17 de ago. de 2014

PEDRA de CHARLES SIMIC ( Belgrado, Sérvia, 1938)

Maki Haku

Entrar dentro de uma pedra
Seria esse o meu caminho.
Deixar outrem tornar-se pombo
Ou rilhar com dentes de tigre.
Sou feliz por ser uma pedra.

Por fora, a pedra é um enigma:
Ninguém sabe como o desvendar.
Dentro, porém, deve ser fresca e silenciosa
Mesmo que uma vaca a calque com todo o seu volume,
Mesmo que uma criança a atire para um rio;
A pedra afunda-se, lenta, imperturbavelmente
Até ao fundo do leito
Onde os peixes vêm bater na pedra
E escutar.

Eu vi as faíscas voando
Quando duas pedras são friccionadas,
Talvez então não seja escuro, apesar de tudo, lá dentro;
Talvez exista uma lua brilhando
Desde algures, como se por trás de uma colina –
Apenas a luz suficiente para distinguir
Os estranhos escritos, as cartas astrais
Nas paredes de dentro.

16 de ago. de 2014

O Pavão :: Rubem Braga


Eu considerei a glória de um pavão ostentando o esplendor de suas cores; é um luxo imperial. Mas andei lendo livros, e descobri que aquelas cores todas não existem na pena do pavão. Não há pigmentos. O que há são minúsculas bolhas d'água em que a luz se fragmenta, como em um prisma. O pavão é um arco-íris de plumas.

Eu considerei que este é o luxo do grande artista, atingir o máximo de matizes com o mínimo de elementos. De água e luz ele faz seu esplendor; seu grande mistério é a simplicidade.

Considerei, por fim, que assim é o amor, oh! minha amada; de tudo que ele suscita e esplende e estremece e delira em mim existem apenas meus olhos recebendo a luz de teu olhar. Ele me cobre de glórias e me faz magnífico.










Félix Vallotton (1865 - 1925)






1886 Paul Valloton













1897 Transeunte

1897  Auto-Retrato 












15 de ago. de 2014

RITMOS :: ANA LUÍSA AMARAL

Miriam Schapiro

E descascar ervilhas ao ritmo de um verso: 
a prosódia da mão, a ervilha dançando 
em redondilha. 
Misturar ritmos em teia apertada: um vira 
bem marcado pelo jazz, pas 
de deux: eu, ervilha e mais ninguém 

De vez em quando o salto: disco sound 
o vazio pós-moderno e sem sentido 
Ah! hedónica ervilha tão sozinha 
debaixo do fogão! 

As irmãs recuperadas ainda em anos 20 
o prazer da partilha: cebola, azeite 
blues desconcertantes, metamorfose em 
refogados rítmicos 

(Debaixo do fogão 
só o silêncio frio) 

Minha Senhora de Que. Quetzal Editores, Lisboa, 1999.

14 de ago. de 2014

Willi de Carvalho

























Welivander César de Carvalho, mais conhecido como Willi de Carvalho,  nasceu em Montes Claros, norte de Minas Gerais, em 1963. Membro de uma família de poucos recursos, cresceu em uma rua de Montes Claros onde passavam muitos viajantes da Bahia e de Minas Gerais. As imagens dessa época, guardadas na memória do artista, agora surgem em forma de pequenas esculturas e alegorias sobre temas urbanos e rurais, espaço de encontro da realidade e da fantasia.
Willi começou no mundo da arte desde muito cedo. Autodidata, deu seus primeiros passos como artista no campo do desenho, tendo feito ainda vários trabalhos com a técnica de nanquim. Seu processo criativo no mundo da escultura começou no quintal de sua casa inventado o que brincar. Os palitos e grampos da mãe se transformavam em outros objetos, no lugar dos brinquedos, que não tinha. Isso o estimulou para a criação, de onde saíam teatrinhos de barro e miniaturas feitas de todos os objetos que o artista encontrava. Apesar de ter sido criado em uma família adventista, Willi desde a adolescência se sentiu atraído pelo mundo da criação popular que envolve a realização das festas católicas. Este fascínio pelas festas e rituais católicos lhe rendeu muitas reprimendas e a inimizade de algumas pessoas de sua família; menos sua mãe que foi sempre grande incentivadora de seu trabalho. Willi sempre gostou de livros e revistas de arte, os quais funcionavam como meios de estímulo e inspiração em seu processo criativo. Até hoje Willi tem na leitura das obras de autores como Guimarães Rosa e Ariano Suassuna, uma de suas maiores fontes de inspiração.
fonte: http://artepopularbrasil.blogspot.com.br/2012/11/willi-de-carvalho.html

Aquela Nuvem :: Eugénio de Andrade

Joaquín Sorolla

É tão bom ser nuvem,
ter um corpo leve,
e passar, passar.
-Leva-me contigo.
Quero ver Granada.
Quero ver o mar.
- Granada é longe,
o mar é distante,
não podes voar.
- Para que te serve
ser nuvem, se não
me podes levar?
- Serve para te ver.
E passar, passar

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...