Da minha coleção.
Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
9 de out. de 2011
Olhar crítico
A Sra. Michel tem a elegância do ouriço: por fora, é crivada de espinhos, uma verdadeira fortaleza, mas tenho a intuição de que dentro é tão simplesmente requintada quanto os ouriços, que são uns bichinhos indolentes, ferozmente solitários e terrivelmente elegantes”. Muriel Barbery in “A Elegância do Ouriço”
Contar os anos pela alma
Dez anos
"- Amanhã faço dez anos. Vou aproveitar bem este meu último dia de nove anos.
Pausa. Tristeza.
- Mamãe, minha alma não tem dez anos.
- Quantos tem?
- Acho que só uns oito.
- Não faz mal, é assim mesmo.
- Mas eu acho que se deviam contar os anos pela alma. A gente dizia: aquele cara morreu com 20 anos de alma. E o cara tinha morrido mas era com 70 anos de corpo.
Mais tarde começou a cantar, interrompeu-se e disse:
- Estou cantando em minha homenagem. Mas, mamãe, eu não aproveitei bem os meus dez anos de vida.
- Aproveitou muito bem.
- Não, não quero dizer aproveitar fazendo coisas, fazendo isso e fazendo aquilo. Quero dizer que não fui contente o suficiente. O que é? Você ficou triste?
- Não. Vem cá para eu te beijar.
- Viu? Eu não disse que você ficou triste?! Viu quantas vezes me beijou?! Quando uma pessoa beija tanto outra é porque está triste."
Clarice Lispector in "Descoberta do Mundo".
8 de out. de 2011
Tempo
"...tempo é um tecido invisível em que se pode bordar
tudo, uma flor, um pássaro, uma dama, um castelo, um túmulo. Também se pode
bordar nada. Nada em cima de invisível é a mais sutil obra deste mundo, e acaso
do outro." Machado de Assis
Sonhos
Tivesse eu os panejamentos bordados dos céus, (...),
Estenderia esses mantos a teus pés.
Mas eu, sendo pobre, tenho apenas sonhos;
E
estendi meus sonhos a teus pés;
Pisa com delicadeza, pois estás pisando em meus
sonhos.
William Butler Yeats
7 de out. de 2011
Se há uma pedra destroçada
dela faço parte:
estive na ventania,
na onda,
no incêndio terrestre.
Respeita essa pedra perdida.
Se encontras num caminho
um menino
roubando maçãs
e um velho surdo
com um acordeon,
recorda que eu sou
o menino, as maçãs e o ancião.
Não me magoes perseguindo o menino,
não batas no velho vagabundo,
não atires ao rio as maçãs.
Pablo Neruda (tradução: Olga Savary)
dela faço parte:
estive na ventania,
na onda,
no incêndio terrestre.
Respeita essa pedra perdida.
Se encontras num caminho
um menino
roubando maçãs
e um velho surdo
com um acordeon,
recorda que eu sou
o menino, as maçãs e o ancião.
Não me magoes perseguindo o menino,
não batas no velho vagabundo,
não atires ao rio as maçãs.
Pablo Neruda (tradução: Olga Savary)
6 de out. de 2011
Livrinho
Tenho um livrinho onde escrevo
Quando me esqueço de ti.
É um livro de capa negra
Onde inda nada escrevi.
Fernando Pessoa
Memória :: Walter Benjamin
quadro: Meninice em Americana
Quando eu estiver velho, gostaria de ter no corredor da minha casa
Um mapa Pharus de Berlim
Com uma legenda
Pontos azuis designariam as ruas onde morei
Pontos amarelos, os lugares onde moravam minhas namoradas
Triângulos marrons, os túmulos
Nos cemitérios de Berlim onde jazem os que foram próximos a mim
E linhas pretas redesenhariam os caminhos
No Zoológico ou no Tiergarten
Que percorri conversando com as garotas
E flechas de todas as cores apontariam os lugares nos arredores
Onde deliberava sobre as semanas berlinenses
E muitos quadrados vermelhos marcariam os aposentos
Do amor da mais baixa espécie ou do amor mais abrigado do vento.
"Crônica berlinense" Walter Benjamin
5 de out. de 2011
Melhor invenção de toda a vida

A morte é o destino final do qual todos nós partilhamos.
Ninguém jamais escapou dela.
E é assim que as coisas deveriam ser,
porque a morte é provavelmente a melhor invenção de toda a vida.
Ela é o grande agente transformador da vida.
Ela tira do caminho o que é velho e
abre espaço para o que é novo.
