11 de out. de 2016

Envelhecer :: Arnaldo Antunes

A coisa mais moderna que existe nessa vida é envelhecer
A barba vai descendo e os cabelos vão caindo para cabeça aparecer
Os filhos vão crescendo e o tempo vai dizendo que agora é para valer
Os outros vão morrendo e a gente aprendendo a esquecer

Não quero morrer pois quero ver
Como será que deve ser envelhecer
Eu quero é viver para ver qual é
E dizer venha para o que vai acontecer

Eu quero que o tapete voe
No meio da sala de estar
Eu quero que a panela de pressão pressione
E que a pia comece a pingar
Eu quero que a sirene soe
E me faça levantar do sofá
Eu quero pôr Rita Pavone
No ringtone do meu celular
Eu quero estar no meio do ciclone
Para poder aproveitar
E quando eu esquecer meu próprio nome
Que me chamem de velho gagá

Pois ser eternamente adolescente nada é mais demodé
Com uns ralos fios de cabelo sobre a testa que não para de crescer
Não sei por que essa gente vira a cara para o presente e esquece de aprender
Que felizmente ou infelizmente sempre o tempo vai correr

10 de out. de 2016

Desenho de Cecília Meireles



Fui morena e magrinha como qualquer polinésia,
e comia mamão, e mirava a flor da goiaba.
E as lagartixas me espiavam, entre os tijolos e as trepadeiras,
e as teias de aranha nas minhas árvores se entrelaçavam.

Isso era num lugar de sol e nuvens brancas,
onde as rolas, à tarde, soluçavam mui saudosas...
O eco, burlão, de pedra em pedra ia saltando,
entre vastas mangueiras que choviam ruivas horas.

Os pavões caminhavam tão naturais por meu caminho,
e os pombos tão felizes se alimentavam pelas escadas,
que era desnecessário crescer, pensar, escrever poemas,
pois a vida completa e bela e terna ali já estava.

Como a chuva caía das grossas nuvens, perfumosas!
E o papagaio como ficava sonolento!
O relógio era festa de ouro; e os gatos enigmáticos
fechavam os olhos, quando queriam caçar o tempo.

Vinham morcegos, à noite, picar os sapotis maduros,
e os grandes cães ladravam como nas noites do Império.
mariposas, jasmins, tinhorões, vaga-lumes
moravam nos jardins sussurrantes e eternos.

E minha avó cantava e cosia. Cantava
canções de mar e de arvoredo, em língua antiga.
E eu sempre acreditei que havia música em seus dedos
e palavras de amor em minha roupa escritas.

Minha vida começa num vergel colorido,
por onde as noites eram só de luar e estrelas.
Levai-me aonde quiserdes!  - aprendi com as primaveras
a deixar-me cortar e a voltar sempre inteira.


                                   

9 de out. de 2016

Se o Mar se partisse :: Emily Dickinson

John William Waterhouse
Se o Mar se partisse e
Mostrasse outro Mar e esse –
Outro – e após, um Terceiro –
Que fosse mera hipótese,
Um Mar de Mares – e Praias –
Nunca dantes visitadas –
Bordas de Mares sem fim –
A Eternidade – é assim –

8 de out. de 2016

Quarto de maravilhas :: LEILA DANZIGER

Mondrian 

Esquecido pelo menino no extremo do quarto
o jogo da memória ativa nostalgias modernistas
Broadway Boogie-Woogie que se expande e se retrai
em meio a tocos de lápis
borrachas usadas
e a pedra dos rins de um ruminante
que é um poderoso amuleto contra a melancolia.
Espelhos que se recusam à imagem secretam também certo mofo protetor.
Cada coisa ocupa seu justo lugar embaralhado a outras coisas
e é nocivo desfazer a solidariedade
que une os embaçados
àqueles que refletem a luz.

