10 de dez. de 2015

Clarice Lispector (10 de dezembro de 1920 na aldeia de Chechelnyk, região da Podólia, então parte da República Popular da Ucrânia e hoje parte da moderna Ucrânia.























Chaya Pinkhasovna Lispector (em russo Хая Пинхасовна Лиспектор), Clarice Lispector nasceu em 10 de dezembro de 1920 na aldeia de Chechelnyk, região da Podólia, então parte da República Popular da Ucrânia e hoje parte da moderna Ucrânia
Nasceu Haia (posteriormente chamada de Clarice), que em hebraico quer dizer "vida", em 10 de dezembro de 1920 - data adotada por constar em todos os documentos da menina e por ter sido ratificada no depoimento de seu pai. Uma segunda versão desta data seria 10 de outubro de 1920, segundo uma certidão de nascimento traduzida em janeiro de 1935, em Recife. De acordo com Gotlib (1995:59): "nas duas últimas décadas de sua vida, Clarice adota diferentes datas de nascimento. Embora alguns documentos seus continuem fiéis ao ano de 1920 e embora a crítica adote, durante longo tempo, o de 1925, Clarice registra as de 1921, 1926, 1927...".
In: Calderaro, Adriana da Silva Calderaro. A biografia de Clarice Lispector refletida em Restos do carnaval sob um olhar morfológico. Literatura y Lingüística N°18 ISSN 0716-5811 /pp. 59-100
O nome de batismo de Clarice – Chaya – significa “vida” na língua hebraica

Sparaxis















Plantas perenes, bulbosas, oriundas de África do Sul , pertencem à familia Iridaceae.

...sem nenhum acontecimento me provocando :: Clarice Lispector

...sem nenhum acontecimento me provocando, sem nenhuma expectativa, de tarde, esta tarde, eu, aplicando-me na caligrafia como uma criança de escola, eu também uma das freiras que costuram, em labor de abelha bordo a fio de ouro: Viva Hoje.

Clarice Lispector. A Descoberta do Mundo. Rocco Editora.

Paul Garfunkel (Fontainebleau, 9 de maio de 1900 - Curitiba, 11 de maio de 1981)


















O QUADRO ELECTRÓNICO :: INGMAR HEYTZE (Utrecht, 16 de Fevereiro de 1970)


Vi-te pela primeira vez debaixo do quadro electrónico.
Que se agitava e movia como uma roda da sorte;
novos horários, comboios extra, locais para onde viajar.
Tinhas ficado à espera, mesmo sem saberes do quê,
disseste-mo essa noite sob as estrelas que
observávamos através da janela do sótão.
Como se o fim estivesse adaptado à forma
contida nele desde o início, veio uma manhã
em que te foste embora. Murmuraste ainda algo
sobre cometas que não sabem onde a trajectória os leva.
Levei-te à estação. O átrio parecia agora muito maior,
a luz incidia de forma estranha – vi-te pela última vez
debaixo do quadro electrónico, que matraqueava destinos
como se o tempo tivesse ficado suspenso. Olhaste para cima,
escolheste um cais longínquo. A escada rolante engoliu-te.
Ninguém se voltou para olhar para trás.

9 de dez. de 2015

CLARICE LISPECTOR :: A ÚLTIMA ENTREVISTA


Clarice Lispector, de onde veio esse Lispector?

É um nome latino, não é? Eu perguntei a meu pai desde quando havia Lispector na Ucrânia. Ele disse que há gerações e gerações anteriores. Eu suponho que o nome foi rolando, rolando, rolando, perdendo algumas sílabas e foi formando outra coisa que parece “Lis” e “peito”, em latim. É um nome que quando escrevi meu primeiro livro, Sérgio Milliet (eu era completamente desconhecida, é claro) diz assim: “Essa escritora de nome desagradável, certamente um pseudônimo…”. Não era, era meu nome mesmo.

Você chegou a conhecer o Sérgio Milliet pessoalmente?

Nunca. Porque eu publiquei o meu livro e fui embora do Brasil, porque eu me casei com um diplomata brasileiro, de modo que não conheci as pessoas que escreveram sobre mim.

Clarice, seu pai fazia o que profissionalmente?

Representações de firmas, coisas assim. Quando ele, na verdade, dava era para coisas do espírito.

Há alguém na família Lispector que chegou a escrever alguma coisa?

Eu soube ultimamente, para minha enorme surpresa, que minha mãe escrevia. Não publicava, mas escrevia. Eu tenho uma irmã, Elisa Lispector, que escreve romances. E tenho outra irmã, chamada Tânia Kaufman, que escreve livros técnicos.

