31 de jul. de 2014

Cranberry, arando-vermelho, mirtilo-vermelho, e airela.





Oxicoco (do grego: ὀξύς - "ácido" e κόκκος - "baga", pelo seu sabor ácido) é o nome dado aos arbustos perenes, naturais do Hemisfério Norte, do género Vaccinium, subgénero Oxycoccus e seus frutos. Estes são bagas vermelhas e bastante ácidas, sendo utilizadas na culinária e na produção de sumos. Outros nomes vulgares são arando-vermelho, mirtilo-vermelho, cranberry e airela.
fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Oxicoco

Ouro e púrpura :: Mariana Ianelli


Agora um país de ouro e púrpura,
Outono de rosa mosqueta e de maçãs –
Não o paraíso que sonhamos uma vez
Apenas para inventar boas memórias –

Não é mais um êxtase de nossa lavra
Nem o disfarce de feridas bem guardadas
Por receio de munir com as nossas faltas
Um inimigo no sentimento do amante.

Não é mais deixar para amanhã
E amanhã sempre a mentira deslumbrante
De a um mínimo gesto de distância
Poder tocar o ideal de uma paisagem.

Já se foram todos os nossos truques,
Abandonados num tremendo acidente,
Numa tormenta, num incêndio, numa alma
Que foi picada em seu sono e despertou.

Agora um país de ouro e púrpura
E nós despojados, tontos de ar puro,
Recém-maduros para o amor sereno,
Nosso outono de rosa mosqueta e de maçãs.

29 de jul. de 2014

Papoulas de Julho de Sylvia Plath

Georgia O'Keeffe, 1927

Ó papoulinhas pequenas flamas do inferno,
Então não fazem mal?

Vocês vibram. É impossível tocá-las.
Eu ponho as mãos entre as flamas. Nada me queima.

E me fatiga ficar a olhá-las
Assim vibrantes, enrugadas e rubras, 
como a pele de uma boca. Uma boca sangrando.
Pequenas franjas sangrentas!

Há vapores que não posso tocar.
Onde estão os narcóticos, as repugnantes cápsulas?

Se eu pudesse sangrar, ou dormir !
Se minha boca pudesse unir-se a tal ferida !

Ou que seus licores filtrem-se em mim, nessa cápsula de vidro,
Entorpecendo e apaziguando.
Mas sem cor. Sem cor alguma.

Tradução de Afonso Félix de Souza

28 de jul. de 2014

Geninne D. Zlatkis




















Poema da Lavadeira :: Fernando Pessoa

 Raphael Kirchner
A lavadeira no tanque
Bate roupa em pedra bem.
Canta porque canta e é triste
Porque canta porque existe;
Por isso é alegre também.
Ora se eu alguma vez
Pudesse fazer nos versos
O que a essa roupa ela fez,
Eu perderia talvez
Os meus destinos diversos.
Há uma grande unidade
Em, sem pensar nem razão,
E até cantando a metade,
Bater roupa em realidade...
Quem me lava o coração?

27 de jul. de 2014

Quero me casar :: Carlos Drummond de Andrade

Rachael Pragnell
Quero me casar
na noite na rua
no mar ou no céu
quero me casar.

Procuro uma noiva
loura morena
preta ou azul
uma noiva verde
uma noiva no ar
como um passarinho

Depressa, que o amor
não pode esperar !

