Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
26 de mai. de 2025
ATRABILIÁRIO :: Marcílio Godoi
Dürer
— Você é bom sujeito, mas é atrabiliário! — ela me tascou essa na cara, no centro da discussão. Sem ação, confesso que fiquei confuso, mas não ia dar o braço a torcer ali, confessando-me um idiota, bem na hora da briga.
Na minha cabeça eu rodava os escaninhos, tentando acessar o dicionário dos termos em desuso, ou, sei lá, as provectas sentenças dos provérbios de meus avós. Nada. Atrabiliário parecia ser uma coisa atrapalhada: estaria ela me chamando de palhaço ou me acusando de ter pouca agilidade com as mãos?
O silêncio que se expandia após a misteriosa palavra que ela me atirou nas fuças me deixava ainda mais nervoso, seria atrabiliário uma profissão nova do mercado imobiliário? Ou seria aquele tipo de gente que sempre chega atrasada aos compromissos?
Cocei o pé da orelha, o que, para alguém que me conhece, indica que eu estava fundindo a cuca. Mas como ela pouco de mim soubesse, pensei que eu ainda tinha alguns segundos para imaginar o que em mim, afinal, ela tanto reprovava.
Já sei! Acho que pode ser uma pessoa que atrai ou tropeça nos móveis, ou tem lembrança fraca das datas de aniversário. Não. Nada disso. Na hora não me ocorreu as óbvias duas sílabas de “bílis” que estavam escondidas ali. E que queriam dizer, não precisa mais ir ao Google, caro leitor, que eu era um cara melancólico, a bile negra, o suco biliar, lembra?, ou seja, triste, deprimido, baixo astral…
Posso ser atrabiliário, mas tenho lá os meus salamaleques na manga. Na hora saquei do fundo do baú uma solução improvisada do arco das minhas vetustas bisas. E mandei essa:
— Ora, se isso não é só mais uma filáucia tua, só pode ser uma carraspana!
Ela, que nessas plagas do orgulho semântico se parece muito comigo, sentiu o golpe. Olhou pra cima como quem caçasse um passarinho verde e aluiu. Depois levou alguns outros segundos pra se aprumar no eixo e me respondeu, bufando:
— Pois, sim! Acho melhor a gente parar por aqui. — E eu:
— Ora, pois sim, eu também acho!
E a gente, desaforada e bufando cada um no seu canto, se aquietou.
12 de mai. de 2025
Adélia Prado
Tarsila do Amaral
Antigamente, em maio, eu virava anjo.
A mãe me punha o vestido, as asas,
me encalcava a coroa na cabeça e encomendava:
‘canta alto, espevita as palavras bem’.
Eu levantava voo rua acima.
Bagagem. Nova Fronteira, 1976
10 de mai. de 2025
6 de mai. de 2025
Os três burricos :: SOARES GUIAMAR
Por estradas de montanha
vou: os três burricos que sou.
Será que alguém me acompanha?
Também não sei se é uma ida
ao inverso: se regresso.
Muito é o nada nesta vida.
E, dos três, que eram eu mesmo
ora pois, morreram dois;
fiquei só, andando a esmo.
Mortos, mas, vindo comigo
a pesar. E carregar
a ambos é o meu castigo?
Pois a estrada por onde eu ia
findou. Agora, onde estou?
Já cheguei e não sabia?
Três vezes terei chegado
eu - o só, que não morreu
e um morto eu de cada lado.
Sendo bem isso, ou então
será: morto o que vivo está.
E os vivos, que longe vão?
Arte:
Barbara Meikle
5 de mai. de 2025
BLADE RUNNER WALTZ :: PAULO LEMINSKI
Em mil novecentos e oitenta e sempre,
ah, que tempos aqueles,
dançamos ao luar, ao som da valsa
A Perfeição do Amor Através da Dor e da Renúncia,
nome, confesso, um pouco longo,
mas os tempos, aquele tempo,
ah, não se faz mais tempo
como antigamente.
Aquilo sim é que eram horas,
dias enormes, semanas anos, minutos milênios,
e toda aquela fortuna em tempo
a gente gastava em bobagens,
amar, sonhar, dançar ao som da valsa,
aquelas falsas valsas de tão imenso nome lento
que a gente dançava em algum setembro
daqueles mil novecentos e oitenta e sempre.
Tudo é vago e muito vário,
meu destino não tem siso,
o que eu quero não tem preço,
ter um preço é necessário,
e nada disso é preciso
Toda poesia
2 de mai. de 2025
Aloysia citriodora, erva-luísa ou verbena-limão
Aloysia citriodora, popularmente conhecida como erva-luísa ou verbena-limão, é uma planta da família Verbenaceae nativa da América do Sul. É um arbusto aromático, com aroma cítrico, que tem sido usado tradicionalmente para fins medicinais, como chá e para aromatizar alimentos.
Características da planta:
Nome científico: Aloysia citriodora Palau
Nomes populares: Erva-luísa, verbena-limão, limonete, lúcia-lima.
Origem: América do Sul, provavelmente Chile.