Steve Jobs em 2005
2 de out. de 2011
Chega a hora
Sempre chega a hora em que descobrimos que sabíamos muito mais
do que antes julgávamos.
José Saramago
Imprescindíveis.
Existem homens que lutam um dia e são bons;
existem outros que lutam um ano e são melhores;
existem aqueles que lutam muitos anos e são muito bons.
Porém, existem os que lutam toda a vida.
Estes são os imprescindíveis.
Gana
"Yo quisiera... poder hacer lo que me de la gana detras de la cortina de "la locura"
Asi: arreglaria las flores, todo el dia, pintaria el dolor, el amor y la ternura,
me reiria a mis anchas de la estupidez de los otros,
y todos dirian: pobre! esta loca.
(sobre todo me reiria de mi estupidez)
construiria mi mundo que mientras viviera seria mio y de todos...."
Frida Khalo
Asi: arreglaria las flores, todo el dia, pintaria el dolor, el amor y la ternura,
me reiria a mis anchas de la estupidez de los otros,
y todos dirian: pobre! esta loca.
(sobre todo me reiria de mi estupidez)
construiria mi mundo que mientras viviera seria mio y de todos...."
Frida Khalo
Desejo
Ao homem é lícito desejar as coisas sensíveis de maneira racional, enquanto à mulher é lícito desejar as coisas racionais de maneira sensível... A natureza secundária do homem é a principal da mulher. Novalis
Imagem: Composição de Cícero Dias
Imagem: Composição de Cícero Dias
30 de set. de 2011
25 de set. de 2011
Dora, capitã da areia
17 de set. de 2011
Pau de Rosas
Carteira de identidade : Roxinho, Pau de Rosas, Resedá nacional
Ocorre no Nordeste, Goiás e Mato Grosso .
Physocalymma scaberrimum
Família: Lythraceae
13 de set. de 2011
11 de set. de 2011
Brigitte Bardot
Quatro poemas
encontrados no livro de memórias de Brigitte Bardot
em busca de alívio pus-me a fazer uma coleção de palavras
agradáveis de se pronunciar -
é verdade que algumas nos enchem a boca
como se fossem de caramelo
há palavras que repetimos uma segunda vez
de tal forma são belas -
frequentemente tem um significado
banal
ou mesmo prosaico
mas sua substância é redonda, sensual, nutritiva
descobri a primeira palavra de minha coleção
pronunciando yupala
que prazer dizê-lo e repeti-lo
yupala
depois desencavei profiteroles
enche-se a boca quando se diz isso
em seguida foi douillette
é doce, redondo, dissolve-se na boca
douillette
mais tarde conheci pragmatique -
um pouco seca mas muito encantadora
Fabrício Corsaletti In Ilustríssima, FSP, setembro 2011
7 de set. de 2011
Canto de regresso à pátria de Oswald de Andrade
Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá
Minha terra tem mais rosas
E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra
Ouro terra amor e rosas
Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo
4 de set. de 2011
3 de set. de 2011
Ensaios Fotográficos
Não quero saber como as coisas se comportam.
Quero inventar comportamento para as coisas.
Li uma vez que a tarefa mais lídima da poesia é a
de equivocar o sentido das palavras
Não havendo nenhum descomportamento nisso
senão que alguma experiência lingüística.
Noto que às vezes sou desvirtuado a pássaros, que
sou desvirtuado em árvores, que sou desvirtuado
para pedras.
Mas que essa mudança de comportamento gental
para animal vegetal ou pedral
É apenas um descomportamento semântico.
Se eu digo que grota é uma palavra apropriada para
ventar nas pedras,
Apenas faço o desvio da finalidade da grota que
não é a de ventar nas pedras.
Se digo que os passarinhos faziam paisagens na
minha infância,
É apenas um desvio das tarefas dos passarinhos que
não é a de fazer paisagens.
Mas isso é apenas um descomportamento lingüístico que
não ofende a natureza dos passarinhos nem das grotas.
Mudo apenas os verbos e às vezes nem mudo.
Mudo os substantivos e às vezes nem mudo.
Se digo ainda que é mais feliz quem descobre o que não
presta do que quem descobre ouro -
Penso que ainda assim não serei atingido pela bobagem.
Apenas eu não tenho polimentos de ancião.
