19 de jul. de 2016

Poema-testamento de Allen Ginsberg (1926 – 1997)

Nunca irei à Bulgária, tive panfleto & convite
Igual à Albânia, fui convidado ano passado, secretamente por estelionatários
ou alcóolatras em recuperação
Ou poetas iluminados das terras ancestrais dos Portões de Hades
Também não visitarei Lhasa viverei em Hilton ou com a família de Ngawang Gelek
nem regressarei a Potala
Também não voltarei a Khasi "a cidade continuamente habitada mais velha do mundo"
nem banharei no Ganges nem me sentarei em Manikarnika ghat com Peter,
nem visitarei novamente Lord Jagganath em Puri, nunca voltarei a Bibhum
nem anotarei as lendas de Khaki B Baba
Também não irei a festivais de música em Madras com Philip
Nem tampouco tomarei Chai com Sunil & os outros poetas da lanchonete,
Nem amarrarei um véu em minha cabeça em uma boca de fumo de ópio em Chinatown,
nem passarei pelo Moslem Hotel, sua cobertura Tinsmith Street Choudui Chowh Nimtallah
lugar perfeito para fumar ganja em Hooghly
Também não irei às alamedas de Achmed's Fez, nunca mais beberei chá de hortelã no Soco
Chico nem visitarei Paul B. em Tângier
Nem verei a Esfinge no deserto no pôr-do-sol ou no nascer do sol, manhã e tarde
no deserto
A antiga Beirute destruída, Babilônia & Ur tristemente bombardeadas, os mistérios soturnos
da Síria e de todos os desertos Árabes & Sauditas, o povo alegre do Iêmen,
O velho Afeganistão de tribos e ópio, Tibet - os templos do Baluchistão
Nem verei Shangha mais uma vez, para não falar de Dunhuang
Nem escalarei os 3 lances da escadaria do prédio da Rua 12 E.,
Nem irei à literária Argentina, nem verei meus parceiros de copo em São Paulo & nem viverei
um mês num flat nas praias do Rio com os meninos das favelas, nem o maravilhoso
Carnaval da Bahia
Não ficarei acordado sonhando com Bali, o festival de Adelaide é longe demais para comprar
novos incensos
Não verei as novas favelas de Jacarta, as misteriosas florestas de Bornéu & homens
e mulheres pintados
Nada mais de Sunset Boulevard, de Melrose Avenue nem do Oz em Ocean Way
Do velho primo Danny Leegant, lembranças da tia Edith em Santa Mônica
Nada mais de verões românticos com amantes, de dar aulas sobre Blake em Naropa,
sobre escrever Slogans, nova Poética moderna Americama, Williams
Kerouac Reznikoff Rakosi Corso Creely Orlovsky
Nunca visitarei B'nai Israel os túmulos de Buda, tia Rosa, Harry Meltzer e
tia Clara, meu pai Louis,
Não pessoalmente exceto numa urna de cinzas.



Allen Ginsberg, 1960´s

poema-testamento de Allen Ginsberg
escrito a 30 de março de 1997, cinco dias antes de sua morte
tradução Rafael Leal

18 de jul. de 2016

Mandy Budan


Cena Legislativa :: José Paulo Paes

Primeiramente, condenou-se a pomba
Por amar uma paz entorpecente
Onde o leão perde a juba e a hiena os dentes.

Depois, condenou-se no cordeiro
A perigosa dúvida que o anima.
O rio dos lobos corre sempre para cima.

Condenou-se a cigarra, finalmente,
Pelo crime de cantar nas horas vagas
Que a faina das formigas não tem paga.

Consolidada a ordem, festejou-se.
E o leão rugindo, a hiena rindo,
Os trabalhos foram dados por bem findos.



