13 de mai. de 2015

Os Amantes :: Julio Cortazar

HUNDERTWASSER, FRIEDENSREICH

Quem os vê andar pela cidade
se todos estão cegos?
Eles se tomam as mãos: algo fala 
entre seus dedos, línguas doces 
lambem a úmida palma, correm pelas falanges, 
e acima a noite está cheia de olhos. 

São os amantes, sua ilha flutua à deriva 
rumo a mortes na relva, rumo a portos 
que se abrem nos lençóis. 
Tudo se desordena por entre eles,
tudo encontra seu signo escamoteado;
porém eles nem mesmo sabem
que enquanto rodam em sua amarga arena
há uma pausa na criação do nada
o tigre é um jardim que brinca.

Amanhece nos caminhões de lixo,
começam a sair os cegos,
o ministério abre suas portas.
Os amantes cansados se fitam e se tocam
uma vez mais antes de haurir o dia.

Já estão vestidos, já se vão pela rua.
E só então,
quando estão mortos, quando estão vestidos,
é que a cidade os recupera hipócrita
e lhes impõe os seus deveres quotidianos.


Tradução de José Jeronymo Rivera

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