Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
13 de nov. de 2011
12 de nov. de 2011
O Meio de Luiz Tatit
Assim era no princípio
Metáfora pura
Suspensa no ar
Assim era no princípio
Só bocas abertas
Inda balbuciantes
Querendo cantar
Por isso que sempre no início
A gente não sabe como começar
Começa porque sem começo
Sem esse pedaço não dá pra avançar
Mas fica aquele sentimento
Voltando no tempo faria outro som
Porque depois de um certo ponto
Tirando o começo até que foi bom
Por isso é melhor ter paciência
Pois todo começo começa e vai embora
O problema é saber se já foi
Ou se ainda é começo
Porque tem começo que às vezes demora
Que passa um bom tempo
Inda está no começo
Que passa mais tempo
Inda não está na hora
Tem gente que nunca sai do começo
Mas tem esperança de sair agora
Se todo começo é assim
O melhor começo é o seu fim
Um dia ainda há de chegar
Em que todos irão conquistar
Um meio pra não começar
Agora depois do começo
Já estou me sentindo
Bem mais à vontade
Talvez já esteja no meio
Ou começo do meio
Porque bem no meio
Seria a metade
É bom demais estar no meio
O meio é seguro pra gente cantar
Primeiro, acaba o bloqueio
E até o que era feio começa a soar
Depois todo aquele receio
Partindo do meio, podia evitar
Até para as crianças nascerem
Nascendo no meio, não iam chorar
Diria, sem muito rodeio
No princípio era o meio
E o meio era bom
Depois é que veio o verbo
Um pouco mais lerdo
Que tornou tudo bem mais difícil
Criou o real, criou o fictício
Criou o natural, criou o artifício
Criou o final, criou o início
O início que agora deu nisso
Mas tudo tomou seu lugar
Depois do começo passar
E cada qual com seu canto
Por certo ainda vai encontrar
Um meio para nos alegrar
11 de nov. de 2011
O velho de Chico Buarque
O velho sem conselhos
De joelhos
De partida
Carrega com certeza
Todo o peso
Da sua vida
Então eu lhe pergunto pelo amor
A vida iteira, diz que se guardou
Do carnaval, da brincadeira
Que ele não brincou
Me diga agora
O que é que eu digo ao povo
O que é que tem de novo
Pra deixar
Nada
Só a caminhada
Longa, pra nenhum lugar
O velho de partida
Deixa a vida
Sem saudades
Sem dívida, sem saldo
Sem rival
Ou amizade
Então eu lhe pergunto pelo amor
Ele me diz que sempre se escondeu
Não se comprometeu
Nem nunca se entregou
E diga agora
O que é que eu digo ao povo
O que é que tem de novo
Pra deixar
Nada
E eu vejo a triste estrada
Onde um dia eu vou parar
O velho vai-se agora
Vai-se embora
Sem bagagem
Não sabe pra que veio
Foi passeio
Foi passagem
Então eu lhe pergunto pelo amor
Ele me é franco
Mostra um verso manco
De um caderno em branco
Que já fechou
Me diga agora
O que é que eu digo ao povo
O que é que tem de novo
Pra deixar
Não
Foi tudo escrito em vão
E eu lhe peço perdão
Mas não vou lastimar
10 de nov. de 2011
Oásis na cidade de Nina Horta
Vocês sentem uma saudade de uma coisa que nunca viram nem tiveram quando enxergam atrás de um portão pequeno e velho uma daquelas casinhas térreas que têm um terraço pequeno na frente, em arco, e a pintura é toda cheia de altos e baixos, como se o pincel fosse puxado para cima a cada pincelada?
São uns oásis que sobram nas cidades, alguma briga por posse, e geralmente não mora ninguém lá, ou só um velho que toma um pouco de conta da coisa que já não tem mais jeito. Na frente, uma bananeira com um cacho ainda bem verde de bananas ou uma goiabeira magra, mas com florzinhas anunciando a fruta.
Você vai andando pelo corredor ao lado até chegar ao fundo, bem em frente do canteiro enlouquecido de remédios. Boldo, alecrim, hortelã. As flores cresceram bonitas, subiram em trepadeiras pelas árvores e as rosas e rosinhas misturam-se com flores de cores nada na moda, coisas de jardim abandonado.