17 de jul. de 2016

Petúnia
















Petúnia
Reino: Plantae
Clado: angiospérmicas
Clado: eudicotiledóneas
Clado: asterídeas
Ordem: Solanales
Família: Solanaceae
Género: Petunia

Petúnia é um género botânico pertencente à família Solanaceae. Petúnia significa "flor vermelha" na língua dos índios Tupi.Originária de locais tropicais e sub-tropicais da América do Sul. A maioria das petúnias que se encontram em jardins são híbridas. As petúnias são herbáceas anuais (Petunia x hybrida) e atingem 15 a 30 cm de altura. A planta prefere estar exposta ao Sol. Floresce na primavera e verão e podem apresentar-se nas cores: vermelha, azul, rosa, laranja, salmão, púrpura e branca.
Seu principal pigmento é uma antocianida denominada petunidina, que tem seu nome derivado da palavra Petúnia, sendo um corante presente em algumas outras flores e frutas.
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

15 de jul. de 2016

Quero: Carlos Drummond de Andrade

Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.

Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?

Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao não dizer: Eu te amo,
desmentes
apagas
teu amor por mim.

Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.
Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão,
amor
saltando da língua nacional,
amor
feito som
vibração espacial.
No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de amar-me,
que nunca me amastes antes.

Se não me disseres urgente repetido
Eu te amoamoamoamoamo,
verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor.

14 de jul. de 2016

Patricia Brandstatter







O mínimo do máximo :: Paulo Leminski

Odilon Redon

Tempo lento,
espaço rápido,
quanto mais penso,
menos capto.
Se não pego isso
que me passa no íntimo,
importa muito?
Rapto o ritmo.
Espaçotempo ávido,
lento espaçodentro,
quando me aproximo,
simplesmente medesfaço,
apenas o mínimo
em matéria de máximo

13 de jul. de 2016

Amar é Sempre Descobrir o Outro com a sua Diferença Inesperada - Contardo Calligaris


Receita do amor que dura: amar o outro não apesar de sua diferença, mas por ele ser diferente.
Em geral , na literatura, no cinema e nas nossa fantasias, as histórias de amor acabam quando os amantes se juntam (é o modelo Cinderela) ou, então, quando a união esbarra num obstáculo intransponível (é o modelo Romeu e Julieta). No modelo Cinderela, o narrador nos deixa sonhando com um “viveram felizes para sempre”, que seria a “óbvia” conseqüência da paixão. No modelo Romeu e Julieta, a felicidade que os amantes teriam conhecido, se tivessem podido se juntar, é uma hipótese indiscutível. O destino adverso que separou os amantes (ou os juntou na morte) perderia seu valor trágico se perguntássemos: será que Romeu e Julieta continuariam se amando com afinco se, um dia, conseguissem deitar-se juntos sem que Romeu tivesse que escalar a casa de Julieta até o famoso balcão? Ou se, em vez de enfrentar a oposição letal de suas ascendências, eles passassem os domingos em espantosos churrascos de família?
Talvez as histórias de amor que acabam mal nos fascinem porque, nelas, a dificuldade do amor se apresenta disfarçada. A luta trágica contra o mundo que se opõe à felicidade dos amantes pode ser uma metáfora gloriosa da dificuldade, tragicômica e inglória, da vida conjugal. O casal que dura no tempo, em regra, não é tema para uma história de amor, mas para farsa ou vaudeville -às vezes, para conto de terror, à la “Dormindo com o Inimigo”.
Durante décadas, Calvin Trillin * escreveu uma narrativa de sua vida de casal, na revista “New Yorker” e em alguns livros (por exemplo, “Travels with Alice”, viajando com Alice, de 1989, e “Alice, Let’s Eat”, Alice, vamos para a mesa, de 1978). Nesses escritos, que são só uma parte de sua produção, Trillin compunha com sua mulher, Alice, uma dobradinha humorística, em que Calvin era o avoado, o feio e o desajeitado, e Alice encarnava, ao mesmo tempo, a beleza, a graça e a sabedoria concreta de vida.
À primeira vista, isso confirma a regra: a vida de casal é um tema cômico. Mas as crônicas de Trillin eram delicadas e tocantes: engraçadas, mas nunca grotescas. Trillin não zombava da dificuldade da vida de casal: ele nos divertia celebrando a alegria do casamento. Qual era seu segredo? Pois bem, Alice, com quem Trillin se casou em 1965, morreu em 2001.
Trillin escreveu “Sobre Alice”, que acaba de ser publicado pela Globo. Esse pequeno e tocante texto de despedida desvenda o segredo de um amor e de uma convivência felizes, que duraram 35 anos. O segredo é o seguinte: Calvin e Alice, as personagens das crônicas, não eram artifícios literários, eram os próprios. A oposição entre os dois foi, efetivamente, o jeito especial que eles inventaram para conviver e prolongar o amor na convivência.
Considere esta citação de um texto anterior, que aparece no começo de “Sobre Alice”: “Minha mulher, Alice, tem a estranha propensão de limitar nossa família a três refeições por dia”. A graça está no fato de que a “propensão” de Alice não é extravagante, mas é contemplada por Calvin como se fosse um hábito exótico.
Alice é situada e mantida numa alteridade rigorosa, em que é impossível distinguir qualidades e defeitos: Calvin a ama e admira como a gente contempla, fascinado, uma espécie desconhecida num documentário do Discovery Channel. Se amo e admiro o outro por ele ser diferente de mim (e não apesar de ele ser diferente de mim), não posso considerar que minha maneira de ser seja a única certa. Se Calvin acha extraordinário que Alice acredite na virtude de três refeições diárias, ele pode continuar petiscando o dia todo, mas seu hábito lhe parecerá, no fundo, tão estranho quanto o de Alice.
Com isso, Calvin e Alice transformaram sua vida de casal numa aventura fascinante: a aventura de sempre descobrir o outro, cuja diferença inesperada nos dá, de brinde, a certeza de que nossa obstinada maneira de ser, nossos jeitos e nossa neurose não precisam ser uma norma universal, nem mesmo a norma do casal. Há quem diga que o parceiro ideal é aquele que nos faz rir. Trillin completou a fórmula: Alice era quem conseguia fazê-lo rir dele mesmo. Com isso, ele descobriu a receita do amor que dura.

