25 de jan. de 2025

Carlos Drummond de Andrade:: Relógio do Rosário

Era tão claro o dia, mas a treva,

do som baixando, em seu baixar me leva

pelo âmago de tudo, e no mais fundo
decifro o choro pânico do mundo,

que se entrelaça no meu próprio chôro,
e compomos os dois um vasto côro.

Oh dor individual, afrodisíaco
sêlo gravado em plano dionisíaco,

a desdobrar-se, tal um fogo incerto,
em qualquer um mostrando o ser deserto,

dor primeira e geral, esparramada,
nutrindo-se do sal do próprio nada,

convertendo-se, turva e minuciosa,
em mil pequena dor, qual mais raivosa,

prelibando o momento bom de doer,
a invocá-lo, se custa a aparecer,

dor de tudo e de todos, dor sem nome,
ativa mesmo se a memória some,

dor do rei e da roca, dor da cousa
indistinta e universa, onde repousa

tão habitual e rica de pungência
como um fruto maduro, uma vivência,

dor dos bichos, oclusa nos focinhos,
nas caudas titilantes, nos arminhos,

dor do espaço e do caos e das esferas,
do tempo que há de vir, das velhas eras!

Não é pois todo amor alvo divino,
e mais aguda seta que o destino?

Não é motor de tudo e nossa única
fonte de luz, na luz de sua túnica?

O amor elide a face... Ele murmura
algo que foge, e é brisa e fala impura.

O amor não nos explica. E nada basta,
nada é de natureza assim tão casta

que não macule ou perca sua essência
ao contacto furioso da existência.

Nem existir é mais que um exercício
de pesquisar de vida um vago indício,

a provar a nós mesmos que, vivendo,
estamos para doer, estamos doendo.

Mas, na dourada praça do Rosário,
foi-se, no som, a sombra. O columbário

já cinza se concentra, pó de tumbas,
já se permite azul, risco de pombas.




ANDRADE, Carlos Drummond de. "Claro enigma". In:_____Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002.

14 de jan. de 2025

REI MENINO :: Marcílio Godoi

 No galho mais firme da goiabeira

ergo meu trono de Rei menino.


Pássaros ressoam-me trombetas triunfantes

enquanto tatus-bolas passam-me a guarda imperial.


Galhadas insinuantes ao vento coroam-me

com louros perfumados de doce de tacho

e oferecem-me de bandeja deliciosos frutos

verdes, pois que os maduros têm bicho.


Corto a flor das ramagens e condecoro-me

nobre guerreiro a mim mesmo.

Afinal, os dragões brancos dos frutos maduros

foram todos dizimados pela minha ousada política

de antecipação da colheita.


Sob a copa de meu castelo

dois bambus estirados num arame

esvoaçam seus panos à minha glória

bandeira, capa, espada e lança

da minha insigne última batalha

contra os feudos vizinhos de além muro.


Do honroso combate hercúleo

resultaram muitas baixas

mas agora tudo está em paz

no Reino da Goiabas Verdes...


Esperem, ainda não!


Atrás dos manacás da cerca viva

espreitam-me outra vez

os malditos carrapatos

espalhados em minas de carrapichos

por todo o terreno! 


Com meu vasto arsenal de mamonas,

entretanto, com alto poder

de destruição em massa

resistirei bravamente, em posição de sentido

até a morte, se preciso for!


Alto lá! por motivo de força maior

missão abortada, atenção!

Descansar, súditos!


Uma ordem, de repente, nos detém a todos:

Lição de casa, volver!



7 de jan. de 2025

O gato e o pássaro :: Jacques Prévert

O gato e o pássaro

Uma cidade escuta desolada

O canto de um pássaro ferido

É o único pássaro da cidade

E foi o único gato da cidade

Que o devorou pela metade

E o pássaro deixa de cantar

E o gato deixa de ronronar

E de lamber o focinho

E a cidade prepara para o pássaro

Funerais maravilhosos

E o gato que foi convidado

Segue o caixãozinho de palha

Em que deitado está o pássaro morto

Levado por uma menina

Que não pára de chorar

Se soubesse que você ia sofrer tanto

Lhe diz o gato

Teria comido ele todinho

E depois teria te dito

Que tinha visto ele voar

Voar até o fim do mundo

Lá onde o longe é tão longe

Que de lá não se volta mais

Você teria sofrido menos

Só tristeza e saudades

É preciso nunca fazer as coisas pela metade.


