poeta. Minhas palavras não têm o poder de exorcizá-la. O que eu posso desejar é que ela venha na ordem certa.”
“A ordem certa?”
“O que é que mais deseja um avô? Ele deseja morrer vendo seus filhos e netos cheios de vida e de alegria.
O que é que mais deseja um pai? Ele deseja morrer vendo seus filhos saudáveis e felizes.
Aqueles que amam morrem felizes se aqueles a quem amam continuam a viver. Não tenho palavras mágicas para impedir que a Morte venha. Mas lhe ofereço meus desejos de que ela venha na ordem certa. Desejo que Vossa Majestade morra antes dos seus filhos e netos.
Por isso invoquei a Morte, na ordem da felicidade:
“Os avós morrem. Os pais morrem. Os filhos morrem.”
O imperador sorriu, tomou nas suas as mãos do velho sábio e as beijou.
Alves, Rubem. A felicidade dos pais. Paulus, 2006.
Infelizmente, entretanto, como acontece com todas as pessoas acometidas do mal do amor, ele sofria sem cessar o medo de que a Morte pudesse levar um deles.
Essa idéia lhe tirava toda a alegria de viver. De dia era atormentado pela ansiedade. De noite era afligido pela insônia. Sua cabeça não tinha descanso. Seus pensamentos não paravam de procurar meios de burlar a Morte.
Seu palácio estava cheio de médicos, laboratórios e remédios, que combatiam a Morte no front das enfermidades. Havia também guardas por todos os lados, encarregados de combater a Morte no front dos acidentes.
Mas ele sabia que tais cuidados não bastavam. A morte é muito astuta. Ela ataca no momento em que não se espera, de uma forma não prevista. Por isso, o imperador mandou vir, dos lugares mais distantes do seu reino, todos os sacerdotes, profetas, videntes, mágicos, feiticeiros, sábios, gurus, com o pedido de que não só realizassem os rituais mágicos apropriados, como também escrevessem, nas páginas do enorme livro sagrado, feito especialmente para esse fim, com papiros recolhidos em noites de lua cheia nos lugares onde moravam os deuses, as fórmulas que garantiriam aos seus filhos e netos vida longa e a felicidade que ele tanto desejava. Somente assim ele poderia viver e morrer em paz.
Ouvindo a convocação do imperador, veio de uma longínqua província um velho sábio, que todos ignoravam. Ele morava num lugar distante, nas montanhas. O caminho a ser trilhado era longo e as suas pernas eram velhas e cansadas. Chegou atrasado, depois que todos, após realizarem seus rituais e registrar seus desejos, haviam partido.
O imperador se alegrou ao ser informado da chegada do homem santo e ordenou que um de seus conselheiros lhe mostrasse o livro sagrado. O velho sábio leu cuidadosamente os desejos que ali haviam sido escritos.
Havia os desejos dos tolos, que desejavam aos filhos e netos do imperador a proteção da riqueza, das armas e dos exércitos.
Havia as palavras prudentes, que aconselhavam moderação e hábitos saudáveis de vida como receita para prolongar os seus dias.
Havia as fórmulas dos sacerdotes, que invocavam a proteção dos deuses e das forças do bem.
Havia os bruxedos dos feiticeiros e mágicos, que exorcizavam as forças do mal.
Todas estas palavras traziam ao imperador grande alegria - e ele julgava que elas protegeriam melhor aqueles a quem amava.
Após ler tudo o que fora escrito, o velho sábio tomou de uma pena e gravou nas páginas do livro sagrado estas palavras:
“Os avós morrem. Os pais morrem. Os filhos morrem.”
E assinou o seu nome.
O imperador, ao ler tais palavras enfureceu-se, julgando-as fórmulas de maldição e exigiu que o sábio se explicasse, sob pena de ser mandado para a prisão pelo resto dos seus dias.
“Majestade”, disse o sábio. “Não sei receitas para impedir a chegada da Morte. Ela virá de qualquer forma. Sou apenas um velho poeta. Minhas palavras não têm o poder de exorcizá-la. O que eu posso desejar é que ela venha na ordem certa.”
“A ordem certa?”
“O que é que mais deseja um avô? Ele deseja morrer vendo seus filhos e netos cheios de vida e de alegria.
O que é que mais deseja um pai? Ele deseja morrer vendo seus filhos saudáveis e felizes.
Aqueles que amam morrem felizes se aqueles a quem amam continuam a viver. Não tenho palavras mágicas para impedir que a Morte venha. Mas lhe ofereço meus desejos de que ela venha na ordem certa. Desejo que Vossa Majestade morra antes dos seus filhos e netos.