7 de out. de 2016

Porque Era Ela, Porque Era Eu:: Chico Buarque ( 2006 )

Chagall
Eu não sabia explicar nós dois
Ela mais eu, por que eu e ela
Não conhecia poemas
Nem muitas palavras belas
Mas ela foi me levando
Pela mão

Íamos tontos os dois assim ao léu
Ríamos, chorávamos sem razão
Hoje, lembrando-me dela
Me vendo nos olhos dela
Sei que o que tinha de ser se deu
Porque era ela
Porque era eu


Da Amizade - Michel de Montaigne

Dipladênia ( Mandevilla splendens) Jalapa-do-campo, Jasmim-brasileiro, Mandevila, Tutti-frutti, Rosa-do-campo








Nome Científico: Mandevilla splendens
Nomes Populares: Dipladênia, Jalapa-do-campo, Jasmim-brasileiro, Mandevila, Tutti-frutti
Família: Apocynaceae
Categoria: Trepadeiras
Clima: Equatorial, Oceânico, Subtropical, Tropical
Origem: América do Sul, Brasil
Altura: 1.2 a 1.8 metros
Luminosidade: Meia Sombra, Sol Pleno
Ciclo de Vida: Perene
fonte: jardineiro.net

6 de out. de 2016

Cora Coralina, Quem É Você?

Sou mulher como outra qualquer. 
Venho do século passado 
e trago comigo todas as idades. 

Nasci numa rebaixa de serra 
Entre serras e morros. 
“Longe de todos os lugares”. 
Numa cidade de onde levaram 
o ouro e deixaram as pedras. 

Junto a estas decorreram 
a minha infância e adolescência. 

Aos meus anseios respondiam 
as escarpas agrestes. 
E eu fechada dentro 
da imensa serrania 
que se azulava na distância 
longínqua. 

Numa ânsia de vida eu abria 
O vôo nas asas impossíveis 
do sonho. 

Venho do século passado. 
Pertenço a uma geração 
ponte, entre a libertação 
dos escravos e o trabalhador livre. 
Entre a monarquia caída e a república 
que se instalava. 

Todo o ranço do passado era presente. 
A brutalidade, a incompreensão, a ignorância, o carrancismo. 
Os castigos corporais. 
Nas casas. Nas escolas. 
Nos quartéis e nas roças. 
A criança não tinha vez, 
Os adultos eram sádicos 
aplicavam castigos humilhantes. 

Tive uma velha mestra que já 
havia ensinado uma geração 
antes da minha. 
Os métodos de ensino eram 
antiquados e aprendi as letras 
em livros superados de que 
ninguém mais fala. 

Nunca os algarismos me 
entraram no entendimento. 
De certo pela pobreza que marcaria 
Para sempre minha vida. 
Precisei pouco dos números. 

Sendo eu mais doméstica do 
que intelectual, 
não escrevo jamais de forma 
consciente e racionada, e sim 
impelida por um impulso incontrolável. 
Sendo assim, tenho a 
consciência de ser autêntica. 

Nasci para escrever, mas, o meio, 
o tempo, as criaturas e fatores 
outros, contra-marcaram minha vida. 

Sou mais doceira e cozinheira 
Do que escritora, sendo a culinária 
a mais nobre de todas as Artes: 
objetiva, concreta, jamais abstrata 
a que está ligada à vida e 
à saúde humana. 

Nunca recebi estímulos familiares para ser literata. 
Sempre houve na família, senão uma 
hostilidade, pelo menos uma reserva determinada 
a essa minha tendência inata. 
Talvez, por tudo isso e muito mais, 
sinta dentro de mim, no fundo dos meus 
reservatórios secretos, um vago desejo de analfabetismo. 
Sobrevivi, me recompondo aos 
bocados, à dura compreensão dos 
rígidos preconceitos do passado. 

Preconceitos de classe. 
Preconceitos de cor e de família. 
Preconceitos econômicos. 
Férreos preconceitos sociais. 

A escola da vida me suplementou 
as deficiências da escola primária 
que outras o destino não me deu. 

Foi assim que cheguei a este livro 
Sem referências a mencionar. 

Nenhum primeiro prêmio. 
Nenhum segundo lugar. 

Nem Menção Honrosa. 
Nenhuma Láurea. 

Apenas a autenticidade da minha 
poesia arrancada aos pedaços 
do fundo da minha sensibilidade, 
e este anseio: 
procuro superar todos os dias 
Minha própria personalidade 
renovada, 
despedaçando dentro de mim 
tudo que é velho e morto. 

Luta, a palavra vibrante 
que levanta os fracos 
e determina os fortes. 

Quem sentirá a Vida 
destas páginas... 
Gerações que hão de vir 
de gerações que vão nascer. 



In Meu Livro de Cordel, 1998 


Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...