11 de jan. de 2013

Mel Kadel




































Todavía de Mario Benedetti


Não o creio ainda

Estás chegando a meu lado

E a noite é um punhado

De estrelas e de alegria


Sinto o gosto escuto e vejo

Teu rosto teu passo longo

Tuas mãos e todavia

Ainda não o creio


Teu regresso tem tanto

Que ver contigo e comigo

Que por cabala o digo

E pelas dúvidas o canto


Ninguém nunca te substitui

E as coisas mais triviais

Se voltam fundamentais

Por que estás chegando a casa


Todavia ainda

Duvido desta boa sorte

Porque o céu de ter-te

Me parece fantasia


Porém vindes e é seguro

E vindes com teu olhar

E por isso tua chegada

Faz mágico o futuro


E embora não sempre tenha entendido

Minhas culpas e meus fracassos

Em compensação sei que em teus braços

O mundo tem sentido


E se beijo a ousadia

E o mistério de teus lábios

Não haverá dúvidas nem ressaibos

Te quererei mais

Ainda.


(Tradução de Maria Teresa Almeida Pina)

...............................
No lo creo todavía

estás llegando a mi lado

y la noche es un puñado

de estrellas y de alegría 


palpo gusto escucho y veo

tu rostro tu paso largo

tus manos y sin embargo

todavía no lo creo 


tu regreso tiene tanto

que ver contigo y conmigo

que por cábala lo digo

y por las dudas lo canto 


nadie nunca te reemplaza

y las cosas más triviales

se vuelven fundamentales

porque estás llegando a casa 


sin embargo todavía

dudo de esta buena suerte

porque el cielo de tenerte

me parece fantasía 


pero venís y es seguro

y venís con tu mirada

y por eso tu llegada

hace mágico el futuro 


y aunque no siempre he entendido

mis culpas y mis fracasos

en cambio sé que en tus brazos

el mundo tiene sentido 


y si beso la osadía

y el misterio de tus labios

no habrá dudas ni resabios

te querré más

todavía. 







10 de jan. de 2013

Orquídea Orphrys







Lisbon Revisited - Fernando Pessoa

Nada me prende a nada.
Quero cinquenta coisas ao mesmo tempo.
Anseio com uma angústia de fome de carne
O que não sei que seja -
Definidamente pelo indefinido...
Durmo irrequieto, e vivo num sonhar irrequieto
De quem dorme irrequieto, metade a sonhar.
Fecharam-me todas as portas abstractas e necessárias.
Correram cortinas de todas as hipóteses que eu poderia ver da rua.
Não há na travessa achada o número da porta que me deram.
Acordei para a mesma vida para que tinha adormecido.
Até os meus exércitos sonhados sofreram derrota.
Até os meus sonhos se sentiram falsos ao serem sonhados.
Até a vida só desejada me farta - até essa vida...
Compreendo a intervalos desconexos;
Escrevo por lapsos de cansaço;
E um tédio que é até do tédio arroja-me à praia.
Não sei que destino ou futuro compete à minha angústia sem leme;
Não sei que ilhas do sul impossível aguardam-me náufrago;
ou que palmares de literatura me darão ao menos um verso.
Não, não sei isto, nem outra coisa, nem coisa nenhuma...
E, no fundo do meu espírito, onde sonho o que sonhei,
Nos campos últimos da alma, onde memoro sem causa
(E o passado é uma névoa natural de lágrimas falsas),
Nas estradas e atalhos das florestas longínquas
Onde supus o meu ser,
Fogem desmantelados, últimos restos
Da ilusão final,
Os meus exércitos sonhados, derrotados sem ter sido,
As minhas cortes por existir, esfaceladas em Deus.
Outra vez te revejo,
Cidade da minha infância pavorosamente perdida...
Cidade triste e alegre, outra vez sonho aqui...
Eu? Mas sou eu o mesmo que aqui vivi, e aqui voltei,
E aqui tornei a voltar, e a voltar.
E aqui de novo tornei a voltar?
Ou somos todos os Eu que estive aqui ou estiveram,
Uma série de contas-entes ligados por um fio-memória,
Uma série de sonhos de mim de alguém de fora de mim?
Outra vez te revejo,
Com o coração mais longínquo, a alma menos minha.
Outra vez te revejo - Lisboa e Tejo e tudo -,
Transeunte inútil de ti e de mim,
Estrangeiro aqui como em toda a parte,
Casual na vida como na alma,
Fantasma a errar em salas de recordações,
Ao ruído dos ratos e das tábuas que rangem
No castelo maldito de ter que viver...
Outra vez te revejo,
Sombra que passa através das sombras, e brilha
Um momento a uma luz fúnebre desconhecida,
E entra na noite como um rastro de barco se perde
Na água que deixa de se ouvir...
Outra vez te revejo,
Mas, ai, a mim não me revejo!
Partiu-se o espelho mágico em que me revia idêntico,
E em cada fragmento fatídico vejo só um bocado de mim -
Um bocado de ti e de mim!...

Álvaro de Campos

Luzes, reflexos, cores

foto: Jonas Kussama






foto: Murilo Porto 


9 de jan. de 2013

Chuvisco de Guimarães Rosa



"Merece de aproveitar o que vem e que se pode, 
o bom da vida é só de chuvisco" 

In: Buriti.

