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13 de out. de 2014

RECONHECIMENTO À LOUCURA :: Almada Negreiros


Já alguém sentiu a loucura vestir de repente o nosso corpo?
Já.
E tomar a forma dos objectos?
Sim.
E acender relâmpagos no pensamento?
Também.
E às vezes parecer ser o fim?
Exactamente.
Como o cavalo do soneto do Ângelo de Lima?
Tal e qual.
E depois mostrar-nos o que há-de vir
muito melhor do que está?
E dar-nos a cheirar uma cor
que nos faz seguir viagem
sem paragem nem resignação
E sentirmo-nos empurrados pelos rins
na aula de descer abismos
e fazer dos abismos descidas de recreio
e covas de encher novidade?
E de uns fazer gigantes
e de outros alienados?
E fazer frente ao impossível
atrevidamente e ganhar-lhe, e ganhar-lhe
a ponto do impossível ficar possível?
E quando tudo parece perfeito
poder-se ir ainda mais além?
E isto de desencantar vidas
aos que julgam que a vida é só uma?
E isto de haver sempre ainda mais uma maneira para tudo?
Tu só loucura és capaz de transformar
o mundo tantas vezes quantas sejam as necessárias para olhos individuais
Só tu és capaz de fazer que tenham razão
tantas razões que hão-de viver juntas
Tudo, excepto tu, é rotina peganhenta.
Só tu tens asas para dar
a quem tas vier buscar.



7 de mai. de 2014

HUPÓNOIA :: LUCI COLLIN


dos restos
eu fiz uma história
fui recolhendo folhas soltas
recuperei desperdícios
e fiz um rascunho brotar

dos risos
eu fiz uma história
fui recompondo esquecidos
rebatizei luz e escuros
e fiz a memória transbordar

de avessos
da minha aventura
vim segredar os contornos
expor silêncios que supuram
eu vim aos poucos confessar
: eu fiz a escolha dos loucos
fazendo valer da fala os ecos
no cumprimento das juras
eu fiz uma noite
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 Querer falar.  Rio de Janeiro: 7 Letras, 2014 

2 de out. de 2013

O seu santo nome de Carlos Drummond de Andrade



Não facilite com a palavra amor.
Não a jogue no espaço, bolha de sabão.
Não se inebrie com o seu engalanado som.
Não a empregue sem razão acima de toda a razão ( e é raro).
Não brinque, não experimente, não cometa a loucura sem remissão
de espalhar aos quatro ventos do mundo essa palavra
que é toda sigilo e nudez, perfeição e exílio na Terra.
Não a pronuncie.

9 de set. de 2012

Arthur Bispo do Rosário (1911 - 1989)







O passado de Arthur Bispo do Rosário é praticamente desconhecido. Sabe-se apenas que era negro, marinheiro, pugilista, lavador de ônibus e guarda-costas. Nas vésperas do Natal de 1938 é internado no Hospital Nacional dos Alienados, na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, após um delírio místico. Com diagnóstico de paranóico-esquizofrênico, é transferido no ano seguinte para a Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá. Entre muitas permanências e saídas, vive mais de 40 anos na instituição, onde executa a maior parte de sua obra.
Os trabalhos de Bispo diversificam-se entre justaposições de objetos e bordados. Nos primeiros, utiliza geralmente utensílios do cotidiano da Colônia, como canecas de alumínio, botões, colheres, madeira de caixas de fruta, garrafas de plástico, calçados; e materiais comprados por ele ou pessoas amigas. Para os bordados usa os tecidos disponíveis, como lençóis ou roupas, e consegue os fios desfiando o uniforme azul de interno. Prepara, com seus trabalhos, uma espécie de inventário do mundo para o dia do Juízo Final. Nesse dia se apresentaria a Deus, com um manto especial, como representante dos homens e das coisas existentes. O manto bordado traz o nome das pessoas conhecidas, para não se esquecer de interceder junto a Deus por elas. Bispo faz também estandartes, fardões, faixas de miss, fichários, entre outros, nos quais borda desenhos, nomes de pessoas e lugares, frases com respeito a notícias de jornal ou episódios bíblicos, reunindo-os em uma espécie de cartografia. A criação das peças, para ele, é uma tarefa imposta por vozes que dizia ouvir.
No início da década de 1980, com as questões levantadas pela arte contemporânea com a antipsiquiatria e as novas teorias sobre a loucura, os trabalhos de Bispo começam a ser valorizados e integrados ao circuito de arte. Em 1980, uma reportagem do Fantástico, da TV Globo, sobre a situação da Colônia Juliano Moreira, mostra suas obras, agrupadas no quartinho em que vive. No mesmo ano, o psicanalista e fotógrafo Hugo Denizart (1946)realiza o filme O Prisioneiro da Passagem - Arthur Bispo do Rosário. Com a divulgação, veio o reconhecimento artístico das obras, que contribui para sua participação, em 1982, na mostra À Margem da Vida, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro - MAM/RJ, com trabalhos de presidiários, menores infratores, idosos e internos da Colônia. Posteriormente é realizada sua primeira exposição individual, também no MAM/RJ. O crítico de arte Frederico Morais escreve sobre seu trabalho, ligando-o à arte de vanguarda, à arte pop, ao novo realismo e especialmente à obra de Marcel Duchamp (1887 - 1968).