Mas há o poema das galinhas. As galinhas foram feitas para romancear qualquer lugar, dar aquela marca de casa, de gente, de segurança, de esperança. Há a beleza de uma ave andando à sua volta, crista de um vermelho transparente carregando aquele milagre todo do ovo. Por isso, Clarice tornou-se a rainha do Facebook, todo mundo adora uma pessoa que fala de galinhas como se fossem amigas, que entendem a vida das mulheres apesar de não se manifestarem a respeito.
Muita palma de santa Rita, algum dia deve ter estado na moda, retas, duras, enfeitando vasos art déco em salas escuras com cortinas fechadas e cadeiras de espaldar.
Mas, ainda há couves. Couves altas, que vão subindo em busca do sol, nem sei se couve busca sol, mas são duras e crocantes, só arrancar as folhas e colocar numa vasilha com água esperando a hora de serem cortadas bem finas.
No meio do caos tem uma pimenteira, tão cheia de jeito e dengo que deve ser nova, as pimentinhas pequenas e vermelhas, lampejo de saia rodada, de saia de baiana sapeca. Sem esquecer o guaco cheiroso.
Pesquisando com cuidado era capaz de achar mais alguma coisa. Mas só aquilo me serve para imaginar a mulher que um dia viveu ali, feliz, com o marido e os filhos, as vizinhas, a sacola grande de lona que levava para a venda e assinava na caderneta. Chegando em casa tinha um radinho desafinado com um capítulo da novela da Sarita Campos e já começava a cortar a couve na cadeira de balanço. Arroz sobrava sempre do almoço, ia fazer uma sopa de feijão com pão torrado por cima. Depois, uns ovos mexidos de leve, envolvendo a couve e umas fatias quase transparentes de linguiça. O pão bem quente e estalando.
De sobremesa poderiam chupar laranjas doces, do seu Manuel, que plantava de tudo no terreno da frente e vendia para a vizinhança. Um mistério aquele homem sempre sujo de terra, sem família, sem história. Colhia boas alfaces e tinha um caquizeiro chocolate que era o céu.
Olhou pela janela e vinha chegando o filho menor, de calças curtas, o cabelo espetado, as meias três quartos caindo sobre o sapato. Ah, menino, pensou, amanhã vou fazer um empadão de galinha para encher essas canelas finas.
Folha de São Paulo de 10 de novembro de 2011
Quanto maior for a sua própria beleza.
Talvez o meu destino seja eternamente ser guarda-livros, e a poesia ou a literatura uma borboleta que, pousando-me na cabeça, me torne tanto mais ridículo quanto maior for a sua própria beleza.
Fernando Pessoa in Livro do desassossego
O vídeo da vovó Magnólia de Jairo Marques
Minha mulher, que lá em casa é minha deusa, compartilhou com os amigos de uma dessas redes que pescam gente, as tais redes sociais, um vídeo que mostrava sua avó, uma típica mineira de palavras curtinhas e de sorriso "facim, facim", contando histórias de vaidades, de saudades, de futebol e de família.
Embora eu não tenha conhecido dona Magnólia, a avó em questão, adorei e me emocionei ao ver aquela senhora sentada em um sofá bem confortável dando uma "entrevista" informal a uma das filhas para ser apreciada a qualquer tempo, inclusive na posteridade, por toda a parentada.
Vó Magnólia usava um roupão cor-de-rosa -quase na mesma tonalidade da flor homônima de seu registro-, óculos grandes e redondos, mas que já pouco serviam, e cabelos irretocáveis, tingidos de castanho. Articulava as ideias com a memória meio barro meio tijolo devido à fúria do Alzheimer, mas nada que comprometesse o conteúdo geral.
Mesmo que por estes dias as câmeras de filmar estejam sempre ao alcance das mãos -há até caneta, botão e broches que gravam tudo em Brasília-, são pouquíssimas as vezes em que os velhos viram "atores" para contar sobre as coisas do mundo, seja de seus mundos, seja de suas coisas.