11 de jul. de 2016

Quando está triste :: ÂNGELA LAGO

Monet 
Quando está triste, a maldição ataca
o destrutor do jardim.

Se toca, a flor murcha,
se pega, o botão não abre mais.
Se olha, mesmo de banda, seca.
Melhor, respire raso.

Mas, ai, que mesmo sem permissão
vai o perfume pela narina abaixo.
Entrou. E agora?

Te despetalará por dentro
a ti que devias ser pedra.
Atômico olor vingará o reino humano.

E então, dado a conhecer a beleza,
o destrutor do jardim
cairá de joelho em pleno Éden.


8 de jul. de 2016

Na história do nosso amor :: Yehuda Amichai

Na história do nosso amor,
um é sempre uma tribo nômade, o outro uma nação em seu solo.
Quando trocamos de lugar, tudo se fora.

O tempo nos passará, como passam paisagens
por trás de atores em suas marcas
quando rodam um filme. Mesmo palavras
passarão por nossos lábios, mesmo lágrimas
passarão por nossos olhos. Passará o tempo
Cada um em seu lugar.

E na geografia do resto de nossas vidas,
quem será uma ilha e quem uma península
ficará claro para cada um de nós no resto de nossas vidas
nas noites de amor com outros.



tradução de Rafael Leal

7 de jul. de 2016

O jogo em que nos metemos :: JUAN GELMAN

Se me deixassem escolher, eu escolheria
Esta saúde de saber que estamos muito doentes,
esta ventura de andar tão infelizes.

Se me deixassem escolher, eu escolheria
esta inocência de não ser um inocente,
esta pureza em que ando como impuro.

Se me deixassem escolher, eu escolheria
este amor com que odeio,
esta esperança que como pães desesperados.

Aqui acontece, senhores,
que eu jogo com a morte.
de "El juego en que andamos"

Tradução de Antonio Miranda

6 de jul. de 2016

A exceção e a regra :: BERTOLT BRECHT

Nós vos pedimos com insistência:

Nunca digam – Isso é natural.

Diante dos acontecimentos de cada dia.

Numa época em que reina a confusão,

Em que corre o sangue,

Em que se ordena a desordem,

Em que o arbitrário tem força de lei,

Em que a humanidade se desumaniza…

Não digam nunca: Isso é natural.

A fim de que nada passe por ser imutável.

Sob o familiar, descubram o insólito.

Sob o cotidiano, desvelem o inexplicável.

Que tudo que seja dito ser habitual

Cause inquietação.