Em 1995, com uma vasta seleção de peças, Bispo representa o Brasil na Bienal de Veneza e obtém reconhecimento internacional. Sua obra torna-se uma das referências para as gerações de artistas brasileiros dos anos


1980 e 1990.

24 de out. de 2011

Loucura razoável




imagem: Clara na praia do Lido 
“Solução melhor é não enlouquecer mais do que já enlouquecemos, não tanto por virtude, mas por cálculo. Controlar essa loucura razoável: se formos razoavelmente loucos não precisaremos desses sanatórios porque é sabido que os saudáveis não entendem muito de loucura. O jeito é se virar em casa mesmo, sem testemunhas estranhas. Sem despesas.”   Lygia Fagundes Telles

2 de out. de 2011

Gana




"Yo quisiera... poder hacer lo que me de la gana detras de la cortina de "la locura" 
Asi: arreglaria las flores, todo el dia, pintaria el dolor, el amor y la ternura, 
me reiria a mis anchas de la estupidez de los otros, 
y todos dirian: pobre! esta loca. 
(sobre todo me reiria de mi estupidez) 
construiria mi mundo que mientras viviera seria mio y de todos...."  
Frida Khalo

7 de abr. de 2007

Carta de Frida Kahlo a Diego


Carta de Frida Kahlo a Diego

Querido Diego,

A grande verdade é que já não quisera nem falar, nem dormir, nem ouvir, nem querer. Sentir-me encerrada, sem medo do sangue, sem tempo nem magia, dentro de teu mesmo medo e dentro de tua grande angústia e na mesma batida do teu coração. Toda esta loucura, se te pedisse, já seria para teu silêncio somente confusão. Te peço violência na irracionalidade e tu me dás graças, tua luz e calor. Pintar-te quisera, porém não há cores, por havê-las tantas, em minha confusão, a forma concreta do meu grande amor.

O que os meus olhos vêem e que toco comigo mesma, desde todas as distâncias é Diego. A carícia das telas, a cor do calor, os arames, os nervos, os lápis, as células e o sol, tudo o que se vive nos minutos dos não-relógios, dos não-calendários e dos não olhares vazios, é ele, Diego…
Tu te chamarás Auxocromo, o que capta a cor, eu, Cromoforo, o que dá a cor. Tu és todas as combinações, todos os números. És a vida. Meu desejo é entender a linha, a forma, a sombra, o movimento. Tu transbordas e eu recebo. Tua palavra percorre o espaço e chega às minhas células, são meus astros que vão aos teus astros, que são a minha luz…
Ninguém saberá jamais como quero a Diego. Não quero que nada o machuque, que nada o moleste ou lhe tire a energia que ele necessita para viver. Viver da maneira como ele quiser. Pintar, ver, amar, comer, dormir, sentir-se sozinho, sentir-se acompanhado, porém nunca quisera que estivesse triste. Se eu tivesse saúde, quisera dá-la toda, se eu tivesse juventude, toda ela poderia tomar. Não sou louca, mãe, sou embrião, gérmen, a primeira céluda que, potencialmente, o gerou.
Sou ele desde as mais primitivas…e as mais antigas células que com o tempo se tornaram ele.
Se tão somente tivesse a meu lado tua carícia, como à terra o ar se lhe dá, a realidade de tua pessoa me faria mais alegre, me afastaria do sentimento que me enche de cinza. Nada já seria em mim tão fundo, tão final. Porém, como lhe explico minha necessidade enorme de ternura…minha solidão de anos…minha estrutura disforme por ser sem harmonia, por ser inadaptada. Eu creio que é melhor ir-me…ir-me…que tudo passe num instante…oxalá!