Você chegou a ler as coisas que sua mãe escreveu?

Não, eu soube há poucos meses. Soube através de uma tia: “Sabe que sua mãe fazia um diário e escrevia poesias?” Eu fiquei boba…

Nas raras entrevistas que você tem concedido surge, quase que necessariamente, a pergunta de como você começou a escrever e quando?

Antes de sete anos eu já fabulava, já inventava histórias, por exemplo, inventei uma história que não acabava nunca. Quando comecei a ler comecei a escrever também. Pequenas histórias.

Quando a jovem, praticamente adolescente Clarice Lispector, descobre que realmente é a literatura aquele campo de criação humana que mais a atrai, a jovem Clarice tem algum objetivo específico ou apenas escrever, sem determinar um tipo de público?

Apenas escrever.

Você poderia nos dar uma ideia do que era a produção da adolescente Clarice Lispector?

Caótica. Intensa. Inteiramente fora da realidade da vida.

Desse período você se lembra do nome de alguma produção?

Bem, escrevi várias coisas antes de publicar meu primeiro livro. Eu escrevia para revistas — contos, jornais. Eu ia com uma timidez enorme, mas uma timidez ousada. Eu sou tímida e ousada ao mesmo tempo. Chegava lá nas revistas e dizia: “Eu tenho um conto, você não quer publicar?” Aí me lembro que uma vez foi o Raimundo Magalhães Jr. que olhou, leu um pedaço, olhou para mim e disse: “Você copiou isso de quem?” Eu disse: “De ninguém, é meu”. Ele disse: Você traduziu?” Eu disse: “Não”. Ele disse: “Então eu vou publicar”. Era sim, era meu trabalho.

Você publicava onde?

Ah, não me lembro… Jornais, revistas.

Clarice, a partir de qual momento você efetivamente decidiu assumir a carreira de escritora?

Eu nunca assumi.

Por quê?

Eu não sou uma profissional, eu só escrevo quando eu quero. Eu sou uma amadora e faço questão de continuar sendo amadora. Profissional é aquele que tem uma obrigação consigo mesmo de escrever. Ou então com o outro, em relação ao outro. Agora eu faço questão de não ser uma profissional para manter minha liberdade.

A sua produção ocorre com frequência ou você tem períodos?

Tenho períodos de produzir intensamente e tenho períodos-hiatos em que a vida fica intolerável.

E esses hiatos são longos?

Depende. Podem ser longos e eu vegeto nesse período ou então, para me salvar, me lanço logo noutra coisa, por exemplo, eu acabei uma novela, estou meio oca, então estou fazendo histórias para crianças.

Como você explica a Clarice Lispector voltada para a literatura infantil?

Começou com meu filho quando ele tinha seis anos, seis ou cinco anos, me ordenando que escrevesse uma história para ele. E eu escrevi. Depois guardei e nunca mais liguei. Até que me pediram um livro infantil. Eu disse que não tinha. Eu tinha inteiramente esquecido daquilo. Era tão pouco literatura para mim, eu não queria usar isso para publicar. Era para o meu filho. Aí lembrei: “Bom, tenho, sim”. Então foi publicado. Foram publicados três livros de literatura infantil e estou fazendo o quarto agora.

É mais difícil você se comunicar com o adulto ou com a criança?

Quando me comunico com criança é fácil porque sou muito maternal. Quando me comunico com o adulto, na verdade, estou me comunicando com o mais secreto de mim mesma.

O adulto é sempre solitário?

O adulto é triste e solitário.

E a criança?

A criança tem a fantasia solta.

A partir de que momento, de acordo com a escritora, o ser humano vai se transformando em triste e solitário?

Ah, isso é segredo. Desculpe, não vou responder. A qualquer momento da vida, basta um choque um pouco inesperado e isso acontece. Mas eu não sou solitária. Tenho muitos amigos. E só estou triste hoje porque estou cansada. No geral sou alegre.

Normalmente o contato do jovem estudante com você revela que tipo de preocupação?

Revela coisas surpreendentes, que eles estão na minha.

O que significa “estar na sua”?

É que eu penso às vezes que eu estou isolada e quando eu vejo estou tendo universitários, gente muito jovem, que está completamente ao meu lado e é gratificante, não é?

Nós ouvimos com frequência que as novas gerações pouco leem no Brasil. Você confirma isso?

Bem, os universitários são obrigados a ler porque impõem a eles a obra. Agora não estou a par dos outros.

De seus trabalhos qual aquele que você acredita que mais atinja o público jovem?

