Anita Malfatti - Bem-aventurança (os pacificadores)
Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
30 de dez. de 2011
"Ensaio sobre a Cegueira" de Contardo Calligaris
No "Ensaio sobre a Cegueira" (de Meirelles e de Saramago), diferente do que acontece em muitas narrativas apocalípticas, a heroína é uma mulher, e as mulheres são as depositárias da esperança; elas saem engrandecidas pelas provas da situação extrema.
São elas que, para o bem de todos, entregam-se aos estupradores, aviltando não elas mesmas mas os que as violentam, com uma coragem que salienta a covardia dos maridos ciumentos ou zelosos de sua "honra". São elas que sabem cuidar de uma criança ou matar quando é preciso. São elas que reinventam a amizade (em cenas memoráveis: a das mulheres lavando o corpo da companheira espancada à morte e a das mulheres no chuveiro).
Aviso, caso, um dia, a gente tenha que recomeçar tudo do zero: em geral, as mulheres sabem, melhor do que os homens, o que é essencial na vida.
São elas que, para o bem de todos, entregam-se aos estupradores, aviltando não elas mesmas mas os que as violentam, com uma coragem que salienta a covardia dos maridos ciumentos ou zelosos de sua "honra". São elas que sabem cuidar de uma criança ou matar quando é preciso. São elas que reinventam a amizade (em cenas memoráveis: a das mulheres lavando o corpo da companheira espancada à morte e a das mulheres no chuveiro).
Aviso, caso, um dia, a gente tenha que recomeçar tudo do zero: em geral, as mulheres sabem, melhor do que os homens, o que é essencial na vida.
Folha de São Paulo, quinta-feira, 18 de setembro de 2008
29 de dez. de 2011
A lua no cinema de Paulo Leminski
A lua foi ao cinema,
passava um filme engraçado,
a história de uma estrela
que não tinha namorado.
Não tinha porque era apenas
uma estrela bem pequena,
dessas que, quando apagam,
ninguém vai dizer, que pena!
Era uma estrela sozinha,
ninguém olhava pra ela,
e toda a luz que ela tinha
cabia numa janela.
A lua ficou tão triste
com aquela história de amor,
que até hoje a lua insiste:
- Amanheça, por favor!
28 de dez. de 2011
Poemas de Amor de Pablo Neruda,
Amor de Gustav Klimt , 1895
Pero
si cada día,
cada hora
sientes que a mí estás destinada
con dulzura implacable.
Si cada día sube
una flor a tus labios a buscarme,
ay amor mío, ay mía,
en mí todo ese fuego se repite,
en mí nada se apaga ni se olvida,
mi amor se nutre de tu amor, amada,
y mientras vivas estará en tus brazos
sin salir de los míos.
si cada día,
cada hora
sientes que a mí estás destinada
con dulzura implacable.
Si cada día sube
una flor a tus labios a buscarme,
ay amor mío, ay mía,
en mí todo ese fuego se repite,
en mí nada se apaga ni se olvida,
mi amor se nutre de tu amor, amada,
y mientras vivas estará en tus brazos
sin salir de los míos.
Porém
se todos os dias,
a toda a hora,
te sentes destinada a mim
com doçura implacável,
se todos os dias uma flor
uma flor te sobe aos lábios à minha procura,
ai meu amor, ai minha amada,
em mim todo esse fogo se repete,
em mim nada se apaga nem se esquece,
o meu amor alimenta-se do teu amor,
e enquanto viveres estará nos teus braços
sem sair dos meus.
Casamento: Expectativas extravagantes de João Pereira Coutinho
Casamentos combinados? Nada contra. Mas existem combinações e combinações. Conhecer a noiva ainda no berço não é a ideia perfeita de romantismo. Casar com ela durante a infância também não.
Mas confesso inveja pelos indígenas de Tikopia, uma pequena ilha do Pacífico, onde as combinações matrimoniais impostas pela tribo admitem um período de conhecimento e, digamos, "experimentação". Se as coisas não resultarem, nenhum drama: é hora de tentar uma nova combinação.
É nessas alturas que uma pessoa pensa nas desvantagens de viver no Ocidente pós-moderno, onde estamos por nossa conta e risco na busca da princesa encantada. E tanto esforço, e tanta despesa, e tanta angústia para quê?
Vivesse eu em Tikopia e poderia estar tranquilamente em casa, lendo e escrevendo, enquanto a tribo procurava fêmea compatível para mim. Quando a encontrasse, era só bater na minha porta e eu receberia a noiva do mês para o respectivo período de conhecimento e "experimentação". Haverá coisa mais civilizada?
Paul Hollander não se pronuncia. Mas o seu "Extravagant Expectations", onde conheci os tikopianos, é um dos meus livros de 2011. Hollander, como estudioso dos regimes totalitários do século 20, dispensa apresentações.
Só que, dessa vez, o sociólogo americano resolveu fazer uma pausa nas suas trincheiras para investigar como amam os americanos. O que procuram eles na cara metade. E por qual motivo se desiludem tão rapidamente com o parceiro.
Essas perguntas exigiram "trabalho de campo": Hollander mergulhou nos classificados pessoais de relacionamento; consultou sites de encontros na internet; e leu a bibliografia popular e a acadêmica sobre o assunto.
Conclusão: a crise das relações modernas está, como o título indica, nas "expectativas extravagantes" que os americanos -e, desconfio, os ocidentais em geral- transportam para o matrimônio.
