Freud, S. (1910). "Leonardo da Vinci e uma lembrança da sua infância". Rio de Janeiro: Imago. 1974.
Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
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11 de set. de 2012
Mira Schendel ou Myrrha Dagmar Dub (Zurique, 7 de junho de 1919 — São Paulo, 24 de julho de 1988)
“A natureza deu ao artista a capacidade de exprimir seus impulsos mais secretos, desconhecidos até por ele próprio, por meio do trabalho que cria; e estas obras impressionam enormemente outras pessoas estranhas ao artista e que desconhecem, elas também, a origem da emoção que sentem”.
Freud, S. (1910). "Leonardo da Vinci e uma lembrança da sua infância". Rio de Janeiro: Imago. 1974.
Freud, S. (1910). "Leonardo da Vinci e uma lembrança da sua infância". Rio de Janeiro: Imago. 1974.
29 de jan. de 2012
Meu avô de Débora Siqueira Bueno
"SONHO Na verdade, sonhar é outra maneira de lembrar." Freud
Essa noite sonhei com o pai de minha mãe,
meu avô bonito e mudo.
No sonho ele falava comigo,
reclamava de eu ter dito bom dia.
– É porque eu gosto do senhor, Vô!
Estava no meu quarto de menina.
Acomodei-o para que dormisse,
mas ele prosseguiu e conversava.
Seus olhos claros tinham um brilho
que a vida embaçou e nunca vi.
A voz cascateava, alegre até,
num tom que também não conheci.
Meu avô falava grego e latim;
criança, quis achar sua linguagem.
Às vezes brincava quieta ao seu lado,
horas.
Olhava-o de soslaio, tímida sorria,
esperando que a vida aparecesse.
Uma vez vieram seus irmãos,
os nomes muito antigos:
Gamaliel, Arcelino,
Alberico, Pergentino.
Sóbrios, com seus chapéus na mão,
traziam os cheiros da fazenda.
Doce de leite, goiabada e rapadura
os presentes dados.
A conversa era pausada,
Siqueiras são circunspetos.
Sentados na varanda em frente ao rio
o que mais se ouvia era a voz das águas.
Foi quando ouvi a voz do meu avô,
única vez.
Meu avô me dava livros, muitos,
devolvidos à minha avó porque pensava
que me eram dados por engano.
Sobraram dois –
um, de botânica,
o outro, de uma coleção – Pensamento Vivo,
O pensamento vivo de Freud.
Meu nome está escrito –
a mim foi dedicado.
Foi assim que meu avô falou comigo,
só o descobri depois, muito depois.
Manuseio o livro amarelado,
repleto de anotações nas margens.
Sítio arqueológico, traz impressas
mensagens destinadas ao futuro.
Ao final encontro, frases soltas –
"O eterno presente – onde o tempo não passa.
Momento da liberdade,
onde não há recordações do passado,
nem as inquietações do futuro.
Porém, a vida palpita sempre.
Sonhada felicidade, o futuro,
visão de esperança".
Meu avô no sonho ria, satisfeito, os dentes lindos.
2 de out. de 2011
14 de mai. de 2011
Supermãe de Hélio Pellegrino
Mário de Andrade, em seu livro A Costela do Grão Cão, tem um poema
que começa assim: “Existirem mães, /Isso é um caso sério. /Afirmam que a mãe
/Atrapalha tudo, /É fato, ela prende /Os erros da gente, /E era bem melhor /Não
existir mãe.” O poema segue, por aí afora, numa ascendente espiral de beleza,
até a inigualável explosão final: “Oh virgens, perdei-vos, /Pra terdes direito
/A essa virgindade /Que só as mães têm!”
Rubem Braga, numa crônica deliciosa de O Homem Rouco, dedicada ao
Dia das Mães, conta a história de uma Mãe que, de repente, na praia, dá por
falta do filho. Catastrófica, amputada, a Mãe hasteia o seu supergrito de
desespero e horror: todo o mundo, siderado, põe-se a procurar o afogado, em
rebuliço, em pânico, em convulsões e preces, até que o Joãozinho aparece
lampeiro, com um sorvete na mão. A Mãe, com um tapa, quase derruba sorvete e
filho — "menino desgraçado!" —, e a este, trombudo, humilhado, só
resta o recurso de murmurar, entre dentes: "Mãe é chaata...".