Nunca vi ternura maior do que a que Diego tem e quando suas maõs e seus belos olhos tocam as esculturas do México índio.
Nada comparável às tuas mãos nem nada igual ao ouro verde de teus olhos. Meu corpo se enche de ti por dias e dias. És o espelho da noite, a luz violeta do relâmpago, a umidade da terra. O côncavo de tuas axilas é meu refúgio. Minhas gemas tocam teu sangue. Toda minha alegria é sentir brotar tua vida de tua fonte-flor, que a minha guarda para encher todos os caminhos de meus nervos, que são os teus.
Afortunadamente, as palavras se foram fazendo…O que lhes deu a “verdade” absoluta? Nada é absoluto. Tudo se altera, tudo se move, tudo revoluciona – tudo volta e se vai…
Criança minha – da grande ocultadora. São seis horas da manhã e os guajulotes cantam, calor de humana ternura. Solidão acompanhada. Jamais, em toda a minha vida, esquecerei de tua presença. Me acolhestes destroçada e me devolvestes inteira. Nesta pequena terra, onde porei o olhar? Tão imensa, tão profunfa! Já não há tempo, já não há nada, distância.

Há somente realidade. O que se foi, foi para sempre! O que é, são as raizes que se assomam transparentes, transformadas. A árvore frutífera inteira. Teus frutos já dão seus aromas, tuas flores dão cor crescendo com a alegria do vento e da flor. Nome de Diego – nome de amor. Não deixeis que dê sede à árvore que tanto te amou, que guardou tua semente, que cristalizou tua vida às seis da manhã. Não deixeis que dê sede à árvore da qual és sol. És Diego, nome de amor. Não vale mais do que o riso.
É necessário rir e abandonar-se, ser ligeiro. A tragédia é o mais ridículo que tem o homem. Estou certa que os animais ainda que sofram não exibem suas penas em “teatros” abertos nem fechados (“os lares”). Sua dor é mais certa do que qualquer imagem que possa cada homem representar como dolorosa. Eu quisera poder ser o que quisesse – atrás da cortina da loucura, arranjaria as flores, todo o dia, pintaria a dor, o amor e a ternura, riria da estupidez dos outros e todos rirão: pobre, está louca! (Sobretudo riria da minha estupidez.)

Construiria meu mundo e enquanto vivesse estaria de acordo com todos os mundos. O dia ou a hora e o minuto que vivesse, seriam meus e de todos. Minha loucura não seria um escape do trabalho para que me mantiveram com seu labor.
A revolução é a harmonia da forma e da cor e tudo está e se move sob uma única lei: a vida. Ninguém se aparta de ninguém. Ninguém luta por si mesmo. Tudo é tudo e um. A angústia e a dor e o prazer e a morte não são mais que um processo para existir. A luta revolucionária neste processo é a porta aberta à inteligência. Diego, estou só. Diego, já não estou só. Tu me acompanhas, tu me adormeces, tu me animas. Árvore da esperança, mantenha-se firme…árvore da esperança, mantenha-se firme.
Ninguém é mais que um funcionamento ou uma função total. A vida passa e dá caminhos que não se percorrem em vão. Porém, ninguém pode deter-se livremente a brincar pelo caminho, porque retarda ou transforma a viagem atômica e geral. Dali vem o descontentamento, a desesperança, a tristeza.

Todos queríamos a soma e não o elemento número. As mudanças e a luta nos desconcertam, nos aterram por constantes e por certos, buscamos a calma e a “paz” porque nos antecipamos à morte, que morremos a cada segundo. Os opostos que se unem e nada novo nem arrítimico descobrimos. Nos amparamos, nos alarmamos no irracional, no mágico, no anormal, por medo da extraordinária beleza do certo, do material e do dialético, do são e forte.
Gostamos de ser enfermos para nos protegermos. Alguém – algo – nos protege sempre da verdade – nossa própria ignorância e nosso medo. Medo de tudo: medo de saber que não somos outra coisa que vetores – direção, construção e destruição para sermos vivos e sentirmos a angústia de esperar pelo minuto seguinte e participar na corrente completa de não saber que nos dirigimos a nós mesmos.
Variedade de pedras, de seres-aves, de seres-astros, de seres-micróbios, de seres-fontes, a nós mesmos. Variedade de um, incapacidade de escapar a dois, a três, o et cétera de sempre para regressar ao um. Porém, não a soma (chamada às vezes Deus, às vezes liberdade, às vezes amor).
Não somos ódio-amor-filho-planta-terra-luz-raio. et cétera de sempre. Mundana dor dos mundos, universos e células-universos. Tudo é tudo e um. A angústia e a dor, o prazer e a morte não são mais que um processo para existir.
Me amputaram a perna há seis meses, pareceram-me séculos de tortura e em momentos quase perdi a “razão”. Sigo sentindo vontade de suicidar-me. Diego é ele que me detém por crer que lhe possa fazer falta. Ele me disse e eu creio. Porém, nunca na vida sofri mais. Esperarei um tempo…espero alegre a saída e espero não voltar jamais.

Frida Kahlo

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...