Na conjugalidade, o casal não conhece limites em seus desejos contraditórios. Reclama doses homéricas de paixão e de razão; de aventura permanente mas também de segurança permanente; de estabilidade emocional e de excitação emocional; de beleza física e de intelecto apurado.
Haverá relação que aguente o peso dessas expectativas?
Dificilmente. Mas o interesse do livro de Paul Hollander está sobretudo na explicação genética das "expectativas extravagantes". Que, obviamente, seriam incompreensíveis para nossos antepassados.
E seriam incompreensíveis porque a dimensão "romântica" do casamento é recente na história do Ocidente: tradicionalmente, as relações entre homens e mulheres eram tuteladas por "agentes intermediários", a começar pela família, que proviam e promoviam essas relações. Os "sentimentos" das partes envolvidas não eram os argumentos mais preponderantes.
O romantismo próprio da modernidade acabaria por enterrar esse mundo, atribuindo ao indivíduo (e ao "sentimento") a construção do seu destino "autêntico".
E, claro, acabou também por determinar o recuo da família, da tradição e mesmo da religião. Não apenas como "agentes intermediários"; mas também como fontes válidas de conhecimento ou consolação.
O problema, escreve Hollander, é que esse recuo não significou o fim das carências -espirituais, éticas, intelectuais- que continuam a pulsar na natureza humana. E que são agora transplantadas pelo indivíduo socialmente isolado para dentro da sua privacidade.
Hoje, os ocidentais desejam que as relações íntimas possam suprir todas as exigências que anteriormente estavam repartidas por várias esferas da sociedade.
Azar: o casamento não comporta essas exigências múltiplas e contraditórias. A pessoa com quem casamos não consegue reunir as qualidades perfeitas de amante, amigo, confessor, professor, guia turístico, estátua grega e terapeuta. No Ocidente pós-moderno, a taxa de divórcio não para de subir. Brasil incluso. Um cínico diria que o fenômeno tem explicação simples: as pessoas divorciam-se porque podem.
Mas é possível oferecer uma explicação alternativa: as pessoas divorciam-se porque casam. E não há casamento que resista quando se exige dele tudo e o seu contrário.
Folha de São Paulo, terça-feira, 27 de dezembro de 2011
Mas confesso inveja pelos indígenas de Tikopia, uma pequena ilha do Pacífico, onde as combinações matrimoniais impostas pela tribo admitem um período de conhecimento e, digamos, "experimentação". Se as coisas não resultarem, nenhum drama: é hora de tentar uma nova combinação.
É nessas alturas que uma pessoa pensa nas desvantagens de viver no Ocidente pós-moderno, onde estamos por nossa conta e risco na busca da princesa encantada. E tanto esforço, e tanta despesa, e tanta angústia para quê?
Vivesse eu em Tikopia e poderia estar tranquilamente em casa, lendo e escrevendo, enquanto a tribo procurava fêmea compatível para mim. Quando a encontrasse, era só bater na minha porta e eu receberia a noiva do mês para o respectivo período de conhecimento e "experimentação". Haverá coisa mais civilizada?
Paul Hollander não se pronuncia. Mas o seu "Extravagant Expectations", onde conheci os tikopianos, é um dos meus livros de 2011. Hollander, como estudioso dos regimes totalitários do século 20, dispensa apresentações.
Só que, dessa vez, o sociólogo americano resolveu fazer uma pausa nas suas trincheiras para investigar como amam os americanos. O que procuram eles na cara metade. E por qual motivo se desiludem tão rapidamente com o parceiro.
Essas perguntas exigiram "trabalho de campo": Hollander mergulhou nos classificados pessoais de relacionamento; consultou sites de encontros na internet; e leu a bibliografia popular e a acadêmica sobre o assunto.
Conclusão: a crise das relações modernas está, como o título indica, nas "expectativas extravagantes" que os americanos -e, desconfio, os ocidentais em geral- transportam para o matrimônio.
Na conjugalidade, o casal não conhece limites em seus desejos contraditórios. Reclama doses homéricas de paixão e de razão; de aventura permanente mas também de segurança permanente; de estabilidade emocional e de excitação emocional; de beleza física e de intelecto apurado.
Haverá relação que aguente o peso dessas expectativas?
Dificilmente. Mas o interesse do livro de Paul Hollander está sobretudo na explicação genética das "expectativas extravagantes". Que, obviamente, seriam incompreensíveis para nossos antepassados.
E seriam incompreensíveis porque a dimensão "romântica" do casamento é recente na história do Ocidente: tradicionalmente, as relações entre homens e mulheres eram tuteladas por "agentes intermediários", a começar pela família, que proviam e promoviam essas relações. Os "sentimentos" das partes envolvidas não eram os argumentos mais preponderantes.
O romantismo próprio da modernidade acabaria por enterrar esse mundo, atribuindo ao indivíduo (e ao "sentimento") a construção do seu destino "autêntico".
E, claro, acabou também por determinar o recuo da família, da tradição e mesmo da religião. Não apenas como "agentes intermediários"; mas também como fontes válidas de conhecimento ou consolação.
O problema, escreve Hollander, é que esse recuo não significou o fim das carências -espirituais, éticas, intelectuais- que continuam a pulsar na natureza humana. E que são agora transplantadas pelo indivíduo socialmente isolado para dentro da sua privacidade.
Hoje, os ocidentais desejam que as relações íntimas possam suprir todas as exigências que anteriormente estavam repartidas por várias esferas da sociedade.