Dentes de leão: símbolo da fugacidade por Regine Ramseier






Le calme
J’ai orienté ce travail dans la petite chambre de l’atelier artistique. Environ 2000 fleurs de dent-de-lion fanées oscillent vivants et légers du plafon. Un symbole pour la vie et la naissance. Un symbole pour la fugacité. Un instant à tenir. Retenir le souffle et penser au caractère transitoire de la vie pour la durée d'un soupir. S’étonner dans la chambre des merveilles. Hermann Hesse a exprimé mon sentiment avec les mots. Etincelles d’instants dans la poésie. La petite salle blanche contient une grande fenêtre, qui ferme dehors le vert du parc. Le ciel de pissenlits se penche de la porte à la fenêtre et on dirait que les fleurs sortent de la salle vers la lumière et le jour. Mais tranquilles elles restent accrochées dans la chambre et elles résistent. Retenues dans mon souvenir. Elles n’y retourneront pas. Mais les prés d'or, cela je le sais, les pissenlits, eux, reviendront le printemps prochain.

8 de jan. de 2013

"Existe algum modo de um homem ser apenas quem é?" de Orhan Pamuk

"O senhor conhece a história do grande Mevlana sobre a chave? Ontem à noite, por sorte, me veio um sonho sobre o mesmo tema. Tudo à minha volta estava branco, branco como essa neve. E então, de repente, acordei sentindo uma dor terrível, fria, gelada, no meu peito. Parecia que eu tinha uma bola de neve apertando o coração - uma bola de gelo, ou uma bola de cristal -, mas não; era a chave de diamante do grande poeta Rumi Mevlana, pousada no meu peito, em cima do coração. Peguei a chave e levantei da cama, tentando usá-la para abrir a porta do meu quarto, e ela abriu; e me vi num outro quarto onde, na cama, dormia um homem igual a mim, mas que não era eu. Pegando a chave pousada sobre o peito do homem adormecido e deixando a minha em seu lugar, abri a porta do seu quarto: e o quarto seguinte era idêntico, e o outro também, e naquele em que entrei depois vi ainda que havia sombras nesses quartos: outros fantasmas sonâmbulos como eu, todos com uma chave nas mãos. E em cada quarto uma cama, e em cada cama um homem que sonhava como eu! Percebi então que estava no mercado do Paraíso. Mas ali nada era comprado ou vendido, não havia dinheiro nem selos - só rostos e formas humanas. Se você quisesse, podia transformar-se em outra pessoa . Bastava passar o rosto escolhido sobre a face, como uma máscara, para começar uma vida nova. Mas eu sabia que a pessoa em que eu queria me transformar era a que estava no último dos mil e um quartos, mas, quando enfiei a última chave naquela última fechadura, a porta não abriu. Foi então que compreendi: a única chave capaz de abrir aquela porta era a primeira de todas, a chave que eu tinha encontrado em cima do meu peito quando acordara da primeira vez e era fria como o gelo, mas eu não tinha meio de saber onde aquela chave estaria agora ou com quem, qual era o quarto, qual a cama em que eu a deixara e, tomado de um arrependimento terrível, descobri que estava condenado a vagar, como todos os outros infelizes, de quarto em quarto, de porta em porta, trocando uma chave por outra, examinando cuidadosamente cada rosto que encontro mergulhado no sono, para todo o sempre"
fonte: Orhan Pamuk. O Livro Negro. Companhia das Letras

7 de jan. de 2013

Abraço de Livia Garcia-Roza




A vida é um longo abraço que se desenlaça.


Acreditei de Ana Cristina César (1952-1983)

Acreditei que se amasse de novo
esqueceria outros
pelo menos três ou quatro rostos que amei
Num delírio de arquivística
organizei a memória em alfabetos
como quem conta carneiros e amansa
no entanto flanco aberto não esqueço
e amo em ti os outros rostos

6 de jan. de 2013

A Solidão é Necessária ao Convívio de Agustina Bessa-Luís


foto: Pedro Martinelli 
As pessoas estão prontas a viver em bom entendimento, mas não querem ser viciadas em agradar. A condição humana assenta num pressuposto equilibrado: a vida agrada a uns e desagrada a outros. Há uma parte da solidão que não podemos compor, e é melhor que assim seja, porque é na solidão que assenta a diferença tão falada. É isso que se receia: que nos proíbam a solidão, esse pequeno espinho que afinal nos faz solidários na multidão. Observem um grupo de pessoas que ri da mesma anedota: estão abertas a esse prazer do momento, mas não se distraem da faculdade de serem sós na sua fundamental forma de orgulho que é serem únicas. A moral consta duma certa dose de cortesia para parecermos bons. «Só Deus é bom.» Se percebermos esta conclusão, percebemos que imitar o bem é tudo o que humanamente nos é permitido. 
 in 'Dicionário Imperfeito'

Aos Namorados do Brasil :: Carlos Drummond de Andrade

Dai-me, Senhor, assistência técnica para eu falar aos namorados do Brasil. Será que namorado algum escuta alguém? Adianta falar a namorados?...