Depende. Por exemplo, o meu livro “A Paixão Segundo G.H”, um professor de português do Pedro II veio até minha casa e disse que leu quatro vezes e ainda não sabe do que se trata. No dia seguinte uma jovem de 17 anos, universitária, disse que este é o livro de cabeceira dela. Quer dizer, não dá para entender.

E isso acontece em relação a outros trabalhos seus?

Também em relação ao outros trabalhos, ou toca ou não toca. Suponho que não entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato. Tanto que o professor de português e literatura, que deveria ser o mais apto a me entender, não me entendia. E a moça de 17 anos lia e relia o livro, não é? O que é um alívio.

Antes de nos encontrarmos aqui no estúdio você me dizia que está começando um novo trabalho agora, uma novela…

Não, eu acabei a novela.

Que novela é essa, Clarice?

É a história de uma moça que só comia cachorro-quente. A história é de uma inocência pisada, de uma miséria anônima…

O cenário dessa novela é…

É o Rio de Janeiro… Mas o personagem é nordestino, é de Alagoas…

Onde você foi buscar a inspiração, dentro de si mesma?

Eu morei no Recife, me criei no Nordeste. E depois, no Rio de Janeiro tem uma feira de nordestinos no Campo de São Cristóvão e uma vez eu fui lá. E peguei o ar meio perdido do nordestino no Rio de Janeiro. Daí começou a nascer a ideia. Depois eu fui a uma cartomante e ela disse várias coisas boas que iam acontecer e imaginei, quando tomei o táxi de volta, que seria muito engraçado se um táxi me atropelasse e eu morresse depois de ter ouvido todas aquelas coisas boas. Então a partir daí foi nascendo também a trama da história.

Qual o nome da heroína da novela?

Não quero dizer. É segredo.

E o nome da novela, você poderia revelar?

Treze nomes, treze títulos.

Rilke, em seu livro “Cartas a um Jovem Poeta”, respondendo a uma das missivas, pergunta a um jovem que pretendia se tornar escritor: se você não pudesse mais escrever, você morreria? A mesma pergunta eu transfiro a você.

Eu acho que, quando não escrevo estou morta.

Esse período?

É muito duro, esse período entre um trabalho e outro, e ao mesmo tempo é necessário para haver uma espécie de esvaziamento para poder nascer alguma outra coisa, se nascer. É tudo tão incerto…

Clarice, mas como é que você escreve? Existe algum horário específico?

Em geral de manhã cedo. As minhas horas preferidas são as da manhã.

Você acorda a que horas?

Quatro e meia, cinco horas. Fico fumando, tomando café, sozinha sem nenhuma interferência. Quando estou escrevendo alguma coisa eu anoto a qualquer hora do dia ou da noite, coisas que me vêm. O que se chama inspiração, não é? Agora quando estou no ato de concatenar as inspirações, aí sou obrigada a trabalhar diariamente.

Você se considera uma escritora popular?

Não.

Por qual razão?

Me chamam de hermética. Como é que eu posso ser popular sendo hermética?

E como você vê esta observação “hermética”?

Eu me compreendo. De modo que não sou hermética para mim. Bom, tem um conto meu que não compreendo muito bem…

Que conto?

“O ovo e a galinha”.

Entre seus diversos trabalhos existe um filho predileto. Qual aquele que você vê com maior carinho até hoje?

“O ovo e a galinha”, que é um mistério para mim. Uma coisa que eu escrevi sobre um bandido, um criminoso chamado Mineirinho, que morreu com três balas quando uma só bastava. E que era devoto de São Jorge e que tinha uma namorada.

Sobre esse seu trabalho em torno de Mineirinho, qual o enfoque você deu?

Eu não me lembro muito bem, já faz bastante tempo. Há qualquer coisa assim como “o primeiro tiro me espanta, o segundo tiro não sei o que, o terceiro tiro…” Eu me transformei no Mineirinho, massacrado pela polícia. Qualquer que tivesse sido o crime dele uma bala bastava, o resto era vontade de matar. Era prepotência.

Em que medida o trabalho de Clarice Lispector no caso específico de Mineirinho pode alterar a ordem das coisas?

Não altera em nada. Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa.

No seu entender, qual é o papel do escritor brasileiro hoje?

De falar o menos possível

Você tem mantido contato como outros escritores?

Eventualmente.

Quais aqueles que você acredita serem os mais significativos?

Eu prefiro não citar nomes porque eu vou esquecer alguns e vai ofender, vai ferir. Assim, eu não cito ninguém.

Você discute muito com a Clarice Lispector escritora?

Não. Eu me deixo ser…

E convivem em paz?