Características: Arbusto de grande porte (2-3 metros), ramificado, com aroma cítrico e flores brancas ou levemente rosadas.
Cultivo: Cultivada em jardins e hortas domésticas, especialmente no sul do Brasil.
Uso e propriedades:
Uso medicinal:
Tradicionalmente usada para tratar problemas digestivos (azia, indigestão), bronquite, insônia, ansiedade e até mesmo problemas cardíacos.
Propriedades:
Possui propriedades anti-inflamatórias, antimicrobianas, antioxidantes, antiespasmódicas, febrífugas e sedativas.
Uso culinário:
Pode ser usada para aromatizar chás, água aromatizada, sobremesas, caldas e até pratos salgados.
Componentes e benefícios:
Óleo essencial: Rica em óleo essencial que contém citral, geranial, neral e limoneno.
Benefícios: Estudos in vitro indicam potencial antibacteriano, antimicrobiano e antifúngico.
Cultivo e manutenção:
Clima: Tolera climas mais frios, sendo cultivada em jardins e hortas domésticas.
Solo: Prefere solos bem drenados, podendo crescer em solos arenosos, argilosos e até em solos mais secos.
Iluminação: Pode crescer em meia sombra ou pleno sol.
Considerações adicionais:
A erva-luísa é uma planta versátil, tanto na culinária como na medicina tradicional, com diversos benefícios para a saúde.
Fonte: Google
29 de abr. de 2025
RUÍNA :: Marcílio Godoi
Como que adentrando uma casa muito antiga,
começo a ouvir rumores estranhos
pelo meu combalido corpo.
Um pigarro, um estalo,
um ranho, um rangido, um estrondo.
Uma caixa de comprimidos que tomba
uma drágea rompendo a cartela,
um alarme celular.
Entre rachaduras, carcomidos
descasos, desfaço e penetro diário
o escuro fosco, embaciado
poeirento e um tanto assombrado
da casa em que fui e sou.
Da pele das paredes me descasco
do que não sou mais, mancha azulada
sem hemorragia, amarelo sem tombo,
roxo sem trombo, sem soco.
Das janelas, os olhos
embaçados avistam a rua deserta
as outras casas vão cedendo seu lugar
a edifícios sobre-humanos
sou uma das últimas do bairro
feita só de ossos e um bocado
de sangue e cuspe.
Das telhas, poucas resistiram,
é por onde entra a maior parte
da água que me infiltra o porão
e me empresta esse leve olor de mofo.
Ratos, morcegos, baratas
posso ouvi-los,
irmanam-se formigáveis a mim
na unidade solidária do sótão.
Por pura sorte, minha espinha dorsal,
a escadaria, manteve-se intacta,
embora discorde de mim
em gênero, número e degrau.
Por ela, desço até a varanda
onde pego um pouco de ar
e limpo as novas teias de aranha
que tentam me impedir o acesso.
Então alcanço um pequeno jardim,
que é onde me sinto melhor,
a parte mais perto de mim
desse casarão, relíquia obsoleta
em que me tornei.
Aqui volto a ser um bicho.
Um bicho velho e tranquilo,
acolhido em seu posto
seu pouso ancestral,
no pulso brando e belo da partida
pois a morte, feminina, é triste, senão terrível
para os prédios e os homens.
11 de abr. de 2025
Mapa:: Wislawa Szymborska
8 de abr. de 2025
Relação de casas boas e más para juízo dos arquitectos Carlos Loureiro e Pádua Ramos :: Eugenio de Andrade
Há casas
cuja beleza começa no projecto;
outras, e são talvez as mais belas,
existem só na cabeça do arquitecto.
Há casas feitas à medida do homem,
outras há para andar de bicicleta;
há casas sobre cascatas
onde ao sortilégio da água
se junta a música de Bach.
Há casas tão ajustadas
como fato por medida
ou um verso de Cesário,
outras de tão confusas
não viram régua nem esquadro.
Há casas de papel,
casas de madeira,
casas de palha e de barro
casas que trepam pelo céu,
casas que cheiram
a jasmim do Cabo;
há casas só para dormir,
parecidas com um sudário.
Há casas onde habitar
é o começo da morte;
há casas de pátios caiados
com varandas para o mar
casas onde apetece
estar sentado
com um gato nos joelhos
e o coração apaziguado.
Há casas com recantos para amar,
há outras onde o amor
se faz em cinco minutos,
e às vezes já é demais;
há casas como um dedal
e geometria de abelhas,
casas de perfil
atento ao rumor
de nascentes e de estrelas.
Há casas como um cristal,
casas de luz circular,
casas onde não é possível
ouvir correr o silêncio,
há casas que de casas só têm o nome;
há casas que nem para cães.
Há casas tão inteligentes
que não consentem qualquer margem
para luxos e arrebiques,
casas onde a alegria se instala
sem tempo nenhum para a mágoa.
Há casas onde o pão é triste
e a roupa mal lavada;
há casas que são um rio; há casas
que são um barco,
outras têm pomares
onde os dióspiros ardem;
há casas com terras de vinho e trigo
e muros a toda a roda.