Manoel de Barros, in Ensaios Fotográficos, Editora Record, Rio de Janeiro, 2005
2 de set. de 2011
Segue o teu destino, Rega as tuas plantas, Ama as tuas rosas. O resto é a sombra De árvores alheias. A realidade Sempre é maios ou menos Do que nós queremos. Só nós somos sempre Iguais a nós próprios. Suave é viver só Grande e nobre é sempre Viver simplesmente. Deixa a dor nas aras Como ex-voto aos deuses. Ricardo Reis, Fernando Pessoa
1 de set. de 2011
Matinal
Ai que prazer
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!
Ler é maçada,
estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
como tem tempo, não tem pressa...
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto melhor é quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca...
Fernando Pessoa
31 de ago. de 2011
Trincheira
Defensa de La Alegria
Defender la alegría como una trinchera
defenderla del escándalo y la rutina
de la miseria y los miserables
de las ausencias transitorias
y las definitivas
defender la alegría como un principio
defenderla del pasmo y las pesadillas
de los neutrales y de los neutrones
de las dulces infamias
y los graves diagnósticos
defender la alegría como una bandera
defenderla del rayo y la melancolía
de los ingenuos y de los canallas
de la retórica y los paros cardiacos
de las endemias y las academias
defender la alegría como un destino
defenderla del fuego y de los bomberos
de los suicidas y los homicidas
de las vacaciones y del agobio
de la obligación de estar alegres
defender la alegría como una certeza
defenderla del óxido y la roña
de la famosa pátina del tiempo
del relente y del oportunismo
de los proxenetas de la risa
defender la alegría como un derecho
defenderla de dios y del invierno
de las mayúsculas y de la muerte
de los apellidos y las lástimas
del azar
y también de la alegría.
de Mario Benedetti
28 de ago. de 2011
25 de ago. de 2011
Artista antiburgues: Amateur, amator,
El amateur (alguien que se dedica a la pintura, la música, el deporte y la ciencia sin espíritu competitivo ni ánimo de convertirse en un maestro) renueva su placer (amator: aquel que ama una y otra vez), no es ningún héroe (de la creación, de la representación); se instala voluntariamente (a cambio de nada) en el significante: en la sustancia inmediatamente definitiva de la música y de la pintura; su práxis, por regla general; no implica ningún rubato (ese robo del objeto en beneficio del atributo); es – o acaso será – el artista antiburgués. Barthes
20 de ago. de 2011
14 de ago. de 2011
7 de ago. de 2011
Solidão
É condição indispensável da vida uma certa solidão e afastamento para o próprio bem e o dos outros, caso contrário não podemos ser suficientemente nós mesmos. Será inevitável certa vagarosidade na vida, que é como uma parada.
Jung, Carl O livro vermelho. Editora Vozes, 2010. p. 314
29 de jul. de 2011
24 de jul. de 2011
26 de jun. de 2011
Verdade
As verdades diferentes na
aparência são como inúmeras folhas
que parecem diferentes
e estão na mesma
árvore.
Gandhi
20 de jun. de 2011
Oração Ao Tempo
És um senhor tão bonito
Quanto a cara do meu filho
Tempo tempo tempo tempo
Vou te fazer um pedido
Tempo tempo tempo tempo...
Quanto a cara do meu filho
Tempo tempo tempo tempo
Vou te fazer um pedido
Tempo tempo tempo tempo...
Compositor de destinos
Tambor de todos os rítmos
Tempo tempo tempo tempo
Entro num acordo contigo
Tempo tempo tempo tempo...
Tambor de todos os rítmos
Tempo tempo tempo tempo
Entro num acordo contigo
Tempo tempo tempo tempo...
Por seres tão inventivo
E pareceres contínuo
Tempo tempo tempo tempo
És um dos deuses mais lindos
Tempo tempo tempo tempo...
E pareceres contínuo
Tempo tempo tempo tempo
És um dos deuses mais lindos
Tempo tempo tempo tempo...
Que sejas ainda mais vivo
No som do meu estribilho
Tempo tempo tempo tempo
Ouve bem o que te digo
Tempo tempo tempo tempo...
No som do meu estribilho
Tempo tempo tempo tempo
Ouve bem o que te digo
Tempo tempo tempo tempo...
Peço-te o prazer legítimo
E o movimento preciso
Tempo tempo tempo tempo
Quando o tempo for propício
Tempo tempo tempo tempo...
E o movimento preciso
Tempo tempo tempo tempo
Quando o tempo for propício
Tempo tempo tempo tempo...
De modo que o meu espírito
Ganhe um brilho definido
Tempo tempo tempo tempo
E eu espalhe benefícios
Tempo tempo tempo tempo...
Ganhe um brilho definido
Tempo tempo tempo tempo
E eu espalhe benefícios
Tempo tempo tempo tempo...