Ás vezes não em paz, mas…

Normalmente, que tipo de problema a Clarice Lispector escritora traz a você?

Às vezes o fato de me considerar escritora me isola.

Por qual razão?

Me põe um rótulo.

E você acredita que as pessoas olham para você através desse rótulo?

Às vezes através desse rótulo. Tudo o que eu digo, a maior bobagem, é considerada como uma coisa linda ou uma coisa boba. É por isso que não ligo muito para essa coisa de ser escritora e dar entrevistas e tudo.

Você acredita que uma pessoa vá a uma livraria comprar especificamente um livro de Clarice Lispector?

Parece que isso acontece. Eu sei porque às vezes me telefonam e me perguntam em que livraria encontram meu livro. Então eu sei que tem pessoas que vão procurar exatamente o meu livro. É que no fundo eu escrevo muito simples, sabe?

Será que as coisas simples hoje são recebidas de maneira complicada?

Talvez, talvez… Eu escrevo simples. Eu não enfeito.

Na sua formação como escritora quais aqueles autores que você sente que realmente lhe influenciaram, que marcaram?

Eu não sei realmente porque misturei tudo. Eu lia romance para mocinhas, livro cor-de-rosa, misturado com Dostoiévski. Eu escolhia os livros pelos títulos e não pelos autores. Misturei tudo. Fui ler, aos treze anos, Hermann Hesse, [o romance] “O Lobo da Estepe”, e foi um choque. Aí comecei a escrever um conto que não acabava nunca mais. Terminei rasgando e jogando fora.

Isso ainda acontece de você produzir alguma coisa e rasgar?

Eu deixo de lado… Não, eu rasgo sim.

É produto de reflexão ou de uma emoção?

Raiva, um pouco de raiva.

De quem?

De mim mesma.

Por que, Clarice?

Sei lá, estou meio cansada.

Do quê?

De mim mesma.

Mas você não renasce e se renova a cada trabalho novo?

Bom, agora eu morri. Mas vamos ver se eu renasço de novo. Por enquanto eu estou morta. Estou falando do meu túmulo.



Uma rara entrevista de Clarice Lispector, concedida em 1977, ao repórter Júlio Lerner, da TV Cultura. Depois de gravada, Clarice pediu que a entrevista só fosse divulgada após sua morte. Foi ao ar dez meses depois. Clarice morreu em dezembro de 1977, aos 57 anos

https://www.youtube.com/watch?v=ohHP1l2EVnU

Ipomoea pes-caprae, “salsa-da-praia”





Flores da Ipomoea pes-caprae
Classificação científica
Reino: Plantae
Família: Convolvulaceae
Género: Ipomoea
Subgénero: Eriospermum
Secção: Erpipomoea
Nome binomial
Ipomoea pes-caprae
(L.) R.Br.
Ipomea pes-caprae é bastante comum no litoral de regiões tropicais e sub tropicais. São plantas herbáceas, reptantes e halófita da família taxonômica Convolvulaceae. Seu caule estende-se pelo terreno arenoso, emitindo raízes pivotantes em série de modo que é possível erguer partes do corpo do organismo que permanecem "soltas", sendo considerada responsável pela fixação de dunas e areias litorâneas. Seu nome "pes-caprae" vem de pé de cabra, devido a forma que suas folhas apresentam - os folíolos bilobados formam um "V" lembrando a ponta do pé de cabra. Apresenta vistosas flores azuladas ou albas e fruto capsular.

Uso medicinal
Também conhecida como “salsa-da-praia”, cujo nome pode indicar sua semelhança à salsaparrilha febrífuga (Smilax officinalis L.) ou à salsa(o), chorão, o salgueiro-branco (Salix alba). É também usada na medicina popular por suas propriedades analgésicas, antiinflamatórias além de cicatrizante. Em análise por cromatografia há indicação da presença de isoquercitrina concentrada em suas folhas, não sendo identificada a quercetina em todas as amostras. A análise química para compostos polifenólicos, revelou que as folhas, caules, bem como a planta inteira possuem composição semelhante, porém indicou que nas folhas são quantitativamente superiores as concentrações da isoquercitrina . Quanto aos flavonoides totais, a presença é abundante nas folhas.
O isolamento, identificação e delimitação de efeitos antinociceptivos de diversos constituintes de I. pes-caprae, como a glochidona, ácido betulínico, acetato de α- e β-amirina, a referida isoquercitrina, foram obtidas de extrato metanólico e das frações acetato de etila e aquosa, das partes aéreas da planta, que exibem efeitos antinociceptivos significantes em dois modelos clássicos de dor em camundongo confirmando, pelo menos em parte, o seu uso popular no tratamento de processos dolorosos e inflamatórios.