Otto Lara Resende, num conto chamado Mater
Dolorosa, narra a desventura de um menino progressivamente asfixiado pela longa
— e incurável — doença da mãe. O sofrimento materno, à semelhança de um miasma
em expansão, passou a impregnar todo o espaço doméstico, invadindo as salas, os
móveis, o porão, o quintal, as gaiolas de passarinhos, e tudo o mais que existisse
na casa. O menino, as criações, as próprias plantas começaram a morrer,
confinados e apáticos, até que a morte da mater dolorosa, num cruel paradoxo,
lhes trouxesse de novo o sol, a vida e a liberdade.
Mãe será
chata mesmo? Parece que, por um lado, os depoimentos neste sentido convergem,
numa quase unanimidade afirmativa. O próprio Ziraldo, em bilhete a mim enviado,
a propósito de sua personagem, a Supermãe, dá a respeito um testemunho
saboroso. Diz ele: “Na província; nós fomos criados jogando bola na rua e
voltando pra casa, pra lavar os pés e dormir. Mãe era uma coisa boa e meio
distante. Cheguei aqui, e era um tal de fazer amigo que tinha que voltar pra
casa, por causa da mãe, que eu fiquei besta. Cunhei até uma frase para um
deles: ‘A mãe é o maior inimigo do homem".
O Ziraldo, como bom mineiro, não se compromete. Fala da mãe dos outros e das supermães alheias, no que, aliás, obra bem. De qualquer forma, a frase dele é uma jóia de humor e de intuição psicológica. Mãe é coisa de tal forma portentosa, e de tão subida força, que um pouco é preciso denegri-la, pichá-la, para poder perdê-la. O curioso e dramático, na dialética da relação mãe-filho, é que o filho, para poder ganhar-se, enquanto sujeito humano autônomo, dono do próprio nariz, precisa criar uma distância respeitável, que o separe da mãe. Isto significa que o filho, para ter a mãe, saudavelmente, necessita perdê-la. O mesmo ocorre com a figura materna, na sua relação com o filho. Ter o filho, enquanto pessoa, centrado na própria liberdade, é abrir mão dele, é consentir na sua existência, como inventor de caminhos.
Mãe e filho se perdem para ganhar-se, e se ganham perdendo-se. É esta a contradição geradora da inevitável ambivalência que caracteriza a relação de mãe e filho, nos dois sentidos. Há um luto e uma perda a elaborar, no diálogo entre ambos. Há o tempo que passa, e a nostalgia incurável que dele roreja — pois o tempo não volta nunca. Há, por fim, um progressivo e doloroso reconhecimento de imperfeições, perdas e danos: a mãe, com o tempo, se torna menor, na medida que o filho cresce, até que mãe e filho passam a ser do mesmo tamanho — ambos se tornam maiores.
O velho Freud, que não me deixa mentir, tem por um lado uma visão idílica — e isto nele é raríssimo — da relação da mãe com o filho. Trata-se do único vínculo de amor em que o desprendimento, a generosidade e o altruísmo constituem a tônica da relação. Mas, por outro lado, o criador da psicanálise, com a sua cerrada — e sábia — mania de referir tudo e todas as coisas aos componentes da sexualidade, afirma que o filho, para a mulher, é o ressarcimento, ou a indenização, por ela exigidos, em virtude do fato de lhe faltar o pênis. Pela maternidade, a mulher consegue superar ainvidia penis, fonte para ela segundo o supracitado Freud — de mortificantes sentimentos de inferioridade. O filho, inconscientemente, para a mãe, pode vir a representar a insígnia fálica que lhe falta. Ele será, então, pedaço e brinquedo narcísico da mãe, coisa e loisa dela, propriedade privada e inalienável, sem direito a uma vida própria.
