Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
25 de jun. de 2020
Minha santa constância :: Noemi Jaffe
23 de jun. de 2020
Poema : : Herberto Helder
irmãos humanos que depois de mim vivereis,
eu que fui obrigado a viver dobrados os oitenta,
fazei por acabar mais cedo vossos trabalhos cegos,
porque nestas idades já não nunca,
nem leituras embrumadas,
nem crenças, nem política das formas, nem poemas no futuro, nem
visitas extraterrestres de mulheres
exorbitantemente
nuas, cruas, sexuais, luminosas,
só vê-las um pouco, sim, mas vê-las também cansa,
é como trabalhar: stanca,
lavorare stanca,
queríamos tanto acreditar no milagre isabelino do pão e das rosas,
e só tínhamos que perder a alma,
hoje talvez eu mesmo acreditasse melhor, mas foi-se tudo,
enfim esses jogos gerais, ao tempo que se esgotaram!
livros, je les aí lus tous, e como de costume a carne é insondável,
estou mais pobre do que ao comêço,
e o mundo é pequeníssimo, dá-se-lhe corda, dá-se uma volta,
meia volta, e já era,
irmãos futuros do gênio de Villon e do meu gênero baixo,
não peço piedade, apenas peço:
não me esqueceis só a mim, esquecei a geração inteira,
inclitamente vergonhosa,
que em testamento vos deixou esta montanha de merda:
o mundo como vontade e representação que afinal é como era,
como há-de ser: alta,
alta montanha de merda — trepai por ela acima até à vertigem,
merda eminentíssima:
daqui se vêem os mistérios, os mesteres, os ministérios,
cada qual obrando a sua própria magia:
merda que há-de medrar melhor na memória do mundo
Servidões, 2013.
22 de jun. de 2020
Somente para seus olhos de Andrea Dutra
eu guardo o nosso segredo como se guarda, escondida no fundo da gaveta, uma jóia dentro de uma caixa forrada de veludo, enrolada no lenço de seda. ou como se perde, entre as folhas de um livro, uma folha seca que a gente pegou no chão daquele dia especial de outono. um dia a gente abre o livro e dá de cara com a cena. guardo os instantâneos da nossa vida na retina, milhares de quadros por segundo. não tiramos nenhuma foto juntos, mesmo qdo o sol listrava de cor de rosa o céu azul do arpoador. não postamos nossos pés sujos de areia no instragram. a gente anda na rua sem dar as mãos, mas trocamos olhares. não vamos publicar nenhuma das nossas felicidades, não vamos postar nada. não temos amigos em comum, não moramos na mesma cidade. nós moramos na nuvem. agora, falamos menos. nos olhamos mais. sorrimos, e ficamos calados, lado a lado. a paz reina. qdo nos vemos vem lua vai sol vem noite vai dia. somos completamente.
21 de jun. de 2020
De Valter Hugo Mãe para Marcelino Freire:Marcelino, tenho medo de voltar ao seu país porque cresci relutante para ser adulto e sei que me mantenho em tantas coisas apenas uma criança.
15 de jun. de 2020
INSTRUÇÕES PARA ESQUIVAR O MAU TEMPO :: Paco Urondo (Santa Fe, Argentina 1930 - 17 de junio de 1976)
Refugie-se em casa e feche as trancas quando todos os seus estiverem a salvo.
Compartilhe o mate e a conversa com os companheiros, os beijos furtivos e as noites clandestinas com quem lhe assegure ternura.
Não deixe que a estupidez se imponha.
Defenda-se.
Contra a estética, ética.
Esteja sempre atento.
Não lhes bastará empobrecê-lo, e quererão subjugá-lo com sua própria tristeza.
Ria ostensivamente.
Tire sarro: a direita é mal comida.
Será imprescindível jantar juntos a cada dia até que a tormenta passe.
São coisas simples, mas nem por isso menos eficazes.
Diga para o lado bom dia, por favor e obrigado.
E tomar no cu quando o solicitem de cima.
Dê tudo o que tiver, mas nunca sozinho.
Eles sabem como emboscá-lo na solidão desprevenida de uma tarde.
Lembre que os artistas serão sempre nossos.
E o esquecimento será feroz com o bando de impostores que os acompanha.
Tudo vai ficar bem se você me ouvir.
Sobreviveremos novamente, estamos maduros.
Cuidemos dos garotos, que eles quererão podar.
Só é preciso se munir bem e não amesquinhar amabilidades.
Devemos ter à mão os poemas indispensáveis, o vinho tinto e o violão.
Sorrir aos nossos pais como vacina contra a angústia diária.
Ser piedosos com os amigos.
Não confundir os ingênuos com os traidores.
E, mesmo com estes, ter o perdão fácil quando voltarem com as ilusões acabadas.
Aqui ninguém sobra.
E, isto sim, ser perseverantes e tenazes, escrever religiosamente todos os dias, todas as tardes, todas as noites.
Ainda sustentados em teimosias se a fé desmoronar.
Nisso, não haverá trégua para ninguém.
A poesia dói nesses filhos da puta.