O que usaremos prá isso
Fica guardado em sigilo
Tempo tempo tempo tempo
Apenas contigo e comigo
Tempo tempo tempo tempo...
Fica guardado em sigilo
Tempo tempo tempo tempo
Apenas contigo e comigo
Tempo tempo tempo tempo...
E quando eu tiver saído
Para fora do teu círculo
Tempo tempo tempo tempo
Não serei nem terás sido
Tempo tempo tempo tempo...
Para fora do teu círculo
Tempo tempo tempo tempo
Não serei nem terás sido
Tempo tempo tempo tempo...
Ainda assim acredito
Ser possível reunirmo-nos
Tempo tempo tempo tempo
Num outro nível de vínculo
Tempo tempo tempo tempo...
Ser possível reunirmo-nos
Tempo tempo tempo tempo
Num outro nível de vínculo
Tempo tempo tempo tempo...
Portanto peço-te aquilo
E te ofereço elogios
Tempo tempo tempo tempo
Nas rimas do meu estilo
Tempo tempo tempo tempo...
E te ofereço elogios
Tempo tempo tempo tempo
Nas rimas do meu estilo
Tempo tempo tempo tempo...
Caetano Veloso
6 de jun. de 2011
Qualidade
A gente fala de uma relação fracassada porque durou apenas seis meses, ou apenas dois anos. 'O meu casamento fracassou porque durou apenas cinco anos.'Quem disse que a duração é um índice da qualidade do relacionamento? E isso vale para a vida. O que faz uma vida valer a pena ou fazer sentido é a qualidade do que foi vivido. Eu levanto para os pais de adolescentes essa questão. Eles estão sempre tentando entender o que devem fazer para que o filho se prepare para o futuro. Isso, claro, é crucial, mas por outro lado a gente nunca deve perder de vista que os filhos não estão se preparando para o futuro, eles estão vivendo agora, a vida deles é agora. Então vale a pena sempre pensar: 'E se meu filho morresse amanhã, qual o balanço da vida dele?'. É doloroso, mas é importante.
http://revistamarieclaire.globo.com/EditoraGlobo/componentes/article/edg_article_print/1,3916,1681052-1739-1,00.html
30 de mai. de 2011
25 de mai. de 2011
Intensidade
imagem: Miss.Tic
“Para mim, o perdedor é aquele que não conseguiu viver sua vida com toda a intensidade que ela merece. O que não tem nada a ver com felicidade. O projeto de sermos felizes é profundamente errado, concebido para nos manter na insatisfação, o que é absolutamente necessário na sociedade de consumo. O ganhador é quem teve uma alta qualidade de experiência, seja qual for, que tenha sido intensamente. A felicidade, eu sou contra. Sexo não é felicidade, é alegria”. Contardo Calligaris
14 de mai. de 2011
Supermãe de Hélio Pellegrino
Mário de Andrade, em seu livro A Costela do Grão Cão, tem um poema
que começa assim: “Existirem mães, /Isso é um caso sério. /Afirmam que a mãe
/Atrapalha tudo, /É fato, ela prende /Os erros da gente, /E era bem melhor /Não
existir mãe.” O poema segue, por aí afora, numa ascendente espiral de beleza,
até a inigualável explosão final: “Oh virgens, perdei-vos, /Pra terdes direito
/A essa virgindade /Que só as mães têm!”
Rubem Braga, numa crônica deliciosa de O Homem Rouco, dedicada ao
Dia das Mães, conta a história de uma Mãe que, de repente, na praia, dá por
falta do filho. Catastrófica, amputada, a Mãe hasteia o seu supergrito de
desespero e horror: todo o mundo, siderado, põe-se a procurar o afogado, em
rebuliço, em pânico, em convulsões e preces, até que o Joãozinho aparece
lampeiro, com um sorvete na mão. A Mãe, com um tapa, quase derruba sorvete e
filho — "menino desgraçado!" —, e a este, trombudo, humilhado, só
resta o recurso de murmurar, entre dentes: "Mãe é chaata...".
Otto Lara Resende, num conto chamado Mater
Dolorosa, narra a desventura de um menino progressivamente asfixiado pela longa
— e incurável — doença da mãe. O sofrimento materno, à semelhança de um miasma
em expansão, passou a impregnar todo o espaço doméstico, invadindo as salas, os
móveis, o porão, o quintal, as gaiolas de passarinhos, e tudo o mais que existisse
na casa. O menino, as criações, as próprias plantas começaram a morrer,
confinados e apáticos, até que a morte da mater dolorosa, num cruel paradoxo,
lhes trouxesse de novo o sol, a vida e a liberdade.
