Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
4 de nov. de 2014
"Um refúgio? Eduardo Galeano
"Um refúgio? Uma barriga? Um abrigo onde se esconder quando estiver se afogando na chuva, ou sendo quebrado pelo frio, ou sendo revirado pelo vento? Temos um esplêndido passado pela frente? Para os navegantes com desejo de vento, a memória é um ponto de partida".
Quando vim da minha terra :: Wislawa Szymborska
Quando vim da minha terra,
se é que vim da minha terra
(não estou morto por lá?),
a correnteza do rio
me sussurrou vagamente
que eu havia de quedar
lá donde me despedia.
Os morros, empalidecidos
no entrecerrar-se da tarde,
pareciam me dizer
que não se pode voltar,
porque tudo é conseqüência
de um certo nascer ali.
Quando vim, se é que vim
de algum para outro lugar,
o mundo girava, alheio
à minha baça pessoa,
e no seu giro entrevi
que não se vai nem se volta
de sítio algum a nenhum.
Que carregamos as coisas,
moldura da nossa vida,
rígida cerca de arame,
na mais anônima célula,
e um chão, um riso, uma voz
ressoam incessantemente
em nossas fundas paredes.
Novas coisas sucedendo-se
iludem a nossa fome
de primitivo alimento.
As descobertas são máscaras
do mais obscuro real,
essa ferida alastrada
na pele de nossas almas.
Quando vim da minha terra
não vim, perdi-me no espaço,
na ilusão de ter saído.
Ai de mim, nunca saí.
Lá estou eu, enterrado
por baixo de falas mansas,
por baixo de negras sombras,
por baixo de lavras de ouro,
por baixo de gerações,
por baixo, eu sei, de mim mesmo,
este vivente enganado,
enganoso.
3 de nov. de 2014
Abricó-de-macaco
Reino: Plantae
Divisão: Magnoliophyta
Classe: Magnoliopsida
Ordem: Ericales
Família: Lecythidaceae
Género: Couroupita
Espécie: C. guianensis
Nome binomial
Couroupita guianensis
Aubl.
Sinónimos
Couroupita acreensis R. Knuth
Couroupita antillana Miers
Couroupita froesii R. Knuth
Couroupita guianensis var. surinamensis Eyma Couroupita idolica Dwyer
Couroupita membranacea Miers
Couroupita peruviana O. Berg
Couroupita saintcroixiana R.Knuth
Couroupita surinamensis Mart. ex Berg
Couroupita venezuelensis R. Knuth
Lecythis bracteata Willd.
Pekea couroupita A. Juss.
Couroupita guianensis- MHNT
O abricó-de-macaco (Couroupita guianensis Aubl.; Lecythidaceae), também conhecido pelos nomes populares castanha-de-macaco, cuia-de-macaco, macacarecuia, maracarecuia, amêndoa-dos-andes e amendoeira-dos-andes , é uma espécie de árvore originária da Amazônia que tem frutos redondos que pendem em cachos e flores exuberantes. É bastante usada em paisagismo urbano e em fazendas. Possui altura média entre 8 e 15 metros, fruto tipo baga, grande e redondo, e suas flores, muito perfumadas, saem diretamente do tronco.
Etimologia
"Abricó" se originou do francês abricot . "Castanha" se originou do grego kástanon, através do latim nux castanea, "noz de castanheiro" . "Cuia" se originou do tupi ku'ya . "Amêndoa" e "amendoeira" se originaram do grego amygdále, através do latim amygdala .
O seu nome científico, Couroupita guianensis, foi dado pelo Botânico francês Jean Baptiste Christophore Fusée Aublet em 1755. É conhecida pelo nome vulgar cannonball tree, numa referência aos enormes frutos esféricos.
Ocorrência
Nas Américas do Sul e Central, em regiões tropicais, incluindo toda a Amazônia, na mata semidecídua de terras baixas, em margens inundáveis. Nativa em: Brasil, Colômbia, Costa Rica, Equador, Guiana Francesa, Guiana, Panamá (onde está em perigo crítico), Peru, Suriname, Venezuela. É amplamente cultivada fora de sua abrangência nativa.
Abricó-de-macaco
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Insiro o rosto :: ANTÓNIO RAMOS ROSA
Nadejda Anfalova
Insiro o rosto
entre os ramos de um arbusto
e bebo a delicada fábula
dos fulgores solares
Consumi toda a minha fragilidade verde
Dormi como uma folha
de braços abertos
e passo a passo
subi ao cimo do dia
in NUMA FOLHA LEVE E LIVRE. Lua de Marfim Editora, 2013.
