14 de set. de 2016

A verdadeira elegância :: Clarice Lispector



Megan Hess
Disse alguém que a verdadeira elegância não é sequer notada. Não andemos tão longe. Mas é necessário convir que não é pela atenção que se chama que se pode avaliar elegância. De fato, muitas mulheres crêem que, quanto mais jóias, mais bela ficarão. Não saber parar de se enfeitar é como não saber parar de comer. Só que, na elegância, a indigestão é dos olhos.
Não use roupas que a incomodam. Por mais belas que sejam, ao fim de algum tempo, prejudicarão a graça dos gestos, a naturalidade, dando um ar “endomingado” a quem as use. Quem pode sorrir espontaneamente quando a cinta está tão apertada que quase tira folêgo?
De que adianta estar com um vestido bonito, se você ficar puxando a saia ou endireitando a gola ou acertando o cinto ou alisando as pregas, ou, ou, ou, etc. Um dos melhores modos de usar bem um vestido é, depois de vesti-lo, esquecer-se dele.
A mulher usa roupas que lhe assentam. Mas deve também adaptar-se às roupas que usa. Por exemplo: que acha de uma jovem em vestido de noite, caminhando com passadas de quem está jogando tênis? Ou que pensa você de uma criatura vestida com saia e blusa a atravessar uma rua como se arrastasse uma longa cauda de vestido?
 In: Correio Feminino

11 de set. de 2016

Dan-ah Kim ( Seoul, Coréia)















Amar :: Carlos Drummond de Andrade



Que pode uma criatura senão,

Entre criaturas, amar?

Amar e esquecer, amar e malamar,

Amar, desamar, amar?

Sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,

Sozinho, em rotação universal, senão

Rodar também, e amar?

Amar o que o mar traz à praia,

O que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,

É sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,

O que é entrega ou adoração expectante,

E amar o inóspito, o áspero,

Um vaso sem flor, um chão de ferro,

E o peito inerte, e a rua vista em sonho,

E uma ave de rapina.

Este o nosso destino: Amor sem conta,

Distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,

Doação ilimitada a uma completa ingratidão,

E na concha vazia do amor à procura medrosa,

Paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor,

E na secura nossa, amar a água implícita,

E o beijo tácito, e a sede infinita.

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...