Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
17 de mar. de 2020
16 de mar. de 2020
Morri pela beleza, mas apenas estava :: Emily Dickinson Emily Elizabeth Dickinson (Massachusetts, E.U.A. Dezembro 10, 1830 – Maio 15, 1886)
Morri pela beleza, mas apenas estava
Acomodada em meu túmulo,
Alguém que morrera pela verdade
Era depositado no carneiro contíguo.
Perguntou-me baixinho o que me matara:
– A beleza, respondi.
– A mim, a verdade – é a mesma coisa,
Somos irmãos.
E assim, como parentes que uma noite se encontram,
Conversamos de jazigo a jazigo,
Até que o musgo alcançou os nossos lábios
E cobriu os nossos nomes.
1943 – Manuel Bandeira
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1954 – Cecília Meireles
Morri pela beleza, e ainda não estava
Meu corpo à tumba acostumado
Quando alguém que morreu pela verdade
Foi posto do outro lado.
Brandamente indagou: "Por quem morreste?"
"Pela beleza" disse. "Pois
Eu, foi pela verdade. Ambas são o mesmo.
Somos irmãos, os dois.”
E assim, parentes de noite encontrados,
Conversamos entre as paredes,
Até que o musgo nos chegasse aos lábios
Nossos nomes cerrando em suas redes.
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1956 – Olívia Krähenbühl
Morri pela Beleza; mas apenas
Na tumba me ajeitara,
Outro, na cova junto, foi deposto,
E que pela Verdade se finara.
De manso perguntou – Por que morreste?
– Pela Beleza, respondi-lhe então.
– E eu, pela Verdade. Ambas se valem.
Somos ambos irmãos.
Assim, paredes-meias, dialogamos
Quais parentes que a noite congregasse,
Até que o musgo nos cobrisse os lábios
E nossos nomes apagasse...
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1959 – Nise Martins Laurindo
Morri pela beleza, mas apenas
No túmulo me havia acomodado,
Quando alguém que morreu pela verdade
Foi junto à minha tumba colocado.
"Por que morreste?" – perguntou-me logo.
"Pela beleza" – respondi-lhe então.
E ele falou: "Morri pela verdade;
Uma equivale à outra; és meu irmão".
E através das paredes conversamos,
Quais parentes que há muito não se vissem,
Até que o limo nos cobrisse os lábios,
Até que nossos nomes se extinguissem.
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1965 – Vera das Neves Pedroso
Morri pela beleza – mas mal estava
Ajustada no túmulo
Quando alguém que morreu pela verdade foi posto
Numa câmara adjacente.
Perguntou-me suavemente "Por que morreu?"
"Pela Beleza", repliquei.
"E eu, pela verdade. As duas são a mesma.
Somos irmãos", disse ele.
E assim, como parentes que se encontram,
Conversamos de túmulo para túmulo
Até que o musgo aos lábios nos chegasse
E tivesse coberto os nossos nomes.
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1978 - Carolina Matos
Morri pela Beleza – mas apenas estava
Mal ajustada na Tumba
Quando Um que morrera pela Verdade, repousava
Na Campa contígua –
Perguntou-me suavemente "Por que eu morrera"?
"Pela Beleza", repliquei-lhe –
"E eu – pela Verdade – uma só razão –
Somos como Irmãos", dissera Ele –
Então, como Família, que se encontra na Noite –
Conversamos entre os aposentos –
Até que o Musgo nos alcançou os lábios –
E encobriu – os nossos nomes –
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1978 – Jorge de Sena
Morri pela Beleza – mas mal eu
Na tumba me acomodara,
Um que pela Verdade então morrera
A meu lado se deitava.
De manso perguntou por quem tombara...
– Pela Beleza – disse eu.
– A mim foi a Verdade. É a mesma Coisa.
Somos Irmãos – respondeu.
E quais na Noite os que se encontram falam –
De Quarto a Quarto a gente conversou –
Até que o Musgo veio aos nossos lábios –
E os nossos nomes – tapou.
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1984 – Jorge Wanderley
Morri pela beleza e mal chegara
A me ajustar ao meu túmulo
Quando alguém, que morreu pela verdade,
Foi estendido ao meu lado.
Suave perguntou por que eu morrera.
"Pela beleza", eu lhe disse.
"E eu pela verdade – o que é o mesmo;
Somos irmãos", respondeu.
E assim, como parentes reunidos,
Conversamos noite a dentro
Até que o musgo alcançou os nossos lábios
E recobriu nossos nomes.
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1984 – Aíla de Oliveira Gomes
Morri pela Beleza, mas na tumba
Mal me tinha acomodado
Quando outro, que morreu pela Verdade,
Puseram na tumba ao lado.
Baixinho perguntou por que eu morrera.
Repliquei, "Pela Beleza" –
"E eu, pela Verdade" – ambas a mesma –
E nós, irmãos com certeza.
Como parentes que pernoitam juntos,
De um quarto a outro conversamos –
Até que o musgo alcançou nossos lábios
E encobriu os nossos nomes.