Azar: o casamento não comporta essas exigências múltiplas e contraditórias. A pessoa com quem casamos não consegue reunir as qualidades perfeitas de amante, amigo, confessor, professor, guia turístico, estátua grega e terapeuta. No Ocidente pós-moderno, a taxa de divórcio não para de subir. Brasil incluso. Um cínico diria que o fenômeno tem explicação simples: as pessoas divorciam-se porque podem.
Mas é possível oferecer uma explicação alternativa: as pessoas divorciam-se porque casam. E não há casamento que resista quando se exige dele tudo e o seu contrário.
Folha de São Paulo, terça-feira, 27 de dezembro de 2011
27 de dez. de 2011
Nome cientifico: Lagerstroemia indica
Origem: Ásia, Índia e Austrália Porte: até 15m
Flores: inflorescências agrupadas em cachos com flores rosadas que nascem durante o verão
Cultivo: em jardins amplos como exemplar isolado
Solo: rico em matéria orgânica clima: quente e úmido Luminosidade: sol pleno
Irrigação: periódica Dificuldade de cultivo: fácil
O resedá é uma planta da família Terraceadeira, nativa da República Popular da China e Índia. A espécie foi introduzida nos Estados Unidos em 1790 pelo botânico Andre Michaux, e é cultivada hoje em dia como árvore ornamental.
Despedidas de Débora Siqueira Bueno
No tempo de espera,
escrevia em pensamento longas cartas.
A cada um de meus filhos,
o justo conselho e recomendação:
Não se esqueça –
do seu valor
do meu amor
Dezembro de Carlos Drummond de Andrade
Quem me acode à cabeça e ao coração
neste fim de ano, entre alegria e dor?
Que sonho, que mistério, que oração?
Amor.
(Dezembro de 1985)
Texto extraído do "Jornal do Brasil", Dezembro/1997.
26 de dez. de 2011
"Autobiografia" de Hélio Pellegrino
Em sua "Autobiografia" Hélio Pellegrino fala do incidente que motivou essa decisão ( pela área da medicina psiquiátrica) em 1943 :
"...Lembro-me de uma aula de fisiologia nervosa, no segundo ano. O doente, com tabes dorsal, ao centro do anfiteatro escolar, era um velhinho miúdo, ex-marinheiro, vestido com o uniforme da Santa Casa, onde estava internado. Suas pernas, hipotônicas, atrofiadas, pendiam da mesa de exame como molambos inertes. Jamais me sairá da memória o antigo lobo-do-mar, exilado das vastidões marítimas, feito coisa, diante de nós. Suas andanças pelo mundo, seus amores em cada porto ficavam reduzidos, em termo de anamnese, a um contágio venéreo ocorrido décadas atrás. O velhinho, contrafeito, engrolava o seu depoimento, fustigado pelos gritos de — "fala mais alto!" —com que buscávamos saciar nosso zelo científico. De repente, o desastre. Sem controle esfincteriano, o velho urinou-se na roupa, em pleno centro do mundo. Vejo-o, pequenino, curvado para a frente, tentando esconder com as mãos a umidade ultrajante. Seu pudor, entretanto, nada tinha a ver com a ciência neurológica. Esta lavrara um tento de gala, e o sintoma foi saudado com ruidosa alegria, como um goal decisivo na partida que ali se travava contra a sífilis nervosa.
O velho ficou esquecido como um atropelado na noite. A aula prosseguiu, brilhantemente ilustrada. Os reflexos e a sensibilidade cutânea do paciente foram pesquisado com maestria. Agulhas e martelos tocavam sua carne — esta carne revestida de infinita dignidade, que um dia ressurgirá na Hora do Juízo. Meu colega Elói Lima percebeu, juntamente comigo, o acontecimento espantoso. "O marinheiro está chorando" — me disse. Fomos três a chorar.
Entre lágrima e urina, nasceu-me o desejo de me dedicar à psiquiatria. O choro do velho, seu desamparo, sua figura engrouvinhada sobre a qual parecia ter-se abatido todo o inverno do mundo, tudo me surgiu de repente como o grande tema de meditação, a partir de cuja importância poderia eu, quem sabe, encontrar um caminho. ...".
Ainda nesse ano, viaja a São Paulo com Fernando Sabino, onde conhece Mário de Andrade. Começam uma correspondência que durou até a morte de Mário, em fevereiro de 1945.
fonte: http://www.releituras.com/helpellegri_bio.asp
"...Lembro-me de uma aula de fisiologia nervosa, no segundo ano. O doente, com tabes dorsal, ao centro do anfiteatro escolar, era um velhinho miúdo, ex-marinheiro, vestido com o uniforme da Santa Casa, onde estava internado. Suas pernas, hipotônicas, atrofiadas, pendiam da mesa de exame como molambos inertes. Jamais me sairá da memória o antigo lobo-do-mar, exilado das vastidões marítimas, feito coisa, diante de nós. Suas andanças pelo mundo, seus amores em cada porto ficavam reduzidos, em termo de anamnese, a um contágio venéreo ocorrido décadas atrás. O velhinho, contrafeito, engrolava o seu depoimento, fustigado pelos gritos de — "fala mais alto!" —com que buscávamos saciar nosso zelo científico. De repente, o desastre. Sem controle esfincteriano, o velho urinou-se na roupa, em pleno centro do mundo. Vejo-o, pequenino, curvado para a frente, tentando esconder com as mãos a umidade ultrajante. Seu pudor, entretanto, nada tinha a ver com a ciência neurológica. Esta lavrara um tento de gala, e o sintoma foi saudado com ruidosa alegria, como um goal decisivo na partida que ali se travava contra a sífilis nervosa.
