Dürer
— Você é bom sujeito, mas é atrabiliário! — ela me tascou essa na cara, no centro da discussão. Sem ação, confesso que fiquei confuso, mas não ia dar o braço a torcer ali, confessando-me um idiota, bem na hora da briga.
Na minha cabeça eu rodava os escaninhos, tentando acessar o dicionário dos termos em desuso, ou, sei lá, as provectas sentenças dos provérbios de meus avós. Nada. Atrabiliário parecia ser uma coisa atrapalhada: estaria ela me chamando de palhaço ou me acusando de ter pouca agilidade com as mãos?
O silêncio que se expandia após a misteriosa palavra que ela me atirou nas fuças me deixava ainda mais nervoso, seria atrabiliário uma profissão nova do mercado imobiliário? Ou seria aquele tipo de gente que sempre chega atrasada aos compromissos?
Cocei o pé da orelha, o que, para alguém que me conhece, indica que eu estava fundindo a cuca. Mas como ela pouco de mim soubesse, pensei que eu ainda tinha alguns segundos para imaginar o que em mim, afinal, ela tanto reprovava.
Já sei! Acho que pode ser uma pessoa que atrai ou tropeça nos móveis, ou tem lembrança fraca das datas de aniversário. Não. Nada disso. Na hora não me ocorreu as óbvias duas sílabas de “bílis” que estavam escondidas ali. E que queriam dizer, não precisa mais ir ao Google, caro leitor, que eu era um cara melancólico, a bile negra, o suco biliar, lembra?, ou seja, triste, deprimido, baixo astral…
Posso ser atrabiliário, mas tenho lá os meus salamaleques na manga. Na hora saquei do fundo do baú uma solução improvisada do arco das minhas vetustas bisas. E mandei essa:
— Ora, se isso não é só mais uma filáucia tua, só pode ser uma carraspana!
Ela, que nessas plagas do orgulho semântico se parece muito comigo, sentiu o golpe. Olhou pra cima como quem caçasse um passarinho verde e aluiu. Depois levou alguns outros segundos pra se aprumar no eixo e me respondeu, bufando:
— Pois, sim! Acho melhor a gente parar por aqui. — E eu:
— Ora, pois sim, eu também acho!
E a gente, desaforada e bufando cada um no seu canto, se aquietou.
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