Eis aí, a meu ver, o substrato psicológico a partir do qual a mãe viria a transformar-se em supermãe. Ziraldo, cartunista de gênio, conseguiu apreender a essência do problema, através do seu traço e das situações, universais, e cotidianas, fixadas pela personagem que criou. E espantoso como o artista, pela graça do seu talento, chega a resultados que o cientista só alcança depois de longa — e porfiada — capina. Supermãe, como o mostra Ziraldo, é mãe demais, dominadora e engolfadora, cuidadosa e fervorosa a ponto de transformar o filho num permanente afogado, do qual ela representa a salvação — ou o salva-vidas. Acontece, porém, que a supermãe, ao mesmo tempo que é salvação e salva-vidas, é também o oceano, o báratro profundo, mundão de água onde o filho submerge, por contraditório decreto daquela que o deu à luz.
É isso aí: a supermãe dá o filho à luz, isto é, ao pai, ao mundo, à cultura, aos outros e, ao mesmo tempo, quer reabsorvê-lo, aspirá-lo, reintegrá-lo na noite do seu ventre. A supermãe, na verdade, é servidora da noite, rainha da escuridão, e trabalha no sentido de uma dissolução das diferenças. Ela aspira à unidade, à fusão, ao esplendor espesso e escuro do que é completo e silencioso — esfinge de pedra.
Acontece que a supermãe, além do mais, corresponde ao mais profundo sonho que o coração humano é capaz de sonhar. Ou melhor: a supermãe corresponde ao desejo de um sono sem sonhos, onde possamos nos perder sem sequer termos notícia de que estamos perdidos. Neste sentido, a supermãe, do ponto de vista psicanalítico, representa em nós a pulsão de morte, a tentação que temos de abdicar de nós mesmos, num naufrágio que nos dissolva no grande oceano cósmico: “É doce morrer no mar”.
Nascemos prematurados, desequipados, numa inermidade enorme. Costumo dizer que o ser humano tem sempre mãe de menos, na medida que, ao ser dado à luz da realidade, não tem condições de suportá-la. A criança, nos seus primeiros tempos de vida, veste-se de mãe, cria para si, na fantasia, um agasalho de carne, onde se refugia - como num útero. Ela fica, desta forma, fundida à mãe — à supermãe! —, totalmente identificada a ela, num sono e num sonho em que recupera o paraíso perdido: “e que tudo o mais vá para o inferno” .
É assim, a partir desses primórdios, que nos acumpliciamos com a supermãe. No princípio, a exigimos, por questão de sobrevivência. Depois, não sabemos abrir mão dela. Por fim, não queremos abrir mão dela. Fruto do desejo da mãe e do filho, a supermãe é criação a dois, exclusiva e excludente. Haja pai, haja terceiro, haja luz e Logos, para resolver a parada.
Do contrário, estaremos fritos.
Este é o prefácio escrito por Hélio Pellegrino para o livro “The Supermãe”, de autoria de Ziraldo, publicado pela Abril S.A. – São Paulo, 1981, pág. 4, apresentando o melhor dos 10 anos das superaventuras vividas pela Supermãe na Revista Cláudia.
O Ziraldo, como bom mineiro, não se compromete. Fala da mãe dos outros e das supermães alheias, no que, aliás, obra bem. De qualquer forma, a frase dele é uma jóia de humor e de intuição psicológica. Mãe é coisa de tal forma portentosa, e de tão subida força, que um pouco é preciso denegri-la, pichá-la, para poder perdê-la. O curioso e dramático, na dialética da relação mãe-filho, é que o filho, para poder ganhar-se, enquanto sujeito humano autônomo, dono do próprio nariz, precisa criar uma distância respeitável, que o separe da mãe. Isto significa que o filho, para ter a mãe, saudavelmente, necessita perdê-la. O mesmo ocorre com a figura materna, na sua relação com o filho. Ter o filho, enquanto pessoa, centrado na própria liberdade, é abrir mão dele, é consentir na sua existência, como inventor de caminhos.
Mãe e filho se perdem para ganhar-se, e se ganham perdendo-se. É esta a contradição geradora da inevitável ambivalência que caracteriza a relação de mãe e filho, nos dois sentidos. Há um luto e uma perda a elaborar, no diálogo entre ambos. Há o tempo que passa, e a nostalgia incurável que dele roreja — pois o tempo não volta nunca. Há, por fim, um progressivo e doloroso reconhecimento de imperfeições, perdas e danos: a mãe, com o tempo, se torna menor, na medida que o filho cresce, até que mãe e filho passam a ser do mesmo tamanho — ambos se tornam maiores.