O velho ficou esquecido como um atropelado na noite. A aula prosseguiu, brilhantemente ilustrada. Os reflexos e a sensibilidade cutânea do paciente foram pesquisado com maestria. Agulhas e martelos tocavam sua carne — esta carne revestida de infinita dignidade, que um dia ressurgirá na Hora do Juízo. Meu colega Elói Lima percebeu, juntamente comigo, o acontecimento espantoso. "O marinheiro está chorando" — me disse. Fomos três a chorar.
Entre lágrima e urina, nasceu-me o desejo de me dedicar à psiquiatria. O choro do velho, seu desamparo, sua figura engrouvinhada sobre a qual parecia ter-se abatido todo o inverno do mundo, tudo me surgiu de repente como o grande tema de meditação, a partir de cuja importância poderia eu, quem sabe, encontrar um caminho. ...".
Ainda nesse ano, viaja a São Paulo com Fernando Sabino, onde conhece Mário de Andrade. Começam uma correspondência que durou até a morte de Mário, em fevereiro de 1945.
fonte: http://www.releituras.com/helpellegri_bio.asp
Que é mais sagrado, se a morte, se a vida de José Saramago
Quanto ao que é mais sagrado, se a morte, se a vida, respondo que a vida. Mas nem toda a gente estará de acordo: a prova é que dar um pontapé a um vivo não suscitará qualquer advertência sobre o sagrado da vida, ao passo que tê-lo dado a um morto provocaria logo o protesto: "Tenha vergonha! A morte é sagrada!..." José Saramago
25 de dez. de 2011
Ganhei os campos de trigo de Saint-Exupéry
imagem: Moça no trigal, Eliseu Visconti, 1913
.” Aconteceu então que o Pequeno Príncipe cativou a raposa. O tempo passou e chegou um dia em que ele disse à raposa:
“– Preciso ir...”
A raposa disse: “– Vou chorar...”
“Não é culpa minha. Eu não queria cativar você. E agora você vai chorar... O que é que você ganhou com isso?”
“– Ganhei os campos de trigo”, disse a raposa.
“– Como assim?”, perguntou o Pequeno Príncipe sem entender.
“Eu sou uma raposa. Eu como galinhas, não como trigo. Os campos de trigo não me comovem. Mas porque você me cativou eu amarei os campos de trigo. O seu cabelo é louro. Os campos de trigo são dourados. Assim, quando o vento bater nos campos de trigo eu me lembrarei de você e sorrirei...”
24 de dez. de 2011
O Evangelho segundo Jesus Cristo de José Saramago
Sandro Botticelli - The Cestello Annunciation c. 1489
“Dizer um anjo que não é anjo de perdões, ou nada significa, ou significa demasiado, vamos por hipótese, que é anjo das condenações, é como se exclamasse, Perdoar, eu, que ideia estúpida, eu não perdoo, castigo. Mas os anjos, por definição, tirando aqueles querubins de espada flamejante que foram postos pelo Senhor a guardar o caminho da árvore da vida para que não voltassem pelos frutos dela os nossos primeiros pais, ou os seus descendentes, que somos nós, os anjos, íamos dizendo, não são polícias, não se encarregam das sujas mas socialmente necessárias tarefas de repressão, os anjos existem para tornar-nos a vida mais fácil, amparam-nos quando vamos a cair ao poço, guiam-nos no perigoso passo da ponte sobre o precipício, puxam-nos pelo braço quando estamos quase a ser atropelados por uma quadriga sem freio ou por um automóvel sem travões. Um anjo realmente merecedor de Jesus (...)”
23 de dez. de 2011
"O presente é uma linha ténue" de José Saramago
José Saramago: Quando cito aquela frase de Croce que diz que "toda a História é História contemporânea", quero dizer, à minha maneira, que tudo o que sucedeu está a suceder, que todos os mortos estão vivos, que não somos nada sem eles. O presente é uma linha ténue que se desloca ininterruptamente para o que chamamos futuro, ou talvez um "eixo" móvel sobre o qual o tempo vai rolando, segundo a segundo. Ou página a página.
Entrevistador: Se, como escreve, "contra a morte não se pode fazer nada", por que é que "um Cemitério é como uma espécie de biblioteca onde o lugar dos livros se encontrasse ocupado por pessoas enterradas"?
José Saramago: É certo que, objectivamente, nada podemos contra a morte. Mas a memória, a memória "sobrevivente", faz pairar, sobre a morte, a vida. Muitas vezes se chamou a uma biblioteca não consultada cemitério de livros. É a primeira vez, suponho, que alguém teve a ideia de chamar a um cemitério biblioteca de pessoas. Tudo está em consultar ou não a biblioteca, qualquer que ela seja. A memória, quero dizer.
In: In PÚBLICO de 25 de Outubro de 1997 "O presente é uma linha ténue" Por Carlos Câmara Leme
O sentido faz falta? de Contardo Calligaris
É uma queixa frequente: o mundo e a vida fazem pouco sentido -muito menos sentido do que antigamente, completam os saudosistas. Nas famílias, às vezes, essa queixa produz uma espécie de pingue-pongue. Os pais acham que os filhos adolescentes vivem por inércia, sem rumo e projeto: "Eles não estão a fim de nada que preste, não têm uma causa, uma visão de futuro".