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1986 – Idelma Ribeiro de Faria
Morri pela beleza e mal estava
Ao túmulo ajustado
Alguém veio habitar a sepultura ao lado
(Defendera a verdade.)
Baixinho perguntou: "Por que morreste?"
"Pela beleza", respondi.
"E eu pela verdade. São ambas uma só.
Somos irmãos", me disse.
E assim como parentes que à noite se encontram
Entre os jazigos conversamos,
Até que o musgo alcançou nossos lábios
E cobriu nossos nomes.
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1988 – José Lino Grünewald
Morri pela beleza e mal estava
Ao túmulo ajustado
Alguém veio habitar a sepultura ao lado
(Defendera a verdade.)
Baixinho perguntou: "Por que morreste?"
"Pela beleza", respondi.
"E eu pela verdade. São ambas uma só.
Somos irmãos", me disse.
E assim como parentes que à noite se encontram
Entre os jazigos conversamos,
Até que o musgo alcançou nossos lábios
E cobriu nossos nomes.
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1988 – Helena Alvim Ameno
Eu morri pela beleza, e estava há pouco
colocado no túmulo,
Quando alguém que morrera pela verdade
Foi posto no sepulcro ao lado.
Ele me perguntou suavemente: Porque você morreu?
"Pela beleza", eu respondi.
"Eu pela verdade – as duas são uma;
Nós somos irmãos", disse ele.
E assim, como parentes que se encontram à noite,
Nós conversamos em nossos quartos,
Até que o musgo atingiu nossos lábios,
E cobriu nossos nomes.
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1996 – Zelita Seabra
Morri pela beleza, mas mal fora
Colocada no sepulcro,
Quando alguém que morrera pela verdade foi deposto
No quarto ao lado.
Suavemente perguntou-me por que tinha eu morrido?
"Pela beleza", respondi.
"E eu pela verdade, as duas são uma;
Somos irmãos", disse ele.
E assim, como parentes que uma noite se encontram,
Conversamos entre nossos quartos,
Até que o musgo chegasse a nossos lábios,
E cobrisse nossos nomes.
1999 – Lucia Olinto
Pela Beleza morri – mas,
Mal à Cova eu me ajustara,
Quando estenderam do meu lado
Um que morreu pela Verdade.–
“Por que fracassou?” murmurou-me,
“Pela Beleza”, respondi.
“Eu – pela Verdade – é o mesmo,”
Ele falou, “Somos confrades” –
E assim, como velhos Colegas,
Entre Túmulos conversamos,
Até que o Musgo alcançou
Nossos lábios e nossos nomes.
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2000 – Nuno Júdice
Morri pela Beleza – mas mal me tinha
Acomodado à Campa
Quando Alguém que morreu pela Verdade,
Da Casa ao lado –
Pergunto baixinho "Por que morreste?"
"Pela Beleza", respondi –
"E eu – pela Verdade – Ambas são iguais –
E nós também, somos Irmãos", disse Ele –
E assim, como parentes próximos, uma Noite –
Falámos de uma Casa para outra –
Até que o Musgo nos chegou aos lábios –
E cobriu – os nossos nomes –
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2002 – Ivo Bender
Morri pela beleza, mas estava apenas
No sepulcro acomodada
Quando alguém que pela verdade morrera
Foi posto na tumba ao lado.
Perguntou-me, baixinho, o que me matara:
"A beleza," respondi.
"A mim, a verdade, – são ambas a mesma coisa,
Somos irmãos".
E assim, como parentes que certa noite se encontram,
Conversamos de jazigo a jazigo,
Até que o musgo alcançou nossos lábios
E cobriu os nossos nomes.
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2002 – António Simões
Morri pela Beleza – mas mal
No Túmulo acabara de me acomodar,
Quando Alguém que morrera pela Verdade
Num Compartimento ao lado foram colocar –
Ele perguntou-me com voz doce por quem tombara eu
"Pela Beleza," respondi –
"E eu – pela Verdade – os dois somos um só;
Somos Irmãos," disse ele –
E assim, como numa Reunião de Família à noite –
Falámos de um Compartimento para o outro –
Até o Musgo nos alcançar os lábios –
E tapar – os nossos nomes –
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2003 – Fernanda Mourão
Pela Beleza morri – mas mal
Me tinha ao Túmulo acomodado
Quando Um que morreu pela Verdade
Colocaram na Cova ao lado –
Indagou-me, manso, “Por que fracassei”?
“Pela Beleza”, respondi –
“Eu – pela Verdade – sei, é o mesmo”,
Ele disse, “Somos Confrades” –
E assim, como Irmãos à Noite –
Entre Túmulos falamos –
Até que o Musgo alcançou nossos lábios –
E cobriu – nossos nomes –
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2004 – José Lira
Morri pela Beleza - e em minha Cova
Eu não me sentia a gosto
Quando Alguém que morreu pela Verdade
À Cova ao lado chegou -
Gentil ele indagou por que eu viera -
E eu disse - "pela Beleza" -
"Eu vim pela Verdade - a Mesma Coisa -
Somos Irmãos" - respondeu -
E quais Parentes juntos numa Noite
Conversamos no Jazigo -
Até que o Musgo nos chegou aos lábios
E nossos nomes cobriu -
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2008 – Augusto de Campos
Morri pela Beleza – e assim que no Jazigo
Meu Corpo foi fechado,
Um outro Morto foi depositado
Num Túmulo contíguo –
"Por que morreu"? murmurou sua voz.