É bem diferente dos bebês, dos bichinhos e dos engraçados. Esses estão gravados e espalhados por todos os lados, ainda mais no tal universo digital. Não faltam "facebooqueiros" que os postam rotineiramente na internet fazendo fofices, dando cambalhotas desajeitadas, correndo atrás do próprio rabo, tendo atitudes de adultos ou soltando falas anedóticas.
Vovós Magnólias, não as vi muitas. E digo isso para não comprometer a sagacidade de minha memória escrevendo que ela foi a única. Ser velho não tem graça? Ser velho não é bonito? Ser velho não tem alegria? Ser velho não dá o que falar?
Defendo que a mira das lentes seja mais voltada àqueles que a gente ama, àqueles de quem o tempo já não conta a favor, àqueles que justificam de maneira completa a palavra saudade. Mesmo que, rotineiramente, eles digam que "detestam essas coisas modernas", insista, grave escondidinho, brinque de fazer novela, de imitar o Jô Soares entrevistando.
Imagine tirar das gavetas tecnológicas essas lembranças sempre que o coração tiver vontade, que a alma gritar por um banho de recordação. Que delícia seria morrer de rir relembrando o jeito como o vozinho penteava o que chamava de cabelo para, depois, esconder tudo na boina xadrez.
E o que dizer da cena da mãe nervosa balangando as pernas e reclamando do caçula ingrato que não liga há dois dias? Não gravei nem gravaram minha avó na máquina de costura fazendo bainha ou no fogão frigindo seus famosos bolinhos de polvilho. Seria delicioso poder revê-la de formas simples assim, escutar sua voz e encantar-me, mais uma vez, com seus causos já quase esquecidos.
Embora eu não tenha conhecido dona Magnólia, a avó em questão, adorei e me emocionei ao ver aquela senhora sentada em um sofá bem confortável dando uma "entrevista" informal a uma das filhas para ser apreciada a qualquer tempo, inclusive na posteridade, por toda a parentada.
Vó Magnólia usava um roupão cor-de-rosa -quase na mesma tonalidade da flor homônima de seu registro-, óculos grandes e redondos, mas que já pouco serviam, e cabelos irretocáveis, tingidos de castanho. Articulava as ideias com a memória meio barro meio tijolo devido à fúria do Alzheimer, mas nada que comprometesse o conteúdo geral.
Mesmo que por estes dias as câmeras de filmar estejam sempre ao alcance das mãos -há até caneta, botão e broches que gravam tudo em Brasília-, são pouquíssimas as vezes em que os velhos viram "atores" para contar sobre as coisas do mundo, seja de seus mundos, seja de suas coisas.
É bem diferente dos bebês, dos bichinhos e dos engraçados. Esses estão gravados e espalhados por todos os lados, ainda mais no tal universo digital. Não faltam "facebooqueiros" que os postam rotineiramente na internet fazendo fofices, dando cambalhotas desajeitadas, correndo atrás do próprio rabo, tendo atitudes de adultos ou soltando falas anedóticas.
Vovós Magnólias, não as vi muitas. E digo isso para não comprometer a sagacidade de minha memória escrevendo que ela foi a única. Ser velho não tem graça? Ser velho não é bonito? Ser velho não tem alegria? Ser velho não dá o que falar?
Defendo que a mira das lentes seja mais voltada àqueles que a gente ama, àqueles de quem o tempo já não conta a favor, àqueles que justificam de maneira completa a palavra saudade. Mesmo que, rotineiramente, eles digam que "detestam essas coisas modernas", insista, grave escondidinho, brinque de fazer novela, de imitar o Jô Soares entrevistando.
Imagine tirar das gavetas tecnológicas essas lembranças sempre que o coração tiver vontade, que a alma gritar por um banho de recordação. Que delícia seria morrer de rir relembrando o jeito como o vozinho penteava o que chamava de cabelo para, depois, esconder tudo na boina xadrez.
E o que dizer da cena da mãe nervosa balangando as pernas e reclamando do caçula ingrato que não liga há dois dias? Não gravei nem gravaram minha avó na máquina de costura fazendo bainha ou no fogão frigindo seus famosos bolinhos de polvilho. Seria delicioso poder revê-la de formas simples assim, escutar sua voz e encantar-me, mais uma vez, com seus causos já quase esquecidos.