Imagem pixabay






29 de dez. de 2024

A CERCA, O CÓRREGO :: Marcílio Godoi

 


Quando falava de suas poucas reservas, de saúde e de dinheiro, meu velho pai dizia, “talvez dê pra chegar com a cerca no córrego!”. Desde sempre era isso, e a gente assim, nesse mistério, que cerca é essa? Que córrego é esse, meu deus?


Agora me encontro na mesma idade em que ele andava pela casa dizendo coisas como “cumê mais pôco, cumê mais pôco!”. E, claro, essa eterna indefectível e um tanto indecifrável imagem da cerca chegando lá embaixo, no córrego, que eu adoro.


O tempo me tirou muita coisa, devo reconhecer, mas com outras ele generosamente me presenteou. Saber fluentemente a língua do seu Marciano foi uma delas.


Não gosto de explicar imagem nenhuma a ninguém, traduzir é trair, pois que, como na poesia, se explicar, “trapaia tudo”. Mas hoje minha médica me deu o diagnóstico dela sobre o sopro que tenho no coração — sim, além de cabelos, perdi colágeno e elastina. 


Ela analisou os meus exames e proferiu o veredito: você “renovou o seu visto para mais uma temporada”. Fiquei feliz com a imagem alvissareira. E respondi: Quer dizer então que eu vou chegar com a cerca no córrego? — Então ela respondeu: Oi?


Aí tive que explicar a ela a metáfora do velho, que a cerca são os paus e o arame que a gente vai gastando para delimitar nossa passagem por aqui. Uma figura simples, trazida do léxico sertanejo, do fazer e do trazer que compõe a vida propriamente dita. Sendo o córrego, sua divisa, seu limite, ou, por assim dizer, a morte mesmo. Sendo que, finalizei, sobre o outro lado do córrego, nada se pode dizer.


No idioma marciano, Dra. Fernanda, chegar com a cerca no córrego é isso: humildemente fazer empatar nossos recursos com nossa existência, uma espécie de realização, de prodígio, que justifica, ao final, a nossa passagem por aqui.


Há uma certa dignidade em se poder dizer isso, não é mesmo? É como afirmar, senão a consagração, ao menos o cumprimento daquilo que foi acertado ao nascer: não deixar que falte pau nem arame ainda se estando muito longe do córrego da morte. Os gregos não têm o Aqueronte, rio que leva ao Hades, o reino dos mortos? Pois então.


Ela sorriu, gostou de ouvir meu pequeno devaneio de sobrevivente. Agora, enquanto escrevo, é que me dou conta, final de ano, a gente sempre fica meio bobo, né? E fica imaginando essas coisas, teremos estoque para mais uma jornada na terra? Estaremos bem aqui, esticando arame, fincando nossas modestas estacas no chão do agora?


Tudo isso lembra um pouco a feliz imagem do pau e da pedra no fim do caminho, do resto de toco um pouco sozinho que o Jobim magistralmente nos legou em Águas de Março.


Feliz 2025 pra você, doutora, obrigado por carimbar meu visto! 

21 de dez. de 2024

SIMPLEX : Marcílio Godoi

A beleza, que é a parte mais sublime da arte, é filha mais velha da simplicidade. Sejamos dessa linhagem: simples. Foi sendo simples que Colombo prendeu a respiração e colocou o ovo em pé. Foi sendo simples que Tom fez o Samba de uma nota só, foi sendo simples que Pelé driblou Mazurkiewicz sem tocar na bola, foi sendo simples que Miles Davis colocou surdina num trumpete, foi sendo simples que Drummond parou. Bem No meio do caminho.


Foi sendo assustadoramente simples que Aníbal Augusto Sardinha compôs Gente Humilde e assinou, simplesmente, "Garoto". Foi sendo simples que Gentil Cardoso, primeiro técnico de Garrincha, resumiu toda a questão futebolística: "Se a bola é feita de couro, se o couro vem da vaca e se a vaca come capim, então rola a bola na grama!".


Foi sendo simples que Pixinguinha e Braguinha fizeram Carinhoso, e Ravel compôs seu indescritível Bolero. Foi sendo drasticamente simples que Cartola e Dorival Caymmi tornaram-se simplesmente Cartola e Dorival Caymmi. "Eu vim de lá pequenininho", garantiu precisa dona Ivone Lara.


Belchior disse "me abrace e me beije bem devagar". Caetano disse "Tempo, tempo, tempo", e Gil disse só "Tempo rei", todos acometidos de vertiginosa simplicidade. E foi também de modo muito simples que, sem ser simplório, meu pai, seu Marciano, cunhou a frase lapidar, passando um cafezinho: "a melhor maneira docê não resolver um problema é ômentá bastante ele".