Na regra é preciso descobrir o abuso.

E sempre que o abuso for encontrado,

É preciso encontrar o remédio.

Vocês, aprendam a ver, em lugar de olhar bobamente.

É preciso agir em vez de discutir.

Aí está o que uma vez conseguiu dominar o mundo.

Os povos acabaram vencendo.

Mas não cantem vitória antes do tempo.

Ainda está fecundo o ventre de onde surgiu a coisa imunda.


5 de jul. de 2016

Bolero Blues :: Chico Buarque e Jorge Helder (2006)

Quando eu ainda estava moço
Algum pressentimento
Me trazia volta e meia
Por aqui
Talvez à espera da garota 
Que naquele tempo
Andava longe, muito longe
De existir
Tantos tristes fados eu compus
Quanto choro em vão, bolero blues
Eis que do nada ela aparece
Com o vestido ao vento
Já tão desejada
Que não cabe em si

Neste crucial momento
Neste cruzamento
Se ela olhar para trás
É bem capaz de num lamento
Acudir ao meu olhar mendigo
Mas aquela ingrata corre
E a Barão da Torre e a Vinícius de Moraes
São de repente estranhas ruas
Sem o seu vestido ficam nuas
E ao vento eu digo
-tarde demais

Quando ela já não mais garota
Der a meia-volta
Claro que não vou estar mais nem aí

3 de jul. de 2016

Os Dois Horizontes :: Machado de Assis

          Um horizonte, — a saudade 
          Do que não há de voltar; 
          Outro horizonte, — a esperança 
          Dos tempos que hão de chegar; 
          No presente, — sempre escuro,— 
          Vive a alma ambiciosa 
          Na ilusão voluptuosa 
          Do passado e do futuro. 

          Os doces brincos da infância 
          Sob as asas maternais, 
          O vôo das andorinhas, 
          A onda viva e os rosais; 
          O gozo do amor, sonhado 
          Num olhar profundo e ardente, 
          Tal é na hora presente 
          O horizonte do passado. 

          Ou ambição de grandeza 
          Que no espírito calou, 
          Desejo de amor sincero 
          Que o coração não gozou; 
          Ou um viver calmo e puro 
          À alma convalescente, 
          Tal é na hora presente 
          O horizonte do futuro. 

          No breve correr dos dias 
          Sob o azul do céu, — tais são 
          Limites no mar da vida: 
          Saudade ou aspiração; 
          Ao nosso espírito ardente, 
          Na avidez do bem sonhado, 
          Nunca o presente é passado, 
          Nunca o futuro é presente. 

          Que cismas, homem? – Perdido 
          No mar das recordações, 
          Escuto um eco sentido 
          Das passadas ilusões. 
          Que buscas, homem? – Procuro, 
          Através da imensidade, 
          Ler a doce realidade 
          Das ilusões do futuro. 
          
          Dois horizontes fecham nossa vida. 

Machado de Assis. in Crisálidas. Civilização Brasileira, 1976. 

1 de jul. de 2016

Desmembramento de um semicírculo :: Matilde Campilho

Karl Bryullov
Certo que nos dedicamos
a místicas peregrinações.
Exercitamos a respiração,
lutamos brigas orientais,
praticamos uma e sete vezes
a tradução do poema chileno.
Mas no fundo sabemos
que o que importa mesmo
é roçar a superfície negra
da pele do peito do anjo
que está vivo
que não dorme.

30 de jun. de 2016

Começo de Rui Pires Cabral

Vejo-te um pouco como se já não houvesse 
uma casa para nós. As grandes perguntas estão aí
por todo o lado, onde quer que se respire, dentro
dos próprios frutos. É o começo da noite
e os cinzeiros já estão cheios de meias palavras:
porque escolhemos tão pouco
aquilo que nos pertence?
Vejo-te de olhos fechados enquanto me confiavas
a tua história – à mesa da cozinha, quase um espelho,
quase uma razão. As minhas canções preferidas
pareciam convergir para ti a certa altura, dir-se-ia
que te vestias com elas. E no entanto
como se apressaram as grandes florestas a invadir
as gavetas, como misturaram as raízes
no eco que fazia o teu desejo contra mim.


Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...