Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
23 de dez. de 2014
UMA COISA É NECESSÁRIA :: HANS BØRLI (Noruega 1918-1989)
Claude Monet
Uma coisa é necessária – aqui
neste nosso mundo díficil
de sem-abrigos e desterrados:
Fixares residência em ti.
Entra pela escuridão
e limpa a fuligem da lâmpada.
Para que as pessoas na estrada
possam entrever uma luz
em teus olhos habitados.
(1974)
22 de dez. de 2014
A LEITORA PERFEITA :: LUIS FILIPE CASTRO MENDES
e ouve só as minhas palavras sem sentido,
o balbuciar que eu solto antes da voz,
tudo o que há tanto tempo trago preso na garganta.
nem o ritmo da cantilena aprendida na infância,
nem a música da poesia:
ouve apenas o balbuciar, o sopro antes da voz,
quase um estertor, mas a dizer agora
que estamos vivos.
In LENDAS DA ÍNDIA. D. Quixote, 2011
21 de dez. de 2014
PREVIAMENTE :: Ester Naomi Perquin (Utrecht em 1980)
Marc Chagall
Na primeira existência aprendes logo o formato,
célula após célula desenrola-se em meadas organizadas, planta membros,
és reduzido lentamente a um conceito de seis letras.
Esqueces-te de como era ser perfeito. Permaneces assim brevemente,
reconheces as oportunidades no decorrer do tempo, roças-te à
coincidência, armas-te com a razão e o tempo,
até demarcas uma vida anterior.
No momento em que te divides
desapareces simultaneamente
em dois amantes.
Muitas vezes é esse o fim, vêem-se demasiado tarde,
é como se houvesse um estranho obstáculo ou
as suas míseras vidas se desenrolassem em cidades incompatíveis.
Por vezes, revelas-te contumaz, encontras com exactidão
a fenda, deixas-te repentina e imprevisivelmente
voltar a fundir-te num só.
tradução de Maria Leonor Raven-Gomes
célula após célula desenrola-se em meadas organizadas, planta membros,
és reduzido lentamente a um conceito de seis letras.
Esqueces-te de como era ser perfeito. Permaneces assim brevemente,
reconheces as oportunidades no decorrer do tempo, roças-te à
coincidência, armas-te com a razão e o tempo,
até demarcas uma vida anterior.
No momento em que te divides
desapareces simultaneamente
em dois amantes.
Muitas vezes é esse o fim, vêem-se demasiado tarde,
é como se houvesse um estranho obstáculo ou
as suas míseras vidas se desenrolassem em cidades incompatíveis.
Por vezes, revelas-te contumaz, encontras com exactidão
a fenda, deixas-te repentina e imprevisivelmente
voltar a fundir-te num só.
tradução de Maria Leonor Raven-Gomes
20 de dez. de 2014
19 de dez. de 2014
Código :: MIREN AGUR MEABE (Leikeitio, País Basco, 1962)
Michael Tompsett
Proclamo um código alternativo:
alheio às palavras,
uma linguagem sem frases,
uma língua que não possa ser condenada à memória,
uma prosa para enganar promessas,
um dialecto mudo sem
listas de preços ou formas de denúncia,
uma fonte gratuita de significados ambíguos,
um modo de expressar tudo quanto não pode ser expresso.
tradução de Amaia Gabantxo
18 de dez. de 2014
PRESENTE : NOEMI JAFFE
Um dom, uma dádiva. por isso, é claro, a coincidência entre a conotação temporal e da oferta ritualística:
em aniversários, ocasiões de celebração, nascimentos, casamentos.
para cada dom, desinteressado mas obrigatório, um compromisso, um selo:
sou para você e você é para mim. estamos juntos em aliança.
desejo que, neste natal, haja mais presentes presentes.
Um dia :: Sophia de Mello Breyner e Andresen
A viver livres como os animais
E mesmo tão cansados floriremos
Irmãos vivos do mar e dos pinhais.
O vento levará os mil cansaços
Dos gestos agitados irreais
E há de voltar aos nosso membros lassos
A leve rapidez dos animais.
Só então poderemos caminhar
Através do mistério que se embala
No verde dos pinhais na voz do mar
E em nós germinará a sua fala.
17 de dez. de 2014
Sair :: Antonio Cícero
medo, o terço, o quarto, largar
toda simbologia e religião; largar o
espírito, largar a alma, abrir a
porta principal e sair. Esta é
a única vida e contém inimaginável
beleza e dor. Já o sol,
as cores da terra e o
ar azul — o céu do dia —
mergulharam até a próxima aurora; a
noite está radiante e Deus não
existe nem faz falta. Tudo é
gratuito: as luzes cinéticas das avenidas,
o vulto ao vento das palmeiras
e a ânsia insaciável do jasmim;
e, sobre todas as coisas, o
eterno silêncio dos espaços infinitos que
nada dizem, nada querem dizer e
nada jamais precisaram ou precisarão esclarecer.
16 de dez. de 2014
O poeta visto por mim :: Dylan Thomas
Em meu ofício ou arte taciturna
Exercido na noite silenciosa
Quando somente a lua se enfurece
E os amantes jazem no leito
Com todas as suas mágoas nos braços,
Trabalho junto à luz que canta
Não por glória ou pão
Nem por pompa ou tráfico de encantos
Nos palcos de marfim
Mas pelo mínimo salário
De seu mais secreto coração.
Escrevo estas páginas de espuma
Não para o homem orgulhoso
Que se afasta da lua enfurecida
Nem para os mortos de alta estirpe
Com seus salmos e rouxinóis,
Mas para os amantes, seus braços
Que enlaçam as dores dos séculos,
Que não me pagam nem me elogiam
E ignoram meu ofício ou minha arte.
(tradução: Ivan Junqueira)
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