Mãe será
chata mesmo? Parece que, por um lado, os depoimentos neste sentido convergem,
numa quase unanimidade afirmativa. O próprio Ziraldo, em bilhete a mim enviado,
a propósito de sua personagem, a Supermãe, dá a respeito um testemunho
saboroso. Diz ele: “Na província; nós fomos criados jogando bola na rua e
voltando pra casa, pra lavar os pés e dormir. Mãe era uma coisa boa e meio
distante. Cheguei aqui, e era um tal de fazer amigo que tinha que voltar pra
casa, por causa da mãe, que eu fiquei besta. Cunhei até uma frase para um
deles: ‘A mãe é o maior inimigo do homem".
O Ziraldo, como bom mineiro, não se compromete. Fala da mãe dos outros e das supermães alheias, no que, aliás, obra bem. De qualquer forma, a frase dele é uma jóia de humor e de intuição psicológica. Mãe é coisa de tal forma portentosa, e de tão subida força, que um pouco é preciso denegri-la, pichá-la, para poder perdê-la. O curioso e dramático, na dialética da relação mãe-filho, é que o filho, para poder ganhar-se, enquanto sujeito humano autônomo, dono do próprio nariz, precisa criar uma distância respeitável, que o separe da mãe. Isto significa que o filho, para ter a mãe, saudavelmente, necessita perdê-la. O mesmo ocorre com a figura materna, na sua relação com o filho. Ter o filho, enquanto pessoa, centrado na própria liberdade, é abrir mão dele, é consentir na sua existência, como inventor de caminhos.
Mãe e filho se perdem para ganhar-se, e se ganham perdendo-se. É esta a contradição geradora da inevitável ambivalência que caracteriza a relação de mãe e filho, nos dois sentidos. Há um luto e uma perda a elaborar, no diálogo entre ambos. Há o tempo que passa, e a nostalgia incurável que dele roreja — pois o tempo não volta nunca. Há, por fim, um progressivo e doloroso reconhecimento de imperfeições, perdas e danos: a mãe, com o tempo, se torna menor, na medida que o filho cresce, até que mãe e filho passam a ser do mesmo tamanho — ambos se tornam maiores.
O velho Freud, que não me deixa mentir, tem por um lado uma visão idílica — e isto nele é raríssimo — da relação da mãe com o filho. Trata-se do único vínculo de amor em que o desprendimento, a generosidade e o altruísmo constituem a tônica da relação. Mas, por outro lado, o criador da psicanálise, com a sua cerrada — e sábia — mania de referir tudo e todas as coisas aos componentes da sexualidade, afirma que o filho, para a mulher, é o ressarcimento, ou a indenização, por ela exigidos, em virtude do fato de lhe faltar o pênis. Pela maternidade, a mulher consegue superar ainvidia penis, fonte para ela segundo o supracitado Freud — de mortificantes sentimentos de inferioridade. O filho, inconscientemente, para a mãe, pode vir a representar a insígnia fálica que lhe falta. Ele será, então, pedaço e brinquedo narcísico da mãe, coisa e loisa dela, propriedade privada e inalienável, sem direito a uma vida própria.
Eis aí, a meu ver, o substrato psicológico a partir do qual a mãe viria a transformar-se em supermãe. Ziraldo, cartunista de gênio, conseguiu apreender a essência do problema, através do seu traço e das situações, universais, e cotidianas, fixadas pela personagem que criou. E espantoso como o artista, pela graça do seu talento, chega a resultados que o cientista só alcança depois de longa — e porfiada — capina. Supermãe, como o mostra Ziraldo, é mãe demais, dominadora e engolfadora, cuidadosa e fervorosa a ponto de transformar o filho num permanente afogado, do qual ela representa a salvação — ou o salva-vidas. Acontece, porém, que a supermãe, ao mesmo tempo que é salvação e salva-vidas, é também o oceano, o báratro profundo, mundão de água onde o filho submerge, por contraditório decreto daquela que o deu à luz.
É isso aí: a supermãe dá o filho à luz, isto é, ao pai, ao mundo, à cultura, aos outros e, ao mesmo tempo, quer reabsorvê-lo, aspirá-lo, reintegrá-lo na noite do seu ventre. A supermãe, na verdade, é servidora da noite, rainha da escuridão, e trabalha no sentido de uma dissolução das diferenças. Ela aspira à unidade, à fusão, ao esplendor espesso e escuro do que é completo e silencioso — esfinge de pedra.