9 de nov. de 2011
Saber de si
Henri Rousseau - La Bohémienne endormie
A noite chegou bruscamente. Meu coração bateu alheio. Sem saber de si.
Livia Garcia Roza
Guardo junto
"Escolho, desdobro, renovo, substituo e traduzo: guardo junto com as minhas coisas e digo que é meu."
Olívia Niemeyer
Olívia Niemeyer nasceu no Rio de Janeiro e atualmente mora em Campinas. Mestra e doutora em linguística aplicada pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), recebeu orientação de Nair Kremer, Vera Ferro e Carlos Fajardo nas artes visuais. Participa de salões desde 1997. Seu trabalho artístico privilegia formas interrompidas e fragmentadas, focos de dispersão e multiplicidade.
Olívia Niemeyer nasceu no Rio de Janeiro e atualmente mora em Campinas. Mestra e doutora em linguística aplicada pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), recebeu orientação de Nair Kremer, Vera Ferro e Carlos Fajardo nas artes visuais. Participa de salões desde 1997. Seu trabalho artístico privilegia formas interrompidas e fragmentadas, focos de dispersão e multiplicidade.
8 de nov. de 2011
A verdadeira crise por Vladimir Saflate
Nós: autobiografismos de Olívia Niemeyer
Imagem: Olívia Niemeyer - Nós: autobiografismos
Harold Pinter
7 de nov. de 2011
Papel de arroz
Mira:
as coisas construídas oscilam
numa frágil arquitetura
(os papéis cultivados
em campos
guardarão sempre a memória seca
dos dias alagados).
Também as palavras revelam somente o que escondem:
eis a solução de uma questão
delicada.
Ana Martins Marques
6 de nov. de 2011
Uma aprendizagem ou o Livro dos prazeres de Clarice Lispector
brincos de www.envedette.com.br
Usaria brincos?
Hesitou, pois queria orelhas apenas delicadas e simples,
alguma coisa modestamente nua...
Clarice Lispector In: Uma aprendizagem ou o Livro dos prazeres
Arco-íris duplo
O Departamento de Meteorologia da Austrália e a Associação Meteorológica e Oceanográfica Australiana divulgaram as fotos que farão parte do seu calendário de 2012. Acima, um arco-íris duplo na praia de Wombarra, em New South Wales.
Com um pouquinho de medo
Descobrir, em qualquer parte do Brasil, uma reserva de escuro e silêncio absolutos.
Caminhar no escuro no meio das estrelas uma noite inteira.
Com um pouquinho de medo: o medo é uma espécie de embriaguez.
Maria Rita Kehl
Caminhar no escuro no meio das estrelas uma noite inteira.
Com um pouquinho de medo: o medo é uma espécie de embriaguez.
Maria Rita Kehl
5 de nov. de 2011
Antes de morrer :: Maria Rita Kelh
Muitos anos antes de morrer já estou convencida de que finjo que a vida é literatura. Não vou mudar isso justo antes de morrer. Quem sabe, no máximo, melhorar o enredo. E transitar melhor entre os gêneros.
1) Viver a vida de uma outra mulher, muito diferente de mim. Uma mulher da roça, como eu gostava de brincar na infância. Das que acorda antes do sol, trabalha na horta, dorme ao escurecer, sem luz e sem televisão. Fogão de lenha, bichos no quintal, solidão sem abandono. A mulher que nunca fui na roça que não há.
2) Descobrir, em qualquer parte do Brasil, uma reserva de escuro e silêncio absolutos. Caminhar no escuro no meio das estrelas uma noite inteira. Com um pouquinho de medo: o medo é uma espécie de embriaguez.
3) Gravar um CD cantando, sozinha, músicas das que mais gosto de cantar. Ou, radicalizando, mudar de profissão. Virar cantora. De boate, se é que ainda existem.
4) Ficar amiga do Chico Buarque. Só amiga. Andar a pé pelo Rio conversando com ele, horas a fio. Recordar letras de música, sambas antigos. Contar e ouvir coisas da vida.
5) Conhecer um compositor (não precisa ser o Chico Buarque) que me peça letras para as músicas dele. Virar parceira, ouvir nossos sambas no rádio.