26 de jul. de 2014

Os primeiros momentos :: CORAL RUMBLE

Anastasija Kraineva
Amo os primeiros momentos da manhã
aqueles momentos que ainda ninguém usou
tão limpos
que deves lavar os pés antes de os habitares
aqueles momentos que cheiram como pétalas de rosa e erva cortada
e encharcam a tua roupa com orvalho

Irás chocar com segredos
descobrir milagres cobertos habitualmente pelo fumo dos autocarros
escutarás puros ecos sussurros e corridas precipitadas

Amo os primeiros momentos da manhã
quando o sol tem um só olho aberto
e o dia é como uma camisa lavada
sem vincos e pronta a usar
aqueles momentos que prendem a tua atenção
por serem tão sossegados


Tudo o que vive de Clarice Lispector

Munch 


25 de jul. de 2014

Despedida de Cecilia Meireles

Gustave Courbet, 1867
Por mim, e por vós, e por mais aquilo 
que está onde as outras coisas nunca estão
deixo o mar bravo e o céu tranqüilo: 
quero solidão. 
Meu caminho é sem marcos nem paisagens. 
E como o conheces ? - me perguntarão. - 
Por não Ter palavras, por não ter imagem. 
Nenhum inimigo e nenhum irmão. 
Que procuras ? 
Tudo. 
Que desejas ? 
Nada. 
Viajo sozinha com o meu coração. 
Não ando perdida, mas desencontrada. 
Levo o meu rumo na minha mão. 
A memória voou da minha fronte. 
Voou meu amor, minha imaginação ... 
Talvez eu morra antes do horizonte. 
Memória, amor e o resto onde estarão? 
Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra. 
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão ! 
Estandarte triste de uma estranha guerra ... )
Quero solidão. 

24 de jul. de 2014

ENVELOPE COM FOTOGRAFIAS :: TJISKE JANSEN nasceu em Barneveld, Holanda, em 1971.

Helen von Borstel.

Tal como o mar me consola com a sua profundeza
porque não consigo contar a água,
pois é maior que toda a terra
por onde as pessoas andam,
porque há peixes a quem esse espaço pertence,
pois ele não é das pessoas,

consola-me não me recordar de lá ter estado,
ter feito isto ou aquilo,
daquele bibe, ou daquele vestido,
daquelas meias até ao joelho, ao lado daquela miúda,
ao colo do senhor com a guitarra,
ao colo da avó quando tinha sete meses.

E nos momentos dos quais não há fotografias,
também lá ter estado.

Espírito de colecionador :: Adélia Prado


John William Waterhouse

Sofro por causa do meu espírito de colecionador-arqueólogo.
Quero pôr o bonito numa caixa com chave
para abrir de vez em quando e olhar."
Adélia Prado

23 de jul. de 2014

História clínica - Eduardo Galeano

Mikhail Nesterov

Informou que sofria de taquicardia toda vez que o via, mesmo que fosse de longe.
Declarou que suas glândulas salivares secavam quando ele a olhava, mesmo que fosse por acaso.
Admitiu uma hipersecreção das glândulas sudoríparas toda vez que ele falava com ela, mesmo que fosse apenas por cortesia.
Reconheceu que padecia de graves desequilíbrios depressão sanguínea quando ele a roçava, mesmo que fosse por engano.
Confessou que por ele padecia de tonturas, que sua visão se enevoava, que seus joelhos afrouxavam. Que nos dias não conseguia parar de dizer bobagens e que nas noites não conseguia dormir.
- Foi há muito tempo, Doutor - disse. - Eu nunca mais senti nada disso.
O médico ergueu as sobrancelhas.
- Nunca mais sentiu nada disso?
E diagnosticou:
- Seu caso é grave.

fonte: Galeano, Eduardo. Bocas do tempo. L&PM , 2010. p. 15. 

Leilão de Jardim :: Cecília Meireles

 Talya Johnson

Quem me compra um jardim com flores?

borboletas de muitas cores,

lavadeiras e passarinhos,
ovos verdes e azuis nos ninhos?

Quem me compra este caracol?

Quem me compra um raio
de sol?

Um lagarto entre o muro e a hera,

uma estátua da Primavera?

Quem me compra este formigueiro?

E este sapo, que é jardineiro?

E a cigarra e a sua
canção?

E o grilinho dentro
do chão?

(Este é meu leilão!)