Acontece que a supermãe, além do mais, corresponde ao mais profundo sonho que o coração humano é capaz de sonhar. Ou melhor: a supermãe corresponde ao desejo de um sono sem sonhos, onde possamos nos perder sem sequer termos notícia de que estamos perdidos. Neste sentido, a supermãe, do ponto de vista psicanalítico, representa em nós a pulsão de morte, a tentação que temos de abdicar de nós mesmos, num naufrágio que nos dissolva no grande oceano cósmico: “É doce morrer no mar”.
Nascemos prematurados, desequipados, numa inermidade enorme. Costumo dizer que o ser humano tem sempre mãe de menos, na medida que, ao ser dado à luz da realidade, não tem condições de suportá-la. A criança, nos seus primeiros tempos de vida, veste-se de mãe, cria para si, na fantasia, um agasalho de carne, onde se refugia - como num útero. Ela fica, desta forma, fundida à mãe — à supermãe! —, totalmente identificada a ela, num sono e num sonho em que recupera o paraíso perdido: “e que tudo o mais vá para o inferno” .
É assim, a partir desses primórdios, que nos acumpliciamos com a supermãe. No princípio, a exigimos, por questão de sobrevivência. Depois, não sabemos abrir mão dela. Por fim, não queremos abrir mão dela. Fruto do desejo da mãe e do filho, a supermãe é criação a dois, exclusiva e excludente. Haja pai, haja terceiro, haja luz e Logos, para resolver a parada.
Do contrário, estaremos fritos.
Este é o prefácio escrito por Hélio Pellegrino para o livro “The Supermãe”, de autoria de Ziraldo, publicado pela Abril S.A. – São Paulo, 1981, pág. 4, apresentando o melhor dos 10 anos das superaventuras vividas pela Supermãe na Revista Cláudia.
O Ziraldo, como bom mineiro, não se compromete. Fala da mãe dos outros e das supermães alheias, no que, aliás, obra bem. De qualquer forma, a frase dele é uma jóia de humor e de intuição psicológica. Mãe é coisa de tal forma portentosa, e de tão subida força, que um pouco é preciso denegri-la, pichá-la, para poder perdê-la. O curioso e dramático, na dialética da relação mãe-filho, é que o filho, para poder ganhar-se, enquanto sujeito humano autônomo, dono do próprio nariz, precisa criar uma distância respeitável, que o separe da mãe. Isto significa que o filho, para ter a mãe, saudavelmente, necessita perdê-la. O mesmo ocorre com a figura materna, na sua relação com o filho. Ter o filho, enquanto pessoa, centrado na própria liberdade, é abrir mão dele, é consentir na sua existência, como inventor de caminhos.
Mãe e filho se perdem para ganhar-se, e se ganham perdendo-se. É esta a contradição geradora da inevitável ambivalência que caracteriza a relação de mãe e filho, nos dois sentidos. Há um luto e uma perda a elaborar, no diálogo entre ambos. Há o tempo que passa, e a nostalgia incurável que dele roreja — pois o tempo não volta nunca. Há, por fim, um progressivo e doloroso reconhecimento de imperfeições, perdas e danos: a mãe, com o tempo, se torna menor, na medida que o filho cresce, até que mãe e filho passam a ser do mesmo tamanho — ambos se tornam maiores.
O velho Freud, que não me deixa mentir, tem por um lado uma visão idílica — e isto nele é raríssimo — da relação da mãe com o filho. Trata-se do único vínculo de amor em que o desprendimento, a generosidade e o altruísmo constituem a tônica da relação. Mas, por outro lado, o criador da psicanálise, com a sua cerrada — e sábia — mania de referir tudo e todas as coisas aos componentes da sexualidade, afirma que o filho, para a mulher, é o ressarcimento, ou a indenização, por ela exigidos, em virtude do fato de lhe faltar o pênis. Pela maternidade, a mulher consegue superar ainvidia penis, fonte para ela segundo o supracitado Freud — de mortificantes sentimentos de inferioridade. O filho, inconscientemente, para a mãe, pode vir a representar a insígnia fálica que lhe falta. Ele será, então, pedaço e brinquedo narcísico da mãe, coisa e loisa dela, propriedade privada e inalienável, sem direito a uma vida própria.