Os filhos, confrontados com essa preocupação dos pais, declaram que, se precisassem mesmo de um sentido para viver, certamente não é com os pais que eles o aprenderiam: "Mas qual sentido gostariam que eu escolhesse para minha vida, se a vida deles não tem nenhum?". Nesse diálogo, o sentido parece ser sempre o que falta na vida dos outros que criticamos.
Também existem indivíduos (adolescentes e adultos) que se queixam da falta de sentido em sua própria vida: "Viver para quê? Todo o mundo vai morrer de qualquer jeito; que sentido tem?".
Geralmente, ao procurar responder a essas constatações desconsoladas, amigos, parentes e terapeutas agem como os pais que mencionei antes: querem injetar uma causa, uma visão de futuro na vida de quem lhes parece ter perdido o rumo "necessário" para viver.
Agora, eu não estou convencido de que, para viver, seja necessário que a vida tenha um sentido. Quando alguém se queixa de que sua vida é sem sentido, não tento interessá-lo em grandes razões para viver. Prefiro perguntar (para ele e para mim mesmo) de onde surge tamanha necessidade de um sentido. É curioso que, para alguns, a existência precise de uma justificação, de uma razão, de uma causa, de uma visão de futuro.
Em regra, essa necessidade de justificar a vida se impõe quando a própria vida não se basta mais. Ou seja, é quando os gestos cotidianos perdem sua graça que surge a obrigação de fundamentar a vida por outra coisa do que ela mesma.
Nota clínica: a depressão não é o mal de quem teria perdido (ou nunca achado) uma grande razão para viver. Depressão é ter perdido (ou nunca encontrado) o encanto do cotidiano. Por consequência, tentar "curar" a depressão de um adolescente propondo-lhe militância política ou fé religiosa é nocivo: se a gente conseguir capturá-lo num grande projeto, esse mesmo projeto o afastará ainda mais da trivialidade do dia a dia, cujo encanto ele perdeu.
Resumindo, quando alguém se queixa de que a vida não tem sentido, o problema não é ajudá-lo a encontrar o tal sentido da vida, mas ajudá-lo a descobrir que a vida se justifica por si só, que ela pode ser seu próprio sentido.
A cultura moderna poderia ser dividida em dois grandes blocos (que não coincidem com as tradicionais divisões de esquerda vs. direita etc.): os que pensam que o sentido da vida não está na própria experiência de viver (mas na espera de um além, num projeto histórico etc.), e os que pensam que a experiência de viver, por mais transitória que seja, é todo o sentido do qual precisamos (nota: a psicanálise, inesperadamente, está nesse segundo grupo, por constatar que a gente sofre mais frequente e gravemente pelo excesso do que pela falta de um sentido).
Alguém dirá que, com o declínio das utopias políticas e algum avanço (talvez) do pensamento laico, o sentido da vida está em baixa. Em suma, eu estaria chutando um cachorro morto.
Não concordo: talvez a própria crise das utopias e de algumas religiões instituídas esteja reavivando uma espiritualidade que tenta sacralizar o mundo, prometendo, no mínimo, sentidos ocultos.
O esoterismo "new age" nos garante que a vida tem um sentido misterioso, que a gente nem precisa saber qual é. Melhor assim, não é? Acabo de ler um breve (e delicioso) ensaio do filósofo italiano Giorgio Agamben, "La Ragazza Indicibile" (a moça indizível, Electa, 2010). Agambem (retomando um ensaio de Jung e Kerényi, de 1941, sobre Koré, a moça sagrada -Perséfone na mitologia clássica) mostra que os mistérios de Eleusis (que são os grandes ascendentes do esoterismo ocidental) de fato não revelavam nenhum grande sentido escondido das coisas e da vida -a não ser talvez o sentido de uma risada diante do pouco sentido do mundo.
Ele conclui com a ideia de que podemos e talvez devamos "viver a vida como uma iniciação. Mas uma iniciação ao quê? Não a uma doutrina, mas à própria vida e à sua ausência de mistério".
Filha de São Paulo, quinta-feira, 06 de outubro de 2011
Os filhos, confrontados com essa preocupação dos pais, declaram que, se precisassem mesmo de um sentido para viver, certamente não é com os pais que eles o aprenderiam: "Mas qual sentido gostariam que eu escolhesse para minha vida, se a vida deles não tem nenhum?". Nesse diálogo, o sentido parece ser sempre o que falta na vida dos outros que criticamos.
Também existem indivíduos (adolescentes e adultos) que se queixam da falta de sentido em sua própria vida: "Viver para quê? Todo o mundo vai morrer de qualquer jeito; que sentido tem?".
Geralmente, ao procurar responder a essas constatações desconsoladas, amigos, parentes e terapeutas agem como os pais que mencionei antes: querem injetar uma causa, uma visão de futuro na vida de quem lhes parece ter perdido o rumo "necessário" para viver.
Agora, eu não estou convencido de que, para viver, seja necessário que a vida tenha um sentido. Quando alguém se queixa de que sua vida é sem sentido, não tento interessá-lo em grandes razões para viver. Prefiro perguntar (para ele e para mim mesmo) de onde surge tamanha necessidade de um sentido. É curioso que, para alguns, a existência precise de uma justificação, de uma razão, de uma causa, de uma visão de futuro.