Por isso invoquei a Morte, na ordem da felicidade:
“Os avós morrem. Os pais morrem. Os filhos morrem.”
O imperador sorriu, tomou nas suas as mãos do velho sábio e as beijou.
Alves, Rubem. A felicidade dos pais. Paulus, 2006.
Bordado Boa Noite - Ilha do Ferro, Alagoas
Técnica de bordado quase extinta, chamada “Boa Noite”. O trabalho consiste em desfiar o tecido e recompô-lo em faixas com motivos florais. As artesãs da Cooperativa Art-Ilha, de Ilha do Ferro (AL) são as bordadeiras.
Raros momentos de Carlos Ruiz Zafón
Carlos Ruiz Zafón, Marina, Planeta
14 de dez. de 2013
O tempo de Jorge Amado
O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá. Dom Quixote.
13 de dez. de 2013
FAÇAMOS UM TRATO :: Mario Benedetti
“Quando sinta sua ferida sangrar,
Quando sinta sua voz soluçar,
Conte comigo"
(De uma canção de Carlos Puebla)
Companheira
Você sabe
Que pode contar comigo,
Não até dois
Ou até dez,
Mas contar comigo.
Se alguma vez perceber
Que ao olhar nos meus olhos,
Não reconhece o meu amor,
Não duvide dele,
Lembre-se de que sempre
Pode contar comigo.
Se outras vezes
me encontrar impaciente,
Sem motivo,
Não pense que diminuiu o meu amor,
Ainda assim, pode contar comigo.
Mas façamos um trato,
Também quero contar com você.
É tão lindo saber que você existe
E quando digo isso,
Quero dizer contar
Seja até dois,
Seja até cinco.
Não para que venha logo em meu auxílio.
Mas para ter certeza,
Na medida certa,
Que você sabe,
Que pode contar comigo.
Tradução de Eduardo Andrade
.......................................
HAGAMOS UN TRATO
Cuando sientas tu herida sangrar
cuando sientas tu voz sollozar
cuenta conmigo
(de una canción de CARLOS PUEBLA)
Compañera
usted sabe
puede contar
conmigo
no hasta dos
o hasta diez
sino contar
conmigo
si alguna vez
advierte
que la miro a los ojos
y una veta de amor
reconoce en los míos
no alerte sus fusiles
ni piense qué delirio
a pesar de la veta
o tal vez porque existe
usted puede contar
conmigo
si otras veces
me encuentra
huraño sin motivo
no piense qué flojera
igual puede contar
conmigo
pero hagamos un trato
yo quisiera contar
con usted
es tan lindo
saber que usted existe
uno se siente vivo
y cuando digo esto
quiero decir contar
aunque sea hasta dos
aunque sea hasta cinco
no ya para que acuda
presurosa en mi auxilio
sino para saber
a ciencia cierta
que usted sabe que puede
contar conmigo.
Primeiro livro de Carlos Ruiz Záfon
Marcos Chin
“…poucas coisas marcam tanto um leitor como o primeiro livro que realmente abre caminho até ao seu coração. Aquelas primeiras imagens, o eco dessas palavras que julgamos ter deixado para trás, acompanham-nos toda a vida e esculpem um palácio na nossa memória ao qual, mais tarde ou mais cedo – não importa quantos livros leiamos, quantos mundos descubramos, tudo quanto aprendamos ou esqueçamos -, vamos regressar.”In: A Sombra do Vento. Dom Quixote
12 de dez. de 2013
11 de dez. de 2013
As palavras de Almada Negreiros
Leonardo da Vinci
As palavras dançam nos olhos das pessoas
conforme o palco dos olhos de cada um.
10 de dez. de 2013
Eu toco na santidade :: Clarice Lispector
Talvez porque nela haja um recolhimento e também porque na pobreza de corpo e espírito eu toco na santidade, eu que quero sentir o sopro do meu além.
LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1993. p. 35
9 de dez. de 2013
Cecilia Meireles Timidez
Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve...
- mas só esse eu não farei.
Uma palavra caída
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras mais distantes...
- palavra que não direi.
Para que tu me adivinhes,
entre os ventos taciturnos,
apago meus pensamentos,
ponho vestidos noturnos,
- que amargamente inventei.
E, enquanto não me descobres,
os mundos vão navegando
nos ares certos do tempo,
até não se sabe quando...
e um dia me acabarei.
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