12 de jun. de 2020
Dia dos Namorados
10 de jun. de 2020
Olhos parados :: Manoel de Barros
8 de jun. de 2020
Nomear :: Mario Quintana
Treino e(m) poema (um trecho) :: Kazuo Ohno
que se assemelha a um pássaro, um pássaro
feito de espírito – será que ele conseguirá
penetrar no seu espírito sem dificuldade?
Seus olhos estão prontos para permitir sua
entrada? Quando o pássaro está prestes
a entrar, será que você dança com olhos que
o acolhem? Sempre em movimento, com
leveza – é preciso dançar com leveza para
que ele seja acolhido. Como se houvesse
uma porta de entrada e saída do espírito,
uma porta fundamental. Será que o que
nasce com isso é a sua alegria ou a sua
tristeza? O que se passa? No seu ir e vir,
o pássaro bate as asas – é a sua alma que
bate asas de alegria? Ou seria de tristeza?
A realidade muda a todo instante, não é
mesmo? Cuide bem de seus olhos, existem
danças assim, só de olhos. Veja bem, há todo
um mundo que é apenas deles. Então é isso,
vamos tentar com olhos assim.
1 de jun. de 2020
A palavra seda de João Cabral de Melo Neto
28 de mai. de 2020
Madeira-de-sonho :: Adrienne Rich
ou o eu mais velho da criança,
uma mulher sonhando quando devia estar a bater à máquina
o último relatório do dia. Se isto fosse um mapa,
pensa ela, um mapa decretado para memorizar
podendo ela talvez percorrê-lo, ele mostra
cordilheira atrás de cordilheira esbatendo-se no deserto nebulento,
aqui e além um sinal de aquíferos
e um possível bebedouro. Se isto fosse um mapa
seria o mapa da última idade da sua vida,
não um mapa de escolhas mas um mapa de variações
sobre a escolha maior. Seria o mapa pelo qual
ela poderia ver o fim das escolhas turísticas,
de distâncias azuladas e arroxeadas de romantismo,
pelo qual ela reconheceria que a poesia
não é revolução mas uma forma de saber
por que tem de vir a revolução. Se esta mesinha de madeira baratucha,
produzida em massa, vinda da Companhia de Gás de Brooklyn,
produzida em massa porém duradoura, presente agora aqui,
é o que é porém um mapa-de-sonho
tão renitente, tão simples,
pensa ela, o material e o sonho podem juntar-se
e isso é o poema e isso é o relatório retardatário.
Uma Paciência Selvagem. Editora Cotovia, 2008.
25 de mai. de 2020
Balanço de Débora Siqueira Bueno
18 de mai. de 2020
11 de mai. de 2020
Casa antiga :: Cecilia Meireles
8 de mai. de 2020
4 de mai. de 2020
O Haver :: Vinicius de Moraes
Jardim Noturno: poemas inéditos. Companhia das Letras - São Paulo, 1993. p. 17.
1 de mai. de 2020
30 de abr. de 2020
Escambo:: Noemi Jaffe
os minutos que vêm logo depois de acordar, ainda entre o sono e a vigília, são cheios de possibilidades que, assim que a vigília predomina, soam absurdos. durante esses minutos tenho certeza de que vou publicar um livro único sobre o qual ninguém nunca tinha pensado e que vai fazer um sucesso internacional; encontro uma maneira de conseguir visitar minha mãe todos os dias; descubro um jeito de fazer escambo com os melhores restaurantes da cidade: redijo os cardápios e, em troca, eles me oferecem jantares de graça por um ano. não, mais de um ano, quem sabe para sempre. essa brecha de luz embaçada, esse tempo não cronológico, não linear, entre a entrega ao outro e a posse de si mesmo é um momento privilegiado, que eu gostaria de agarrar com os dedos e levar comigo na bolsa. nos momentos chatos do dia, eu o tiraria de lá, vestiria como se fossem óculos e veria o mundo com cores esfumaçadas, brilhantes, engraçadas, do jeito que eu quisesse.
27 de abr. de 2020
Dicionário das Tristezas Obscuras :: John Koenig
Frustrar-se com a quantidade de tempo necessário para se conhecer bem alguém.
2. Aimonimia
Medo de que aprender o nome de algo – um pássaro, uma constelação, uma pessoa bonita – irá estragar tudo. Transformando uma descoberta do acaso em uma casca conceitual vazia.
3. Altschmerz
Exaustão diante dos problemas que você sempre teve – as mesmas falhas e ansiedades entediantes que vêm lhe atormentando por anos.
4. Ambedo
Tipo de transe melancólico no qual você se torna completamente absorto por pequenos detalhes sensoriais – pingos de chuva escorrendo pela janela, árvores altas se dobrando lentamente com o vento, espirais de creme se formando no café – levando a uma devastadora constatação da fragilidade da vida.
5. Anchorage
Desejo de segurar o tempo enquanto ele passa, como tentar se segurar em uma pedra diante de uma forte correnteza bem no meio de um rio.
6. Anecdoche
Conversa em que todo mundo está falando mas ninguém está ouvindo.