"Pela Beleza" – retruquei –
"Pois eu – pela Verdade – É o Mesmo. Nós
Somos Irmãos. É uma só lei" –
E assim Parentes pela Noite, sábios –
Conversamos a Sós –
Até que o Musgo encobriu nossos lábios –
E – nomes – logo após–
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2010 - Isa Mara Lando
Morri pela Beleza – mas mal estava
Em meu túmulo deitada
Alguém, que pela Verdade morreu, foi colocado
Na Câmara logo ao lado –
Perguntou-me suave, por que eu caí
“Pela Beleza”, respondi –
“E eu – pela Verdade – Uma só as duas são –
Tu e eu somos Irmãos” –
E assim, fraternalmente nos encontrávamos –
E à Noite entre as Câmaras conversávamos –
Até que o Musgo nossos lábios alcançou –
E os nossos nomes – apagou –
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I died for Beauty – but was scarce
Adjusted in the Tomb
When One who died for Truth, was lain
In an adjoining Room –
He questioned softly "Why I failed"?
"For Beauty", I replied –
"And I – for Truth – Themself are One –
We Brethren, are", He said –
And so, as Kinsmen, met a Night –
We talked between the Rooms –
Until the Moss had reached our lips –
And covered up – our names –
14 de mar. de 2020
12 de mar. de 2020
11 de mar. de 2020
Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra (Álvaro de Campos ) Fernando Pessoa.
Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra,
Ao luar e ao sonho, na estrada deserta,
Sozinho guio, guio quase devagar, e um pouco
Me parece, ou me forço um pouco para que me pareça,
Que sigo por outra estrada, por outro sonho, por outro mundo,
Que sigo sem haver Lisboa deixada ou Sintra a que ir ter,
Que sigo, e que mais haverá em seguir senão não parar mas seguir?
Vou passar a noite a Sintra por não poder passá-la em Lisboa,
Mas, quando chegar a Sintra, terei pena de não ter ficado em Lisboa.
Sempre esta inquietação sem propósito, sem nexo, sem consequência,
Sempre, sempre, sempre,
Esta angústia excessiva do espírito por coisa nenhuma,
Na estrada de Sintra, ou na estrada do sonho, ou na estrada da vida...
Maleável aos meus movimentos subconscientes do volante,
Galga sob mim comigo o automóvel que me emprestaram.
Sorrio do símbolo, ao pensar nele, e ao virar à direita.
Em quantas coisas que me emprestaram guio como minhas!
Quanto me emprestaram, ai de mim!, eu próprio sou!
À esquerda o casebre — sim, o casebre — à beira da estrada.
À direita o campo aberto, com a lua ao longe.
O automóvel, que parecia há pouco dar-me liberdade,
É agora uma coisa onde estou fechado,
Que só posso conduzir se nele estiver fechado,
Que só domino se me incluir nele, se ele me incluir a mim.
À esquerda lá para trás o casebre modesto, mais que modesto.
A vida ali deve ser feliz, só porque não é a minha.
Se alguém me viu da janela do casebre, sonhará: Aquele é que é feliz.
Talvez à criança espreitando pelos vidros da janela do andar que está em cima
Fiquei (com o automóvel emprestado) como um sonho, uma fada real.
Talvez à rapariga que olhou, ouvindo o motor, pela janela da cozinha
No pavimento térreo,
Sou qualquer coisa do príncipe de todo o coração de rapariga,
E ela me olhará de esguelha, pelos vidros, até à curva em que me perdi.
Deixarei sonhos atrás de mim, ou é o automóvel que os deixa?
Eu, guiador do automóvel emprestado, ou o automóvel emprestado que eu guio?
Na estrada de Sintra ao luar, na tristeza, ante os campos e a noite,
Guiando o Chevrolet emprestado desconsoladamente,
Perco-me na estrada futura, sumo-me na distância que alcanço,
E, num desejo terrível, súbito, violento, inconcebível,
Acelero...
Mas o meu coração ficou no monte de pedras, de que me desviei ao vê-lo sem vê-lo,
À porta do casebre,
O meu coração vazio,
O meu coração insatisfeito,
O meu coração mais humano do que eu, mais exacto que a vida.
Na estrada de Sintra, perto da meia-noite, ao luar, ao volante,
Na estrada de Sintra, que cansaço da própria imaginação,
Na estrada de Sintra, cada vez mais perto de Sintra,
Na estrada de Sintra, cada vez menos perto de mim...
Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993)
Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector
Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...
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Tem de haver mais Agora o verão se foi E poderia nunca ter vindo. No sol está quente. Mas tem de haver mais. Tudo aconteceu, Tu...
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A ilha da Madeira foi descoberta no séc. XV e julga-se que os bordados começaram desde logo a ser produzidos pel...