6) Virar artista plástica. Trocar a noite pelo dia em um atelier enorme, brincando com os materiais, com as tintas, com o peso e a densidade da matéria. Encontrar o estranho silêncio da matéria. Desintoxicar a mente do excesso de palavras.
7) Virar escritora de ficção. Acordar todos os dias com saudades de meus personagens, ansiosa para entrar mais uma vez na vida deles.
8) Queimar – isso é urgente – todos os meus diários, dos quinze aos quarenta e cinco anos. Uma fogueira e tanto.
9) Ir a um pai ou mãe de santo para iniciar-me no Candomblé; virar mãe de santo também, receber entidades, aprender a jogar búzios. Gostaria de ter acesso à experiência do inconsciente pré freudiano – o inconsciente revelado a contrapelo da psicanálise.
10) Saber como é a morte. Ficar acordada até o fim. Despedir-me de tudo. Dizer a meus filhos, como o Coelho, do John Updike: “não é tão mau assim”.
4 de nov. de 2011
Pensamento musical
Belle, bonne, sage, plaisante et gente,
A ce jour cy que l'an se renouvelle,
Vous fais le don d'une chanson nouvelle
Dedans mon cuer qui a vous se presente.
De recevoir ce don ne soyés lente,
Je vous suppli, ma doulce damoyselle;
(Belle, bonne, sage...)
Car tant vous aim qu'aillours n'ay mon entente,
Et sy scay que vous estes seulle celle
Qui fame avés que chascun vous appelle:
Flour de beauté sur toutes excellente.
(Belle, bonne, sage...)
3 de nov. de 2011
O bom marido
Nunca vou esquecer a palavra ingrediente
no plural.
À tarde, Arabela conversava
com Tereza na sala de visitas.
Passei perto, ouvi:
- Custódio tem todos os ingredientes
para ser um bom marido.
- Quais são os ingredientes ?
a outra lhe pergunta.
Arabela sorri, sem responder.
Guardo a palavra com cuidado,
corro ao dicionário:
continua o mistério.
Carlos Drummond de Andrade
2 de nov. de 2011
Tenhamos paciência, andorinhas curtas
Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,
As sensações renascem de si mesmas sem repouso,
Ôh espelhos, ôh! Pirineus! ôh caiçaras!
Si um deus morrer, irei no Piauí buscar outro!
Abraço no meu leito as milhores palavras,
E os suspiros que dou são violinos alheios;
Eu piso a terra como quem descobre a furto
Nas esquinas, nos táxis, nas camarinhas seus próprios beijos!
Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,
Mas um dia afinal eu toparei comigo...
Tenhamos paciência, andorinhas curtas,
Só o esquecimento é que condensa,
E então minha alma servirá de abrigo.
Mário de Andrade
1 de nov. de 2011
31 de out. de 2011
Do intraduzível
.... Numa das matérias, sobre flores (estava a primavera por perto), apareceu-me um “pensée sauvage” pela frente, que eu demorei um tempo a desenvolver dentro de mim. Digo desenvolver, porque algumas palavras desenvolvem-se, desenovelam-se, criam algo parecido com uma raiz dentro de nós antes de se lançarem na língua para a qual se pretendem traduzidas. Essa foi uma delas – gostei da sonoridade, da ideia de “pensamento selvagem” que com certeza não seria a tradução correta para os futuros leitores jardineiros... Fui à procura de quem entendia. Cheguei ao nosso “amor perfeito”, que é a tal flor, nomeada na nossa língua. Essa descoberta tomou-me é claro ainda mais tempo - fiquei encantada com a possibilidade de que o que para nós é um amor perfeito para um francês seja um pensamento selvagem. Pensem um segundo – é de ficar muito tempo pensando!
Ana Vieira Pereira
Amor - O Interminável Aprendizado
...
Então, pensou: há o amor, há o desejo e há a paixão.
O desejo é assim: quer imediata e pronta realização. É indistinto. Por alguém que, de repente, se ilumina nas taças de uma festa, por alguém que de repente dobra a perna de uma maneira irresistivelmente feminina.
Já a paixão é outra coisa. O desejo não é nada pessoal. A paixão é um vendaval. Funde um no outro, é egoísta e, em muitos casos, fatal.
