Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
13 de dez. de 2014
ABC :: Wislawa Szymborska,
Jamais saberei
o que A. pensava de mim.
Se B. acabou por me perdoar.
Por que razão fingia C. que tudo estava bem.
Qual a quota-parte de D. no silêncio de E.
O que esperava F. se acaso algo esperava.
Por que fingia G. sabendo de tudo.
O que tinha H. a esconder.
O que queria I. acrescentar.
Se o facto de eu estar por perto,
teve algum significado
para J. e K. e para o resto do alfabeto.
12 de dez. de 2014
LUGARES COMUNS :: Ana Luísa Amaral
Entrei em Londres
num café manhoso (não é só entre nós
que há cafés manhosos, os ingleses também,
e eles até tiveram mais coisas, agora
é só a Escócia e parte da Irlanda e aquelas
ilhotazitas, mais adiante)
Entrei em Londres
num café manhoso, pior ainda que um nosso bar
de praia (isto é só para quem não sabe
fazer uma pequena ideia do que eles por lá têm), era
mesmo muito manhoso,
não é que fosse mal intencionado, era manhoso
na nossa gíria, muito cheio de tapumes e de cozinha
suja. Muito rasca.
Claro que os meus preconceitos todos
de mulher me vieram ao de cima, porque o café
só tinha homens a comer bacon e ovos e tomate
(se fosse em Portugal era sandes de queijo),
mas pensei: Estou em Londres, estou
sozinha, quero lá saber dos homens, os ingleses
até nem se metem como os nossos,
e por aí fora...
E lá entrei no café manhoso, de árvore
de plástico ao canto.
Foi só depois de entrar que vi uma mulher
sentada a ler uma coisa qualquer. E senti-me
mais forte, não sei porquê, mas senti-me mais forte.
Era uma tribo de vinte e três homens e ela sozinha e
depois eu
Lá pedi o café, que não era nada mau
para café manhoso como aquele e o homem
que me serviu disse: There you are, love.
Apeteceu-me responder: I’m not your bloody love ou
Go to hell ou qualquer coisa assim, mas depois
pensei: Já lhes está tão entranhado
nas culturas e a intenção não era má, e também
vou-me embora daqui a pouco, tenho avião
quero lá saber
E paguei o café, que não era nada mau,
e fiquei um bocado assim a olhar à minha volta
a ver a tribo toda a comer ovos e presunto
e depois vi as horas e pensei que o táxi
estava a chegar e eu tinha que sair.
E quando me ia levantar, a mulher sorriu
Como quem diz: That’s it
e olhou assim à sua volta para o presunto
e os ovos e os homens todos a comer
e eu senti-me mais forte, não sei porquê,
mas senti-me mais forte
e pensei que afinal não interessa Londres ou nós,
que em toda a parte
as mesmas coisas são
11 de dez. de 2014
Abelharuco (Merops orientalis): abelheiro, abejaruco ou bejaruco, abelhuco, airute ou alrute, alderela, fulo, gralha ou gralho, lengue, melharouco ou melharuco, milharão ou milharós ou milheirós, pita-barranqueira ou pito-barranqueiro
O grupo inclui cerca de 26 espécies, classificadas em dois géneros. Os abelharucos distribuem-se pela Europa, África e Madagascar, sul da Ásia e Austrália.
Em Portugal, são abundantes na zona do Alto Alentejo, nas zonas de montado.
São aves migratórias que vivem a maior parte do ano em latitudes elevadas, migrando para zonas tropicais e subtropicais na época de reprodução.
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
NO AEROPORTO :: Wislawa Szymborska
Bob Usoroh
Correm um para o outro de braços abertos,
exclamam ridentes: Até que enfim! Enfim!
Ambos vestidos com agasalhos de inverno,
gorros de lã,
cachecóis,
luvas,
botas,
mas só para nós.
Porque um para o outro estão nus.
Tradução de Ana Kalewska, Beata Cieszyńska e Teresa Swiatkiewicz
10 de dez. de 2014
Acalanto :: Elizaheth Bishop (1911 - 1979)
Kaoru Kawano, 1950
Borboleta.
Adulto e criança
afundam em seu descanso.
No mar o navio afunda, desaparece,
chumbo em seu regaço.
Borboleta.
Deixa as nações brigarem
deixa as nações caírem.
A grade sombreada do berço é uma gaiola
sobre a parede.
Borboleta.
Durma sem parar,
que a guerra vai acabar.
Solta a inofensiva boneca tua
e agarra a lua.
Borboleta.
Se eles disserem
que não tens juízo
não te alteres, é um julgamento
bem impreciso.
Borboleta.
Adulto e criança
afundam em seu descanso.
No mar o navio afunda, desaparece,
chumbo em seu regaço.
Adulto e criança
afundam em seu descanso.
No mar o navio afunda, desaparece,
chumbo em seu regaço.
Borboleta.
Deixa as nações brigarem
deixa as nações caírem.
A grade sombreada do berço é uma gaiola
sobre a parede.
Borboleta.
Durma sem parar,
que a guerra vai acabar.
Solta a inofensiva boneca tua
e agarra a lua.
Borboleta.
Se eles disserem
que não tens juízo
não te alteres, é um julgamento
bem impreciso.
Borboleta.
Adulto e criança
afundam em seu descanso.
No mar o navio afunda, desaparece,
chumbo em seu regaço.
9 de dez. de 2014
A Flor do Sonho :: Florbela Espanca
A Flor do Sonho alvíssima, divina
Miraculosamente abriu em mim,
Como se uma magnólia de cetim
Fosse florir num muro todo em ruína.
Pende em meu seio a haste branda e fina.
E não posso entender como é que, enfim,
Essa tão rara flor abriu assim!…
Milagre… fantasia… ou talvez, sina…
Ó Flor que em mim nasceste sem abrolhos,
Que tem que sejam tristes os meus olhos
Se eles são tristes pelo amor de ti?!…
Desde que em mim nasceste em noite calma,
Voou ao longe a asa da minh’alma
E nunca, nunca mais eu me entendi…
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