Há casas que são um poema
para dar a um amigo.
Eugénio de Andrade, Poesia,
Porto, Fundação Eugénio de Andrade, 2000
4 de abr. de 2025
ESTATUTO DO PASSARINHO : Marcílio Godoi
"Dos bichos pegamos amor."
DIA NACIONAL DOS (DIREITOS) ANIMAIS: 14 DE MARÇO
ESTATUTO DO PASSARINHO
Artigo 1
Fica decretado que todas as jabuticabas
de todas as varandas do mundo
deverão ser reservadas aos passarinhos.
Artigo 2
Fica decretado que todo passarinho terá direito a uma varanda
a uma jabuticabeira e a uma menina que, como ele,
acordará bem cedo para cuidar dos outros três.
Artigo 3
Fica decretado que todo passarinho
voa, avoa e avua e vai, por tudo isso,
ser sempre o mensageiro da menina, no vento.
Artigo 4
Fica decretado que toda janela, inclusive as de apartamento
estará sempre aberta ao passarinho jabuticabeiro
das meninas sem varanda.
Parágrafo único - A todos os outros passarinhos também.
Artigo 5
Fica decretado que os fios elétricos, as cercas de arame
e as telas das varandas doravante serão executados
como pauta musical da partitura das melodias que o desenho
do pouso dos passarinhos determinar.
Artigo 6
Fica decretado que os direitos autorais das melodias
cantadas pelos passarinhos serão revertidos integralmente
à compra de ração para o gato da menina da varanda da jabuticabeira.
Artigo 7
Fica decretado que todo passarinho, alegria plumada que é,
terá direito inalienável de invadir, silenciar e paralisar
toda reunião, com poder de veto sobre qualquer enfoque
que se assemelhe a um bodoque.
Artigo 8
Fica decretado o desaparecimento da palavra bodoque
de todos os dicionários de todas as línguas.
Parágrado único - Da palavra atiradeira também.
Artigo 9
Fica decretado que as árvores
em sua maioria plantadas por passarinhos
serão reconhecidas como patrimônio avícola universal da humanidade.
Artigo 10
Fica decretado que todo e qualquer passarinho
passará a fazer parte de nossa humanidade
e poderá comer até pedra em vez de jabuticaba, se bem confiar nisso.
Artigo 11
Fica decretado que todo passarinho ocupará livremente sua jabuticabeira,
assim como a menina ocupará livremente sua varanda
nas tardes de chuva das cidades sem praças.
Artigo 12
Fica decretado que, de agora em diante,
na bandeira nacional, o verde simboliza a jabuticabeira;
o amarelo, o passarinho e o azul, o olho da menina da varanda.
Artigo 13
Fica decretado que toda menina e todo poeta receberão um diploma
de ornitólogo jabuticabal juramentado para exercício de suas funções
em varandas bem entendidas, enquanto se entenderem menina e poeta.
Artigo 14
Fica decretado que toda casa que tiver varanda, jabuticabeira, menina,
terá também passarinho livre que as visite e as isente do pagamento
de aluguel, IPTU, condomínio e conta de água-que-passarinho-bebe.
Marcílio Godoi
Livro de Bichos. Sagüi.
29 de mar. de 2025
Os dias felizes :: Cecília Meireles
Os dias felizes estão entre as árvores, como os pássaros:
viajam nas nuvens,
correm nas águas,
desmancham-se na areia.
Todas as palavras são inúteis,
desde que se olha para o céu.
A doçura maior da vida
flui na luz do sol,
quando se está em silêncio.
Até os urubus são belos,
no largo círculo dos dias sossegados.
Apenas entristece um pouco
este ovo azul que as crianças apedrejaram:
formigas ávidas devoram
a albumina do pássaro frustrado.
Caminhávamos devagar,
ao longo desses dias felizes,
pensando que a Inteligência
era uma sombra da Beleza.
24 de mar. de 2025
Tenho dó das estrelas :: Fernando Pessoa
Tenho dó das estrelas
Luzindo há tanto tempo,
Há tanto tempo...
Tenho dó delas.
Não haverá um cansaço
Das coisas.
De todas as coisas,
Como das pernas ou de um braço?
Um cansaço de existir,
De ser,
Só de ser,
O ser triste brilhar ou sorrir...
Não haverá, enfim,
Para as coisas que são,
Não a morte, mas sim
Uma outra espécie de fim,
Ou uma grande razão —
Qualquer coisa assim
Como um perdão?
Poesias. Fernando Pessoa. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995).
- 204.1ª publ. in Mensagem , nº 1. Abr. 1938.
Aos Namorados do Brasil :: Carlos Drummond de Andrade
Dai-me, Senhor, assistência técnica para eu falar aos namorados do Brasil. Será que namorado algum escuta alguém? Adianta falar a namorados?...
-
Tem de haver mais Agora o verão se foi E poderia nunca ter vindo. No sol está quente. Mas tem de haver mais. Tudo aconteceu, Tu...
-
A ilha da Madeira foi descoberta no séc. XV e julga-se que os bordados começaram desde logo a ser produzidos pel...