Eis aí, a meu ver, o substrato psicológico a partir do qual a mãe viria a transformar-se em supermãe. Ziraldo, cartunista de gênio, conseguiu apreender a essência do problema, através do seu traço e das situações, universais, e cotidianas, fixadas pela personagem que criou. E espantoso como o artista, pela graça do seu talento, chega a resultados que o cientista só alcança depois de longa — e porfiada — capina. Supermãe, como o mostra Ziraldo, é mãe demais, dominadora e engolfadora, cuidadosa e fervorosa a ponto de transformar o filho num permanente afogado, do qual ela representa a salvação — ou o salva-vidas. Acontece, porém, que a supermãe, ao mesmo tempo que é salvação e salva-vidas, é também o oceano, o báratro profundo, mundão de água onde o filho submerge, por contraditório decreto daquela que o deu à luz.
É isso aí: a supermãe dá o filho à luz, isto é, ao pai, ao mundo, à cultura, aos outros e, ao mesmo tempo, quer reabsorvê-lo, aspirá-lo, reintegrá-lo na noite do seu ventre. A supermãe, na verdade, é servidora da noite, rainha da escuridão, e trabalha no sentido de uma dissolução das diferenças. Ela aspira à unidade, à fusão, ao esplendor espesso e escuro do que é completo e silencioso — esfinge de pedra.
Acontece que a supermãe, além do mais, corresponde ao mais profundo sonho que o coração humano é capaz de sonhar. Ou melhor: a supermãe corresponde ao desejo de um sono sem sonhos, onde possamos nos perder sem sequer termos notícia de que estamos perdidos. Neste sentido, a supermãe, do ponto de vista psicanalítico, representa em nós a pulsão de morte, a tentação que temos de abdicar de nós mesmos, num naufrágio que nos dissolva no grande oceano cósmico: “É doce morrer no mar”.
Nascemos prematurados, desequipados, numa inermidade enorme. Costumo dizer que o ser humano tem sempre mãe de menos, na medida que, ao ser dado à luz da realidade, não tem condições de suportá-la. A criança, nos seus primeiros tempos de vida, veste-se de mãe, cria para si, na fantasia, um agasalho de carne, onde se refugia - como num útero. Ela fica, desta forma, fundida à mãe — à supermãe! —, totalmente identificada a ela, num sono e num sonho em que recupera o paraíso perdido: “e que tudo o mais vá para o inferno” .
É assim, a partir desses primórdios, que nos acumpliciamos com a supermãe. No princípio, a exigimos, por questão de sobrevivência. Depois, não sabemos abrir mão dela. Por fim, não queremos abrir mão dela. Fruto do desejo da mãe e do filho, a supermãe é criação a dois, exclusiva e excludente. Haja pai, haja terceiro, haja luz e Logos, para resolver a parada.
Do contrário, estaremos fritos.
Este é o prefácio escrito por Hélio Pellegrino para o livro “The Supermãe”, de autoria de Ziraldo, publicado pela Abril S.A. – São Paulo, 1981, pág. 4, apresentando o melhor dos 10 anos das superaventuras vividas pela Supermãe na Revista Cláudia.
8 de mai. de 2011
Significado das ordens florais entre dois sexos
Aquele casal
Aquele casal, o marido me honra com suas confidências:
- Ultimamente, a Elsa anda um pouco estranha. Não sei o que é, mas não me agrada a sua evolução.
- Como assim?
- Deu para usar estampados berrantes, de mau gosto, ela que era tão discreta no vestir.
- É a moda.
- Pode ser o que você quiser, porém minha mulher jamais se permitiu esses desfrutes.
- Deixe Dona Elsa ser elegante. Não há desfrute em seguir o figurino.
- Se fosse só o figurino. São as maneiras, os gestos.
- Que é que tem as maneiras, os gestos?
- A Elsa parece uma menina de quinze anos. Ficou com os movimentos mais leves, um ar desembaraçado que ela não tinha, e que não vai bem com uma senhora casada.
- Posso dar opinião? As senhoras casadas não perdem a condição feminina, e pode até realçá-la por uma graça experiente.
Fixou-me suspeitoso:
- Que é que está insinuando?
- Nada. A mulher casada desabrochou, não é mais um projeto, pode revelar melhor o encanto natural da personalidade.
- Pois fique com suas teorias, que eu não quero saber de minha mulher revelar seu encanto a ninguém.
- Perdão, eu...
- Já sei. Estava querendo desculpar a Elsa.
- Desculpar de quê?
- De tudo que ela vem fazendo.
- Eu ignoro tudo, e adivinho que não há nada senão...
- Senão o quê?
- Aquilo que o dicionário chama de ente de razão, uma fantasia completamente destituída de razão.