Em regra, essa necessidade de justificar a vida se impõe quando a própria vida não se basta mais. Ou seja, é quando os gestos cotidianos perdem sua graça que surge a obrigação de fundamentar a vida por outra coisa do que ela mesma.
Nota clínica: a depressão não é o mal de quem teria perdido (ou nunca achado) uma grande razão para viver. Depressão é ter perdido (ou nunca encontrado) o encanto do cotidiano. Por consequência, tentar "curar" a depressão de um adolescente propondo-lhe militância política ou fé religiosa é nocivo: se a gente conseguir capturá-lo num grande projeto, esse mesmo projeto o afastará ainda mais da trivialidade do dia a dia, cujo encanto ele perdeu.
Resumindo, quando alguém se queixa de que a vida não tem sentido, o problema não é ajudá-lo a encontrar o tal sentido da vida, mas ajudá-lo a descobrir que a vida se justifica por si só, que ela pode ser seu próprio sentido.
A cultura moderna poderia ser dividida em dois grandes blocos (que não coincidem com as tradicionais divisões de esquerda vs. direita etc.): os que pensam que o sentido da vida não está na própria experiência de viver (mas na espera de um além, num projeto histórico etc.), e os que pensam que a experiência de viver, por mais transitória que seja, é todo o sentido do qual precisamos (nota: a psicanálise, inesperadamente, está nesse segundo grupo, por constatar que a gente sofre mais frequente e gravemente pelo excesso do que pela falta de um sentido).
Alguém dirá que, com o declínio das utopias políticas e algum avanço (talvez) do pensamento laico, o sentido da vida está em baixa. Em suma, eu estaria chutando um cachorro morto.
Não concordo: talvez a própria crise das utopias e de algumas religiões instituídas esteja reavivando uma espiritualidade que tenta sacralizar o mundo, prometendo, no mínimo, sentidos ocultos.
O esoterismo "new age" nos garante que a vida tem um sentido misterioso, que a gente nem precisa saber qual é. Melhor assim, não é? Acabo de ler um breve (e delicioso) ensaio do filósofo italiano Giorgio Agamben, "La Ragazza Indicibile" (a moça indizível, Electa, 2010). Agambem (retomando um ensaio de Jung e Kerényi, de 1941, sobre Koré, a moça sagrada -Perséfone na mitologia clássica) mostra que os mistérios de Eleusis (que são os grandes ascendentes do esoterismo ocidental) de fato não revelavam nenhum grande sentido escondido das coisas e da vida -a não ser talvez o sentido de uma risada diante do pouco sentido do mundo.
Ele conclui com a ideia de que podemos e talvez devamos "viver a vida como uma iniciação. Mas uma iniciação ao quê? Não a uma doutrina, mas à própria vida e à sua ausência de mistério".
Filha de São Paulo, quinta-feira, 06 de outubro de 2011
22 de dez. de 2011
Semente de Débora Siqueira Bueno
tem destino a morte,
com a minha escrita
inverto a sentença.
Quando escrevo versos,
conto minha história
e brinco de ser deus
pois, onipotente,
vou deixar na letra
bem traçada e lida
para sempre viva
a minha semente.
A imitação da rosa de Clarice Lispector
Roses, 1912 de
Fernand Khnopff
(...)
porque uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. E, sobretudo, nunca para se "ser". Sobretudo nunca se deveria ser a coisa bonita. A uma coisa bonita faltava o gesto de dar. Nunca se devia ficar com uma coisa bonita, assim, como que guardada dentro do silêncio perfeito do coração. (...)
(...)
Olhou-as, tão mudas na sua mão. Impessoais na sua extrema beleza. Na sua extrema tranqüilidade perfeita de rosas. Aquela última instância: a flor. Aquele último aperfeiçoamento: a luminosa tranqüilidade. (...)
fonte: Lispector, Clarice. Laços de família. Rio de Janeiro, José Olympio, 1978. p. 35
21 de dez. de 2011
PRECE DE MINEIRO NO RIO de Carlos Drummond de Andrade
e sobre a confusão desta cidade,
onde voz e buzina se confundem,
lança teu claro raio ordenador.
Conserva em mim ao menos a metade
do que fui de nascença e a vida esgarça:
não quero ser um móvel num imóvel,
quero firme e discreto o meu amor,
meu gesto seja sempre natural,
mesmo brusco ou pesado, e só me punja
a saudade da pátria imaginária.
Essa mesma, não muito. Balançando
entre o real e o irreal, quero viver
como é de tua essência e nos segredas,
capaz de dedicar-me em corpo e alma,
sem apego servil ainda o mais brando.
Por vezes, emudeces. Não te sinto
a soprar da azulada serrania
onde galopam sombras e memórias
de gente que, de humilde, era orgulhosa
e fazia da crosta mineral
um solo humano em seu despojamento.
Outras vezes te invocam, mas negando-te,
como se colhe e se espezinha a rosa.
os que zombam de ti não te conhecem
a força com que, esquivo, te retrais
e mais límpido quedas, como ausente,
quanto mais te penetra a realidade.
Desprendido de imagens que se rompem
a um capricho dos deuses, tu regressas
ao que, fora do tempo, é tempo infindo,
no secreto semblante da verdade.
Espírito mineiro, circunspecto
talvez, mas encerrando uma partícula
de fogo embriagador, que lavra súbito,
e, se cabe, a ser doidos nos inclinas:
não me fujas no Rio de Janeiro,
como a nuvem se afasta e a ave se alonga,
mas abre um pouquinho ante meus olhos
que a teu profundo mar conduza, Minas,
Minas além do som. Minas Gerais. ”
Cerzido de Débora Siqueira Bueno
Fui velha antes de ser moça.