Entre outras espécies do gênero (Ipomoea) podem ainda ser citadas, por seu efeito farmacológico no sistema nervoso, a jalapa ou batata de purga Ipomoea purga analgésica, antiinflamatória além de depurativa laxante, purgativa. e a Ipomoea purpurea que se confunde com a Ipomoea tricolor ou violácea ambas conhecidas como Glória da Manhã (Morning Glory) na busca de identificação com a planta considerada mágico-medicinal conhecida na cultura asteca como badoh negro, tlitlitzin e/ou ololiuhqui segundo Shultes e Hofmann (2010)  . Atualmente da I. purpúrea e/ou I. violácea se prepara uma essência floral que entre outras indicações auxilia no controle da dependência de drogas e desorganização de hábitos.
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

A hora da estrela :: Clarice Lispector

Pois dedico esta coisa aí ao antigo Schumann e sua doce Clara que são hoje ossos, ai de nós. Dedico-me à cor rubra e escarlate como o meu sangue de homem em plena idade e portanto dedico-me a meu sangue. Dedico-me sobretudo aos gnomos, anões, sílfides e ninfas que me habitam a vida. Dedico-me à saudade de minha antiga pobreza, quando tudo era mais sóbrio e digno e eu nunca havia comido lagosta. Dedico-me à tempestade de Beethoven. À vibração das cores neutras de Bach. A Chopin que me amolece os ossos. A Stravinsky que me espantou e com quem voei em fogo. À “Morte e Transfiguração”, em que Richard Strauss me revela um destino? Sobretudo dedico-me às vésperas de hoje e a hoje, ao transparente véu de Debussy, a Marlos Nobre, a Prokofiev, a Carl Orff, a Schoenberg, aos dodecafônicos, aos gritos rascantes dos eletrônicos – a todos esses que em mim atingiram zonas assustadoramente inesperadas, todos esses profetas do presente e que a mim me vaticinaram a mim mesmo a ponto de eu neste instante explodir em: eu. Esse eu que é vós pois não ser apenas mim, preciso dos outros para me manter de pé, tão tonto que sou, eu enviesado, enfim que é que se há de fazer senão meditar para cair naquele vazio pleno que só se atinge com a meditação. Meditação não precisa de ter resultados: a meditação pode ter como fim apenas ela mesma. Eu medito sem palavras e sobre o nada. O que me atrapalha a vida é escrever:
E – e não esquecer que a estrutura do átomo não é vista mas sabe-se dela. Sei de muita coisa que não vi. E vós também. Não se pode dar uma prova de existência do que é mais verdadeiro, o jeito é acreditar: acreditar chorando.
Esta história acontece em estado de emergência e de calamidade pública. Trata-se de livro inacabado porque lhe falta resposta. Resposta esta que alguém no mundo ma dê. Vós? É uma história em tecnicolor para ter algum luxo, por Deus, que eu também preciso. Amém para nós todos.
a culpa é minha
ou
a hora da estrela
ou
ela que se arranje
ou
o direito ao grito
ou
quanto ao futuro.
ou
lamento de um blue
ou
ela não sabe gritar
ou
assovio ao vento escuro
ou
eu não posso fazer nada
ou
registro dos fatos antecedentes
ou
história lacrimogênica de cordel
ou
saída discreta pela porta dos fundos

Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o quê, mas sei que o universo jamais começou.
Que ninguém se engane, só consigo a simplicidade através de muito trabalho.

Não conte pra ninguém :: Cora Coralina

Não conte pra ninguém

Eu sou a velha
mais bonita de Goiás.
Namoro a lua.
Namoro as estrelas.
Me dou bem
com o Rio Vermelho.
Tenho segredos
como os morros
que não é de advinhá.

Sou do beco do Mingu
sou do larguinho
do Rintintim.

Tenho um amor
que me espera
na rua da Machorra,
outro no Campo da Forca.
Gosto dessa rua
desde o tempo do bioco
e do batuque.

Já andei no Chupa Osso.
Saí lá no Zé Mole.
Procuro enterro de ouro.
Vou subir o Canta Galo
com dez roteiros na mão.

Se você quiser, moço,
vem comigo:
Vamos caçar esse ouro,
vamos fazer água... loucos
no Poço da Carioca,
sair debaixo das pontes,

dar que falar
às bocas de Goiás.

Já bebi água de rio
na concha de minha mão.
Fui velha quando era moça.
Tenho a idade de meus versos.
Acho que assim fica bem.
Sou velha namoradeira,
lancei a rede na lua,
ando catando estrelas.

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...