7. Anemoia
Nostalgia de um tempo no qual você nunca viveu.
8. Anthrodynia
Estado de exaustão ao perceber como as pessoas podem ser horríveis umas com as outras.
9. Chrysalism
A tranquilidade confortável de se estar dentro de casa durante uma tempestade.
10. Ecstatic Shock
Onda de energia que surge ao olhar de relance para alguém que você gosta.
11. Ellipsism
Tristeza por não ser capaz de saber como a história vai terminar.
12. Énouement
Sensação agridoce por ter chegado no futuro, visto como tudo aconteceu, mas não poder contar para o seu ‘eu’ do passado.
13. Exulansis
Tendência de desistir ao tentar falar sobre uma determinada experiência porque as pessoas são incapazes de se relacionar com ela.
14. Gnossienne
Momento em que você percebe que alguém que você conhece há anos, tem uma vida interna, privada e misteriosa.
15. Jouska
Conversa hipotética que você repete compulsivamente na sua cabeça.
16. Kairosclerosis
Momento em que você percebe que está feliz – e tenta conscientemente aproveitar essa sensação – o que obriga seu intelecto a identificar e colocar a sensação em um contexto, onde a felicidade lentamente se dissolve até se tornar pouco mais do que um retrogosto.
17. Kenopsia
Atmosfera misteriosa e desamparada de um lugar que normalmente está cheio de gente, mas que agora está abandonado e quieto.
18. Lachesism
Desejo de ser atingido por um desastre – sobreviver a uma queda de avião, ou perder tudo em um incêndio.
19. Lalalalia
Dar-se conta, enquanto fala sozinho, que outra pessoa pode estar escutando, levando-o- a rapidamente transformar as palavras em um cantarolar sem sentido.
2
0. Lapyear
Idade em que você se torna mais velho de quando seus pais eram quando você nasceu.
21. Lethobenthos
Hábito de esquecer o quão importante uma pessoa é para você, até o momento em que você a encontra pessoalmente.
22. Liberosis
Desejo de se importar menos com as coisas.
23. Mimeomia
Frustração ao perceber o quão facilmente você se encaixa em um estereótipo.
24. Monachopsis
Sentimento sutil, porém persistente, de estar fora de lugar.
25. Moriturism
Perceber, como um solavanco durante um momento de insônia, que você vai morrer.
2
6. Nementia
O esforço que vem logo após um momento de distração, para lembrar porque é mesmo que você está se sentindo irritada, ou ansiosa, ou animada.
27. Nodus Tollens
Dar-se conta de que o roteiro da sua vida já não faz o menor sentido.
28. Occhiolism
Dar-se conta da pequenez da sua perspectiva. Com a qual você não tem como chegar a qualquer conclusão significativa sobre o mundo, o passado, ou as complexidades da cultura.
29. Onism
Frustração de estar preso em apenas um corpo que habita apenas um lugar por vez.
30. Opia
Intensidade ambígua de olhar alguém nos olhos, e sentir-se simultaneamente invasivo e vulnerável.
31. Reverse Shibboleth
Prática de atender o telefone com um “alô?” genérico, como se você já não soubesse quem está ligando.
32. Rückkehrunruhe
Sentimento de voltar para casa depois de uma viagem imersiva, e perceber que toda a experiência já está desaparecendo rapidamente da sua consciência.
33. Sonder
Dar-se conta de que cada pessoa tem uma vida tão vívida e complexa quanto a sua – preenchida por ambições, amigos, rotinas, preocupações e loucura.
34. Scabulous
Sentir orgulho de uma cicatriz. Como um autógrafo dado a você pelo mundo.
35. The Bends
A frustração ao perceber que você não está aproveitando uma experiência tanto quanto deveria.
36. Trumspringa
A tentação de sair da sua meta de carreira e se tornar pastor de ovelhas nas montanhas.
37. Vemödalen
Frustração ao fotografar algo incrível quando milhares de outras fotos idênticas já existem.
38. Vemödalen
Medo de que tudo já tenha sido feito.
39. Waldosia
Olhar para todos os rostos em uma multidão, procurando uma pessoa específica que não teria motivo algum para estar aí.
40. Zenosyne
Sensação de que o tempo está passando cada vez mais rápido.
Não se trata de uma tentativa de condensar emoções e rotulá-las em novos conceitos. O “Dicionário das Tristezas Obscuras” é, em si mesmo, poesia. São ideias e sensações sublimadas em arte.
Não são palavras prisioneiras das limitações próprias do que se define. O trabalho de Koenig é criação, expressão livre e artística, que proporciona a identificação com a subjetividade humana.
fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/The_Dictionary_of_Obscure_Sorrows
26 de abr. de 2020
DANÇA, CLARICE :: Pedro Américo de Farias
Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector
Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...
-
Tem de haver mais Agora o verão se foi E poderia nunca ter vindo. No sol está quente. Mas tem de haver mais. Tudo aconteceu, Tu...
-
A ilha da Madeira foi descoberta no séc. XV e julga-se que os bordados começaram desde logo a ser produzidos pel...