22 de jul. de 2014

A meu favor :: Alexandre O'Neill

A meu favor
Tenho o verde secreto dos teus olhos
Algumas palavras de ódio algumas palavras de amor
O tapete que vai partir para o infinito
Esta noite ou uma noite qualquer

A meu favor
As paredes que insultam devagar
Certo refúgio acima do murmúrio
Que da vida corrente teime em vir
O barco escondido pela folhagem
O jardim onde a aventura recomeça.

A meu favor tenho uma rua em transe
Um alto incêndio em nome de nós todos


Maria Primachenko (1908 - 1997 Ucrania)













20 de jul. de 2014

O gato de Charles Baudelaire (Tradução de Ivan Junqueira)


Robert Foster

Vem cá, meu gato, aqui no meu regaço;
Guarda essas garras devagar, 
E nos teus belos olhos de ágata e aço
Deixa-me aos poucos mergulhar.

Quando meus dedos cobrem de carícias
Tua cabeça e o dócil torso, 
E minha mão se embriaga nas delícias

De afagar-te o elétrico dorso, 
Em sonho a vejo. Seu olhar, profundo
Como o teu, amável felino, 
Qual dardo dilacera e fere fundo,

E, dos pés à cabeça, um fino 
Ar sutil, um perfume que envenena
Envolvem-lhe a carne morena.

19 de jul. de 2014

Custos :: Carolina Vigna

Katsushika Hokusai

Você ainda se surpreende. Mérito meu. 
Você ainda gosta. Mérito seu.
Custo a compreender sua lógica, se é que existe uma.
Custo a compreender minhas razões. Elas não existem.
Enquanto isso, 
você pensa em custos.
Tenho a absoluta certeza de nossa temporalidade. 
Me irrito com o desperdício.
Me falta a paciência, me falta tempo.
O tempo é pouco, sempre será.
A consciência da morte não me desespera, apenas me apressa.
Não temos tempo. Nunca o teremos.
Não bastamos.
Seu egocentrismo exacerbado destrói seu prazer.
E você pensa em custos.
Custos. 
Que custos?
Não somos únicos.
Não somos os melhores.
Nunca o seremos.

18 de jul. de 2014

Poema patético :: Carlos Drummond de Andrade

Martin Drolling (1752 – 1817)

Que barulho é esse na escada?
É o amor que está acabando,
é o homem que fechou a porta
e se enforcou na cortina.

Que barulho é esse na escada?
É Guiomar que tapou os olhos
e se assoou com estrondo.
É a lua imóvel sobre os pratos
e os metais que brilham na copa.

Que barulho é esse na escada?
É a torneira pingando água,
é o lamento imperceptível
de alguém que perdeu no jogo
enquanto a banda de música
vai baixando, baixando de tom.

Que barulho é esse na escada?
É a virgem com um trombone,
a criança com um tambor,
o bispo com uma campainha
e alguém abafando o rumor
que salta do meu coração.

17 de jul. de 2014

Viagem - Paulo Leminski

Paul Delvaux, 1957 
“essa vida é uma viagem
pena eu estar
só de passagem”

Paulo Leminski, morreu aos 44 anos.

16 de jul. de 2014

Crie a si próprio de Carl Gustav Jung



"Mas o que pode o homem criar se por acaso não for poeta?
 Se você não tiver absolutamente nada para criar , então talvez crie a si próprio”. 
Carl Gustav Jung

15 de jul. de 2014

Escrita de Thomas Mann

Gabriel Metsu, 1664-1666

A felicidade do escritor é o pensamento que consegue transformar-se completamente em sentimento, 
é o sentimento que consegue transformar-se completamente em pensamento.

Fonte:Thomas Mann, Morte em Veneza

14 de jul. de 2014

Silêncio :: Fernando Sabino para Clarice Lispector

Ferdinand Hodler

"Você me desculpe esse silêncio tão longo, mas a convivência é feita também de silêncio, e distância."

 in: Cartas perto do coração. Record.  p. 124