O velho Freud, que não me deixa mentir, tem por um lado uma visão idílica — e isto nele é raríssimo — da relação da mãe com o filho. Trata-se do único vínculo de amor em que o desprendimento, a generosidade e o altruísmo constituem a tônica da relação. Mas, por outro lado, o criador da psicanálise, com a sua cerrada — e sábia — mania de referir tudo e todas as coisas aos componentes da sexualidade, afirma que o filho, para a mulher, é o ressarcimento, ou a indenização, por ela exigidos, em virtude do fato de lhe faltar o pênis. Pela maternidade, a mulher consegue superar ainvidia penis, fonte para ela segundo o supracitado Freud — de mortificantes sentimentos de inferioridade. O filho, inconscientemente, para a mãe, pode vir a representar a insígnia fálica que lhe falta. Ele será, então, pedaço e brinquedo narcísico da mãe, coisa e loisa dela, propriedade privada e inalienável, sem direito a uma vida própria.
Eis aí, a meu ver, o substrato psicológico a partir do qual a mãe viria a transformar-se em supermãe. Ziraldo, cartunista de gênio, conseguiu apreender a essência do problema, através do seu traço e das situações, universais, e cotidianas, fixadas pela personagem que criou. E espantoso como o artista, pela graça do seu talento, chega a resultados que o cientista só alcança depois de longa — e porfiada — capina. Supermãe, como o mostra Ziraldo, é mãe demais, dominadora e engolfadora, cuidadosa e fervorosa a ponto de transformar o filho num permanente afogado, do qual ela representa a salvação — ou o salva-vidas. Acontece, porém, que a supermãe, ao mesmo tempo que é salvação e salva-vidas, é também o oceano, o báratro profundo, mundão de água onde o filho submerge, por contraditório decreto daquela que o deu à luz.
É isso aí: a supermãe dá o filho à luz, isto é, ao pai, ao mundo, à cultura, aos outros e, ao mesmo tempo, quer reabsorvê-lo, aspirá-lo, reintegrá-lo na noite do seu ventre. A supermãe, na verdade, é servidora da noite, rainha da escuridão, e trabalha no sentido de uma dissolução das diferenças. Ela aspira à unidade, à fusão, ao esplendor espesso e escuro do que é completo e silencioso — esfinge de pedra.
Acontece que a supermãe, além do mais, corresponde ao mais profundo sonho que o coração humano é capaz de sonhar. Ou melhor: a supermãe corresponde ao desejo de um sono sem sonhos, onde possamos nos perder sem sequer termos notícia de que estamos perdidos. Neste sentido, a supermãe, do ponto de vista psicanalítico, representa em nós a pulsão de morte, a tentação que temos de abdicar de nós mesmos, num naufrágio que nos dissolva no grande oceano cósmico: “É doce morrer no mar”.
Nascemos prematurados, desequipados, numa inermidade enorme. Costumo dizer que o ser humano tem sempre mãe de menos, na medida que, ao ser dado à luz da realidade, não tem condições de suportá-la. A criança, nos seus primeiros tempos de vida, veste-se de mãe, cria para si, na fantasia, um agasalho de carne, onde se refugia - como num útero. Ela fica, desta forma, fundida à mãe — à supermãe! —, totalmente identificada a ela, num sono e num sonho em que recupera o paraíso perdido: “e que tudo o mais vá para o inferno” .
É assim, a partir desses primórdios, que nos acumpliciamos com a supermãe. No princípio, a exigimos, por questão de sobrevivência. Depois, não sabemos abrir mão dela. Por fim, não queremos abrir mão dela. Fruto do desejo da mãe e do filho, a supermãe é criação a dois, exclusiva e excludente. Haja pai, haja terceiro, haja luz e Logos, para resolver a parada.
Do contrário, estaremos fritos.
Este é o prefácio escrito por Hélio Pellegrino para o livro “The Supermãe”, de autoria de Ziraldo, publicado pela Abril S.A. – São Paulo, 1981, pág. 4, apresentando o melhor dos 10 anos das superaventuras vividas pela Supermãe na Revista Cláudia.
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