- Acha então que estou maluco?
- Acho que está sonhando coisas.
- E a flor que ela trouxe ontem para a casa é sonho? Me diga: é sonho?
- Que é que tem trazer uma flor para casa?
- Veio do oculista e trouxe uma rosa. Acha direito?
- Por que não?
- Eu apertei, ela me disse que foi o oculista que deu a ela. Estava num vaso, ela achou bonita, ele deu.
- E daí?
- Então uma senhora casada vai ao oculista e o oculista lhe dá uma rosa? Que lhe parece?
- Que ele é gentil, apenas.
- Pois eu não vou nessa gentileza de oculista. Não há rosas nos consultórios de oftalmologia. E que houvesse. Tem propósito uma coisa dessas? Ela acabou chorando, dizendo que eu sou um bruto, um rinoceronte. Engraçado. Minha mulher vem com uma rosa para casa, uma rosa dada por um homem, e eu não devo achar ruim, eu tenho que achar muito natural.
- Desde quando é proibido uma senhora ganhar flor de uma pessoa atenciosa? Que sentido erótico tem isso?
- Tem muito. Principalmente se é rosa. Ora, não tente negar o significado das ordens florais entre dois sexos. O oculista não podia dar essa flor, nem ela podia aceitar. O pior é que não deve ter sido o oculista.
- Quem foi, então?
- Sei lá. Numa cidade do tamanho do Rio, posso saber quem deu uma rosa a minha mulher?
- Vai ver que ela comprou na loja de flores da esquina, e disse aquilo só para fazer charminho.
- Ela nunca fez isso. Se fez agora, foi para preparar terreno, quando chegar aqui uma corbelha de antúrios e hibiscos.
- Não diga uma coisa dessas.
- Digo o que penso. Estou inteiramente lúcido, só me conduzo pelo raciocínio. Repare no encadeamento: os vestidos modernos; os modos (só vendo a maneira dela se sentar no sofá); a rosa, que ela foi correndo levar para a mesinha de cabeceira do quarto. Cada uma dessas coisas é um indício; reunidas, são a evidência.
- Permita que eu discorde.
- Discorda sem argumentos. A Elsa não é mais a Elsa. Demora mais tempo no espelho. Fica olhando um ponto no espaço, abstrata. Depois, sorri. Estou decidido.
- A quê?
- Vou segui-la daqui por diante. Contrato um detetive. E logo que tenha a prova, me desquito.
- Não vai ter prova nenhuma, juro. Ponho a mão no fogo por Dona Elsa.
- Pensei que você fosse meu amigo. Fiz mal em me abrir. Vamos mudar de assunto que ela vem chegando. Mas repare só que os olhos de Capitu que ela tem, eu nunca havia reparado nisso!
Esquecia-me de dizer que meu amigo tem 82 anos, e Dona Elsa, 79.
3 de mai. de 2011
20 de abr. de 2011
Transformação
O encontro de duas personalidades
assemelha-se ao contato de duas substâncias químicas:
se alguma reação ocorre,
ambos sofrem uma transformação.
Carl Jung
19 de abr. de 2011
11 de abr. de 2011
5 de abr. de 2011
Obscuro
Quando nos esforçamos demasiado por penetrar noutra pessoa, descobrimos que a impelimos para uma posição defensiva e que ela cria resistências porque, nos nossos esforços para penetrar e compreender, ela sente-se forçada a examinar aquelas coisas em si mesma que não desejava examinar. Toda a gente tem o seu lado obscuro que - desde que tudo corra bem - é preferível não conhecer. Jung
3 de abr. de 2011
Arquivando
Joguei fora e lamentei. Sempre lamentamos ter jogado fora em certo momento da vida. Mas, se não jogamos fora, se não nos separamos, se queremos guardar o tempo, podemos passar a vida arrumando, arquivando nossa vida."
Marguerite Duras in: A vida material. Ed. Globo, p. 46)
Marguerite Duras in: A vida material. Ed. Globo, p. 46)
Assinar:
Postagens (Atom)
Os dias felizes :: Cecília Meireles
Fernando Igor Os dias felizes estão entre as árvores, como os pássaros: viajam nas nuvens, correm nas águas, desmancham-se na areia. Todas...

-
Tem de haver mais Agora o verão se foi E poderia nunca ter vindo. No sol está quente. Mas tem de haver mais. Tudo aconteceu, Tu...
-
A ilha da Madeira foi descoberta no séc. XV e julga-se que os bordados começaram desde logo a ser produzidos pel...