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21 de ago. de 2012

Como andar nas pedras, por Luis Fernando Veríssimo


foto: Rafael Souza
As casas e os sobrados antigos de Parati muitas vezes são fachadas para belos interiores modernos. Você literalmente pula de século quando entra por uma das suas portas. O mesmo não acontece com as ruas da zona histórica, que continuam como eram nos séculos 18 e 19, calçadas com pedras irregulares de vários tamanhos que obrigam o pedestre a andar com muito cuidado. É perigoso pisar desatento no passado, ainda mais depois de uma certa idade.
(...) O calçamento das ruas do centro histórico foi feito na forma de calha rasa, sendo a parte mais baixa o eixo central da rua. Neste foram usadas pedras mais compridas e uniformes e mais alinhadas do que as outras. São as capistranas, que formam uma espécie de trilha à prova de tropeções. Pelo menos para nós, os iniciados.
E não deixa de haver uma certa justeza poética no fato de alguns dos maiores escritores do mundo terem que andar de pedra em pedra, escolhendo as mais aparentemente firmes e seguras e evitando as mais traiçoeiras. De certa maneira, é o que eles fazem quando escrevem. Vão escolhendo as palavras certas para chegar onde querem, evitando a queda e o vexame publico. Parati, para quem anda pelas suas ruas, também é um exercício de estilo.
fonte: http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2012/07/12/como-andar-nas-pedras-por-luis-fernando-verissimo-455035.asp

16 de abr. de 2012

Intimidade, por Luiz Fernando Verissimo



Os dois na cama.

— Bem...

— Mmm?

— Posso te fazer uma pergunta?

— Se você pode me fazer uma pergunta? 40 anos de casados e você precisa de permissão para me fazer uma pergunta?

— É uma coisa que me intriga há 40 anos...

— O que?

— A sua calcinha pendurada no box do chuveiro...

— Sim?

— Está ali para secar ou para molhar mais?

— Como é?!

— A sua calcinha pendurada no...

— Eu ouvi a pergunta. Só não estou acreditando. Há 40 anos você vive com essa dúvida? O que a calcinha dela está fazendo no box do banheiro?

— É. Ela foi lavada e está secando, ou está ali para receber mais água?

— E por que você levou 40 anos para me fazer essa pergunta?

— Sei lá. Eu...

— Você achou que nós não tínhamos intimidade o bastante para tratar do assunto, é isto?. Que eram necessários 40 anos de vida em comum para podermos discutir a minha calcinha pendurada no box sem constrangimentos. É isto? Você sabe tudo ao meu respeito. Sabe toda a minha vida, conhece cada estria e sinal do meu corpo, sabe do que eu gosto e não gosto, em quem eu voto, sabe as minhas manias e os meus ruídos, mas estava faltando este detalhe. Este ponto cego no nosso relacionamento. O que a minha calcinha faz pendurada no box do banheiro.

— Não, eu queria perguntar há tempo, mas...

— Já sei. Você achou que fosse uma coisa só de mulher, que homem jamais entenderia. As calcinhas penduradas no chuveiro seriam uma espécie de demarcação de território, um ritual de congregação tribal. Um mistério que une todas as mulheres do mundo e um terreno em que homem só entra com o risco de enlouquecer. Por isso demorou tanto para fazer a pergunta.

— Nada disso. Eu só...

— Francamente.

Ele já estava quase dormindo quando se deu conta. Ela não respondera a pergunta.

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...