De peso
tive olhos doentes.
Cobri de recato o corpo.
Resguardo
das frestas evidentes.
Por tempos tive vergonha.
Pudores
por não saber, somente.
Cerzi minha própria roupa.
Palavras,
remendos da mente.
20 de dez. de 2011
É diferente - Zora Neale Hurston
José PancettI - Mar grande
O amor é que nem o oceano. É uma coisa que se move,
mas mesmo assim toma a forma da praia que encontra, e é diferente em toda praia.
in: Hurston, Zora Neale. Seus olhos viam Deus. Record, 2002. p. 2008
Cais Matutino de Ribeiro, extrato crônica de Carlos Heitor Cony
(...) Embora escreva crônicas para jornais ou revistas há bastante tempo, não costumo abordar temas literários. Eventualmente comento um livro ou um autor, mas em 60 anos de ofício são raros os textos sobre o assunto.
Faço este registro da Série Essencial da ABL para ter o pretexto de transcrever um pequeno poema de Ribeiro Couto, que há anos mantenho sob o vidro da minha mesa de trabalho:
"Cais Matutino"
"Mercado do peixe, mercado da aurora: cantigas, apelos, pregões e risadas à proa dos barcos que chegam de fora.
Cordames e redes dormindo no fundo; à popa estendidas, as velas molhadas; foi noite de chuva nos mares do mundo.
Pureza do largo, pureza da aurora, há viscos de sangue no solo da feira, se eu tivesse um barco, partiria agora.
O longe que aspiro no vento salgado tem gosto de um corpo que cintila e cheira para mim sozinho, num mar ignorado."
Cordames e redes dormindo no fundo; à popa estendidas, as velas molhadas; foi noite de chuva nos mares do mundo.
Pureza do largo, pureza da aurora, há viscos de sangue no solo da feira, se eu tivesse um barco, partiria agora.
O longe que aspiro no vento salgado tem gosto de um corpo que cintila e cheira para mim sozinho, num mar ignorado."
Quando estou triste, muito triste mesmo, e descrente de quase tudo, leio com renovada atenção este pequeno poema, apesar de sabê-lo de cor.
fonte: Folha de São Paulo, Ilustrada sexta-feira, 16 de dezembro de 2011
Buganvília, Primavera
Nome comum: Buganvília; Primavera, Três-marias, Sempre-lustrosa, Santa-Rita, Roseiro, Roseta, Riso, Pataguinha, Pau-de-roseira e Flor-de-papel.
Família: Nyctaginaceae
Outras variedades: B. glabra “Harrisii” e “Sandevana variegata”, B. spectablilis e B. buttiana
Bougainvillea é um gênero botânico da família Nyctaginaceae, de espécies geralmente designadas como buganvílias. Nativas da América do Sul, o seu nome provém de Louis Antoine de Bougainville, capitão de navio, advogado, matemático e explorador, que se juntou à armada francesa por volta de 1767 no Canadá, onde viria a conhecer e a fazer amizade com Philibert Commerson, viajante e botânico francês que em 1760 viajava ao serviço de Sua Majestade e veio a descobrir esta planta no Brasil, de onde é originária. Daí o nome de Bouganvillea.
19 de dez. de 2011
Oda a la tristeza de Pablo Neruda
De: Apple Blossoms and a Hummingbird, 1875 Martin Johnson Heade
TRISTEZA, escarabajo
de siete patas rotas,
huevo de telaraña,
rata descalabrada,
esqueleto de perra:
Aquí no entras.
No pasas.
Ándate.
Vuelve
al Sur con tu paraguas,
vuelve
al Norte con tus dientes de culebra.
Aquí vive un poeta.
La tristeza no puede
entrar por estas puertas.
Por las ventanas
entra el aire del mundo,
las rojas rosas nuevas,
las banderas bordadas
del pueblo y sus victorias.
No puedes.
Aquí no entras.
Sacude
tus alas de murciélago,
yo pisaré las plumas
que caen de tu manto,
yo barreré los trozos
de tu cadáver hacia
las cuatro puntas del viento,
yo te torceré el cuello,
te coseré los ojos,
cortaré tu mortaja
y enterraré tus huesos roedores
bajo la primavera de un manzano.
Meu jardim de Débora Siqueira Bueno
No meu jardim de palavras brotam cardos.
Cactos e espinhos nascem
da areia
do deserto da linguagem,
onde faltaram palavras e sobraram lágrimas.
No meu jardim de palavras se alastram
as plantas simples e rasteiras
do viver cotidiano.
Grama comum, tecido
sobre o qual se pisa, distraído.
Semi-ocultas no jardim se encontram flores.
Sempre-vivas
pontilham com seu branco o descampado.
Cá e lá, orquídeas róseas
florescem, exuberância obstinada.
Árvores também estão plantadas,
várias,
boas de sombra e fruto.
Troncos sólidos
crescidos com suor e muitos anos.
Do meu jardim recolho as folhas secas.
Galhos e letras
podo, até que encontre
a justa forma, que em seu ritmo revele
os brotos e os restos de uma história.
18 de dez. de 2011
Flor de Débora Siqueira Bueno
Minha mãe ama as coisas da terra,
cultiva flores com especial desvelo.
Seu jardim era todo ladeado por íris
como aquelas,
das telas de Van Gogh.