Sigamos simples. Como? Ora, aguando uma planta, costurando uma meia, apagando as luzes que você não é sócio da Light, cozinhando o feijão e requentando o mexido. Cumprindo os contratos dentro do que deles é possível ainda cumprir, girando suficientemente os pratinhos chineses da felicidade estampada quando eles dão aquela entortada na haste nos avisando que estão prestes a cair.


Fique simples. Não trivial, elementar, ma naturalmente Simples. Não banal, tosco, rude, simplezinho. Não. Simples. Simples com a imensa complexidade do poeta cubano Silvio Rodrigues, cantando “como el musguito en la piedra, si, si, si”.


Não diga nada. O que, em si, repara, é algo extraordinário, o melhor começo para a simpatia, o silêncio. E, o que pode ser ainda mais simples do que dizer Bom dia, simplesmente sorria. E só. E pronto. Sem encher o saco de ninguém.


Vigie, preserve bravamente a simplicidade, que é a alma dos puros, a arma fria dos imperturbáveis e o segredo dos amantes. Lute por ela. Vivamos com o orgulho mais austero, com a vaidade no modo mais espartano, a imodéstia no osso mesmo da existência, o hedonismo na conta do chá: café com leite, pão com manteiga; água de bilha em copo lagoinha, simples assim.


Rode em baixa resolução, carregue a partícula pixel do ar lentamente, ouvindo a sua própria respiração como se estivesse num mergulho com cilindro. Sobreviva, sóbrio e de pé, mãos espalmadas, quase nu, despojado de tudo, olhando no outro e sabendo com ele agora o momento mais doido e doído desse nosso Planeta.


Nessa crise, eu garanto a você, vai por mim: chão de terra batida, parede caiada. Estar vivo e razoavelmente lúcido sem revestimentos é muito mais legal do que ser feliz, essa abstração um tanto confusa e pretensiosa, coisa feita para tempos menos duros.



Pilriteiro, abronceiro, branca-espinha, cambrulheiro, combroeiro, corníolo, escalheiro, escambrulheiro, estrapoeiro, estrepeiro, pilrito, pirliteiro. Esta espécie, também conhecido como espinha-branca, espinheiro-alvar, espinheiro-branco, espinheiro-ordinário,





Em Portugal, o pilriteiro é também conhecido como abronceiro, branca-espinha, cambrulheiro, combroeiro, corníolo, escalheiro, escambrulheiro, estrapoeiro, estrepeiro, pilrito, pirliteiro.

Esta espécie, também conhecido como espinha-branca, espinheiro-alvar, espinheiro-branco, espinheiro-ordinário, por ter espinhos longos e aguçados que surgem axilas das folhas

Crataegus monogyna

Crataegus monogyna

Classificação científica

Reino: Plantae

Clado: angiospérmicas

Clado: eudicotiledóneas

Clado: rosídeas

Ordem: Rosales

Família: Rosaceae

Género: Crataegus

Espécie: C. monogyna

Nome binomial

Crataegus monogyna

Jacq.

A designação científica desta espécie deve-se à robustez da planta, em particular da sua madeira, e ao facto de as suas flores terem apenas um pistilo. O nome do género crataegus provém do grego krataios – que significa forte, robusto e monogyna deriva também do grego mono- (único) e de –gyne (feminino), que significa “flor com apenas 1 pistilo”. O pistilo é a parte feminina de uma flor.

Ele é de facto bastante resistente e robusto e pode viver até 500 anos de idade.

Na Grécia antiga simbolizava esperança no amor e felicidade conjugal. Anualmente, em Maio, mês da purificação, os casais ofereciam ramos floridos de pilriteiro à Deusa Maia como forma de agradecimento. Segundo a mitologia romana, consta que o cabo da lança de Rómulo era feito de madeira desta planta. A cultura Celta também reconhecia o seu valor sagrado e era tradição pedir-lhe autorização antes de lhe cortar um ramo.


No Cristianismo, diz-se que a coroa de espinhos de Jesus era composta por ramos de pilriteiro. Daí que em muitas regiões portuguesas seja tradição que se coloquem ramos desta planta nas portas, do lado de fora das casas, para proteção em dias de tempestade e de trovoada, para defender e proteger os seus moradores e os seus bens, pois diz-se que tudo aquilo que tocou Cristo nos protege.

Fonte: wikipedia 


CASA EXAUSTA :: Marcílio Godoi

  Tiramos o sábado pra trocar umas lâmpadas fazer pequenos reparos pela casa as torneiras com coriza e a instalação de bienal em nossos armá...