O amor soma desejo e paixão, é a arte das artes, é arte final.
Mas reparou: amor às vezes coincide com a paixão, às vezes não.
Amor às vezes coincide com o desejo, às vezes não.
Amor às vezes coincide com o casamento, às vezes não.
E mais complicado ainda: amor às vezes coincide com o amor, às vezes não.
Absurdo.
Como pode o amor não coincidir consigo mesmo?
Adolescente amava de um jeito. Adulto amava melhormente de outro. Quando viesse a velhice, como amaria finalmente? Há um amor dos vinte, um amor dos cinqüenta e outro dos oitenta? Coisa de demente.
Não era só a estória e as estórias do seu amor. Na história universal do amor, amou-se sempre diferentemente, embora parecesse ser sempre o mesmo amor de antigamente.
Estava sempre perplexo. Olhava para os outros, olhava para si mesmo ensimesmado.
Não havia jeito. O amor era o mesmo e sempre diferenciado.
O amor se aprendia sempre, mas do amor não terminava nunca o aprendizado.
Optou por aceitar a sua ignorância.
Em matéria de amor, escolar, era um repetente conformado.
E na escola do amor declarou-se eternamente matriculado.
Affonso Romano de Sant'Anna, In "21 Histórias de amor", Francisco Alves Editora – Rio de Janeiro, 2002, pág.11.
Então, pensou: há o amor, há o desejo e há a paixão.
O desejo é assim: quer imediata e pronta realização. É indistinto. Por alguém que, de repente, se ilumina nas taças de uma festa, por alguém que de repente dobra a perna de uma maneira irresistivelmente feminina.
Já a paixão é outra coisa. O desejo não é nada pessoal. A paixão é um vendaval. Funde um no outro, é egoísta e, em muitos casos, fatal.
O amor soma desejo e paixão, é a arte das artes, é arte final.
Mas reparou: amor às vezes coincide com a paixão, às vezes não.
Amor às vezes coincide com o desejo, às vezes não.
Amor às vezes coincide com o casamento, às vezes não.
E mais complicado ainda: amor às vezes coincide com o amor, às vezes não.
Absurdo.
Como pode o amor não coincidir consigo mesmo?
Adolescente amava de um jeito. Adulto amava melhormente de outro. Quando viesse a velhice, como amaria finalmente? Há um amor dos vinte, um amor dos cinqüenta e outro dos oitenta? Coisa de demente.
Não era só a estória e as estórias do seu amor. Na história universal do amor, amou-se sempre diferentemente, embora parecesse ser sempre o mesmo amor de antigamente.
Estava sempre perplexo. Olhava para os outros, olhava para si mesmo ensimesmado.
Não havia jeito. O amor era o mesmo e sempre diferenciado.
O amor se aprendia sempre, mas do amor não terminava nunca o aprendizado.
Optou por aceitar a sua ignorância.
Em matéria de amor, escolar, era um repetente conformado.
E na escola do amor declarou-se eternamente matriculado.
Affonso Romano de Sant'Anna, In "21 Histórias de amor", Francisco Alves Editora – Rio de Janeiro, 2002, pág.11.
30 de out. de 2011
28 de out. de 2011
Orquídeas
Desenho com lápis patel seco, usando o lápis Conté.
Senta que lá vem explicação:
En 1795 Nicholas Jacques Conté inventó un método para endurecer el grafito pulverizado mezclándolo con arcilla y horneándolas convenientemente. Variando la proporción de grafito/arcilla se obtenían diferentes durezas de la mina. Este método de fabricación, que había sido descubierto anteriormente por el austriaco Josef Hardtmuth de Koh-I-Noor en 1790, sigue funcionando hoy.
27 de out. de 2011
Olhar de Livia Garcia Roza
foto: Clarinda
Foi preciso passar muito tempo
para que despertasse no meu olho
para que despertasse no meu olho
o olhar que me é próprio.
26 de out. de 2011
Efêmera
" A vida sempre me pareceu uma planta, que vive de sua raiz.
Sua verdadeira vida é invisível, escondida na raiz.
A parte que desponta acima do solo dura somente um único verão.