Havia grandes flores amarelas
cujo nome não sei,
não eram girassóis.
Não sou boa de nomes. Coleciono lembranças,
perfumes e sombras.
Das mangueiras, generosas,
o chão coberto de ovais verde-amarelos.
A jabuticabeira demorou tanto a dar
que esperei a infância inteira.
Nas espatodéias eu subia alto,
eram meu reino, os cabelos soltos.
Uma vez um tio tirou minha fotografia
com sua máquina americana.
Nas cores mais lindas se via o jardim de minha mãe.
A lagoa era ainda mais azul;
os cabelos, ainda mais ruivos.
Aquele tempo só figurava em branco e preto,
mas a revelação estrangeira
capturou as cores vivas
e as sombras mortas
do meu semblante.
Lá estava a menina,
aos seis anos de idade.
Com uma blusa de marinheiro,
não fantasiava singrar mares;
nos seus sonhos,
andava no lago sob as águas.
No meio do jardim,
precocemente séria,
bela flor pesada.
17 de dez. de 2011
Horário do Fim de Mia Couto
morre-se nada
quando chega a vez
é só um solavanco
na estrada por onde já não vamos
morre-se tudo
quando não é o justo momento
e não é nunca
esse momento
Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"
As quadras dele (II) de Florbela Espanca
....
Adivinhar o mistério
Da tua alma quem me dera!
Tens nos olhos o outono,
Nos lábios a primavera...
16 de dez. de 2011
Frida Kahlo - Pintar
''Não estou doente. Estou partida.
Mas me sinto feliz por continuar viva enquanto puder pintar."
Frida Kahlo
ODA AL DICCIONARIO de Pablo Neruda
imagem: Anita Francis
(...)
Diccionario, una mano
de tus mil manos, una
de tus mil esmeraldas,
una
sola
gota
de tus vertientes virginales,
un grano
de
tus
magnánimos graneros
en el momento
justo
a mis labios conduce,
al hilo de mi pluma,
a mi tintero.
De tu espesa y sonora
profundidad de selva,
dame,
cuando lo necesite,
un solo trino, el lujo
de una abeja,
un fragmento caído
de tu antigua madera perfumada
por una eternidad de jazmineros,
una
sílaba,
un temblor, un sonido,
una semilla:
de tierra soy y con palabras canto.
fonte: http://www.neruda.uchile.cl/obra/obranuevasodas3.html
15 de dez. de 2011
Aos deuses peço só que me concedam de Fernando Pessoa
Aos deuses peço só que me concedam
O nada lhes pedir. A dita é um jugo
E o ser feliz oprime
Porque é um certo estado.
Não quieto nem inquieto meu ser calmo
Quero erguer alto acima de onde os homens
Têm prazer ou dores.
s.d.
Odes de Ricardo Reis . Fernando Pessoa. (Notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (imp.1994).
- 170.A caixa de linhas de Débora Siqueira Bueno
Na lata azul viajaram biscoitos da Dinamarca.
Aromas vindos do outro lado do oceano
deixaram seu rastro quase imperceptível
nas meadas de linhas coloridas.
Ali foram acomodados
retroses de papelão,
novelos de cores mescladas.
Do rosa quase branco ao fúcsia
roubado ao cálice dos brincos-de-princesa;
e tons de azuis –
o celeste, o cobalto, toda a gama
entre o violeta e o mar que se esverdeia.
Nuances de terra, ocras e musgos,
girassóis, beijos vermelhos.
Vieram da Dinamarca fios de urdidura
para o tear dos destinos –
o ar de inverno rigoroso e austero,
matizes de circunspecção
e alguns dos cinzas
bordados em monogramas
no enxoval dos bisavós.
14 de dez. de 2011
A Imagem refletida de Adélia Prado
Vem de antes do sol
A luz que em tua pupila me desenha.
Aceito amar-me assim
Refletida no olhar com que me vês.
Ó ventura beijar-te,
espelho que premido não estilhaça
e mais brilha porque chora
e choro de amor radia.
Frivolité
Os historiadores se dividem quanto a origem do Frivolité. Em alguns antigos hieróglifos se lê que os primitivos egípcios usavam “navetes”, para formar círculos e arcos. Alguns historiadores acham que o “frivolité” teve sua origem na França, visto que o respectivo termo usado em algumas línguas parece se originar do termo ‘frivolité”. Já outras teorias afirmam que o lugar de origem do “frivolité”é a Itália ou a Alemanha.
No fim do século XVI, o “frivolité” tornou-se o passatempo favorito da elite inglesa, sendo que o primeiro indício de sua existência se encontra em 1707, no poema "The Royal Knotter", do poeta inglês Sir Charles Sedley. A protagonista desse poema, a Rainha Mary II (1662-1694), é descrita fazendo “frivolité”. Existem também vários quadros da metade do século XIX, que retratam senhoras fazendo “frivolité”, com maravilhosa “navetes” de ouro, de marfim, de madrepérola ou de tartaruga, ricamente adornadas ou ornamentadas de pedras preciosas.
A denominação "frivolité", essencialmente francesa, é adotada em quase todos os países da Europa; entretanto os italianos nomeiam a técnica de "occhi". Já os orientais conservam a antiga denominação "makouk", enquanto nos países de lingua inglesa é chamada de "tatting". A técnica pode ser resumida numa seqüência de nós e picôs que formam círculos e semi-círculos, e estes compõem uma rica trama rendada, graciosa e delicada.
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