2 de nov. de 2014
Os meus mortos :: Manuel António Pina
"Os meus mortos levaram consigo, de mim, palavras, memórias, dias, lugares, desígnios, incertezas; os seus olhos guardam para sempre o meu rosto, os seus ouvidos a minha voz. Também eu morri com eles, e também eu, o que fiquei, me perdi fora de mim. Onde quer que eles estejam agora, quem quer que sejam agora, estou, pois, junto deles. E pertencem-me, tanto quanto provavelmente eu lhes pertenço."
in Por outras palavras
in Por outras palavras
1 de nov. de 2014
O milagre existe :: Clarice Lispector
"Não, não há razão de espanto:
o milagre existe: o milagre é uma sensação.
Sensação de quê? de milagre.
Milagre é uma atitude assim como o girassol vira lentamente
sua abundante corola para o sol.
O milagre é a simplicidade última de existir.
O milagre é o riquíssimo girassol se explodir de caule,
corola e raiz - e ser apenas uma semente.
Semente que contém o futuro."
fonte: Um Sopro de Vida
31 de out. de 2014
Retrato de família :: Carlos Drummond de Andrade
Família de Carlos Drummond de Andrade, Itabira-MG, 1915
Este retrato de família
está um tanto empoeirado.
Já não se vê no rosto do pai
quanto dinheiro ele ganhou.
Nas mãos dos tios não se percebem
as viagens que ambos fizeram.
A avó ficou lisa, amarela,
sem memórias da monarquia.
Os meninos, como estão mudados.
O rosto de Pedro é tranqüilo,
usou os melhores sonhos.
E João não é mais mentiroso.
O jardim tornou-se fantástico.
As flores são placas cinzentas.
E a areia, sob pés extintos,
é um oceano de névoa.
No semicírculo de cadeiras
nota-se certo movimento.
As crianças trocam de lugar,
mas sem barulho: é um retrato.
Vinte anos é um grande tempo.
Modela qualquer imagem.
Se uma figura vai murchando,
outra, sorrindo, se propõe.
Esses estranhos assentados,
meus parentes? Não acredito.
São visitas se divertindo
numa sala que se abre pouco.
Ficaram traços da família
perdidos nos jeitos dos corpos.
Bastante para sugerir
que um corpo é cheio de surpresas.
A moldura deste retrato
em vão prende suas personagens.
Estão ali voluntariamente,
saberiam - se preciso - voar.
Poderiam sutilizar-se
no claro-escuro do salão,
ir morar no fundo de móveis
ou no bolso de velhos coletes
A casa tem muitas gavetas
e papéis, escadas compridas.
Quem sabe a malícia das coisas,
quando a matéria se aborrece?
O retrato não me responde,
ele me fita e se contempla
nos meus olhos empoeirados.
E no cristal se multiplicam
os parentes mortos e vivos.
Já não distingo os que se foram
dos que restaram. Percebo apenas
a estranha idéia de família
viajando através da carne.
in Antologia Poética. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2001.
30 de out. de 2014
Memórias das infâncias :: Adília Lopes
Gostávamos muito de doce de framboesa
E deram-nos um prato com mais doce de framboesa
Do que era costume
Mas
A nossa criada a nossa tia-avó no doce de framboesa
Para nosso bem
Porque estávamos doentes
Esconderam colheres do remédio
Que sabia mal
O doce de framboesa não sabia à mesma coisa
E tinha fiapos brancos
Isso aconteceu-nos uma vez e chegou
Nunca mais demos pulos por ir haver
Doce de framboesa à sobremesa
Nunca mais demos pulos nenhuns
não podemos dizer
Como o remédio da nossa infância sabia mal!
Como era doce o doce de framboesa da nossa infância!
Ao descobrir a mistura
Do doce de framboesa com o remédio
ficámos calados
Depois ouvimos falar da entropia
Aprendemos que não se separa de graça
O doce de framboesa do remédio misturados
é assim nos livros
é assim nas infâncias
E os livros são como as infâncias
Que são como as pombinhas da Catrina
Uma é minha
Outra é tua
Outra é de outra pessoa
pseudónimo literário de Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira, (Lisboa, 20 de Abril de 1960)
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