Depois fenece .... uma efêmera aparição.....”
Carl Gustav Jung
25 de out. de 2011
Todos os sonhos
Imagem: Stina Persson
O poeta não será mais que memória fundida nas memórias, para
que um adolescente possa
dizer-nos que tem em si todos os sonhos do mundo, como
se ter sonhos e declará-lo fosse primeira invenção sua. Há razões para pensar
que a língua é, toda ela, obra de poesia.
José Saramago Diário
de Notícias (2009)
24 de out. de 2011
Loucura razoável
imagem: Clara na praia do Lido
“Solução melhor é não enlouquecer mais do que já enlouquecemos, não tanto por virtude, mas por cálculo. Controlar essa loucura razoável: se formos razoavelmente loucos não precisaremos desses sanatórios porque é sabido que os saudáveis não entendem muito de loucura. O jeito é se virar em casa mesmo, sem testemunhas estranhas. Sem despesas.” Lygia Fagundes Telles
23 de out. de 2011
Caminhar de Chico Buarque
Imagem: Sebastião Salgado
Mas à terra dada, não se abre a boca
É a conta menor que tiraste em vida
Funeral de um Lavrador, Chico Buarque
22 de out. de 2011
Distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar...
Titãs
21 de out. de 2011
Mas não sou onisciente
Amo as pessoas. Todas elas. Amo-as, creio, como um colecionador de selos ama sua coleção. Cada história, cada incidente, cada fragmento de conversa é matéria-prima para mim. Meu amor não é impessoal, nem tampouco inteiramente subjetivo. Gostaria de ser qualquer um, aleijado, moribundo, puta, e depois retornar para escrever sobre os meus pensamentos, minhas emoções enquanto fui aquela pessoa. Mas não sou onisciente. Tenho de viver a minha vida, ela é a única que terei. E você não pode considerar a própria vida com curiosidade objetiva o tempo todo..." Sylvia Plath
20 de out. de 2011
Correção
Como dizia aquele bem-te-vi que ficou míope: bem te via... bem te via...
José Paulo Paes De É Isso Ali (1984)
Dia perfeito
Dia perfeito em que tudo amadurece. Um raio. Eu, como você, morri. Eu, como você, estou viva. E envelheço nas minhas decisões. Envelheço tentando domar cada elemento vital do meu corpo. Renasço. Danço. Trago o encantamento e a felicidade, que deixaram o berço dilacerado pela dor. Tu te tornas obra de arte. Tu dizes sim ao mundo. E a cidade se alegra por estarmos aqui. E a cidade se alegra por suportarmos tanta verdade sem sucumbir. Daniela Lima
fonte: www.cronopios.com.br
fonte: www.cronopios.com.br
19 de out. de 2011
18 de out. de 2011
Conheço por Escova de Girafa
Nome Científico: Callistemon sp
- Nome Popular: Escova-de-garrafa, lava-garrafas, calistemo
- Família: Myrtaceae
- Divisão: Angiospermae
- Origem: Austrália
- Ciclo de Vida: Perene
Namaste
Namastê, é o cumprimento nascido na Índia e significa "Curvo-me perante ti."
É uma forma digna de cumprimento de um ser humano para outro, expressa um grande sentimento de respeito. Invoca a percepção de que todos nós compartilhamos da mesma essência, da mesma energia, do mesmo Universo. Namastê, possui uma força pacificadora muito intensa.
Em síntese é: Saúdo-o do Coração e deve ser retribuído com o mesmo cumprimento.
etimologia
Namas é um termo sânscrito para "arco, obediência, saudação reverencial, adoração";
te é o pronome de segunda pessoa singular do dativo.
17 de out. de 2011
Para o mar pensar
– Feliz, filho? – Sim.– Desculpa, não percebi o cansaço.– Sabe por que chove, pai?– Para diminuir o calor?– Não, é para o mar pensar. Ele não consegue pensar com tanta gente dentro dele.
Fabrício Carpinejar
foto: Santos SP
foto: Santos SP
16 de out. de 2011
Poeminha de Homenagem à Preguiça Universal
que nada é impossível não é verdade;
todo o mundo faz nada com facilidade.
Millôr Fernandes, in "Pif-Paf"
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