Mostrando postagens com marcador Dia. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Dia. Mostrar todas as postagens

29 de set. de 2015

Tempo Perdido : Renato Russo

Todos os dias quando acordo
Não tenho mais o tempo que passou
Mas tenho muito tempo
Temos todo o tempo do mundo

Todos os dias antes de dormir
Lembro e esqueço como foi o dia
Sempre em frente
Não temos tempo a perder

Nosso suor sagrado
É bem mais belo que esse sangue amargo
E tão sério, e selvagem
Selvagem, selvagem

Veja o sol dessa manhã tão cinza
A tempestade que chega é da cor dos teus olhos
Castanhos

Então me abraça forte
E me diz mais uma vez que já estamos 
Distantes de tudo
Temos nosso próprio tempo

Não tenho medo do escuro
Mas deixe as luzes acesas agora
O que foi escondido é o que se escondeu
E o que foi prometido, ninguém prometeu

Nem foi tempo perdido
Somos tão jovens
Tão jovens, tão jovens



13 de mai. de 2015

Os Amantes :: Julio Cortazar

HUNDERTWASSER, FRIEDENSREICH

Quem os vê andar pela cidade
se todos estão cegos?
Eles se tomam as mãos: algo fala 
entre seus dedos, línguas doces 
lambem a úmida palma, correm pelas falanges, 
e acima a noite está cheia de olhos. 

São os amantes, sua ilha flutua à deriva 
rumo a mortes na relva, rumo a portos 
que se abrem nos lençóis. 
Tudo se desordena por entre eles,
tudo encontra seu signo escamoteado;
porém eles nem mesmo sabem
que enquanto rodam em sua amarga arena
há uma pausa na criação do nada
o tigre é um jardim que brinca.

Amanhece nos caminhões de lixo,
começam a sair os cegos,
o ministério abre suas portas.
Os amantes cansados se fitam e se tocam
uma vez mais antes de haurir o dia.

Já estão vestidos, já se vão pela rua.
E só então,
quando estão mortos, quando estão vestidos,
é que a cidade os recupera hipócrita
e lhes impõe os seus deveres quotidianos.


Tradução de José Jeronymo Rivera

29 de jan. de 2015

JANELA :: Czeslaw Milosz (1911-2004)

Gustave Klimt

Olhei pela janela ao raiar do dia e vi uma jovem macieira, diáfana em meio à luz.
Quando olhei de novo ao raiar do dia lá estava uma grande macieira, carregada de fruto.
Passaram-se decerto muitos anos, mas não me lembro de nada do que aconteceu neste sonho.

     

1 de jan. de 2015

Tenho: Livia Garcia Roza

Fernand  Khnopff

Tenho no olhar um outro dia.
                                         

22 de nov. de 2014

Disciplina :: Cesare Pavese

O trabalho começa ao romper do dia. Mas nós começamos,
um pouco antes do romper do dia, a reconhecer-nos
nas pessoas que passam na rua. Ao descobrir os raros
transeuntes, cada um sabe que está sozinho
e que tem sono — perdido no seu próprio sonho,
cada um sabe no entanto que com o dia abrirá os olhos.
Quando a manhã chega, encontra-nos estupefactos
a fixar o trabalho que agora começa.
Mas já não estamos sozinhos e ninguém mais tem sono
e pensamos com calma os pensamentos do dia
até que o sorriso vem. Com o regresso do sol
estamos todos convencidos. Mas às vezes um pensamento
menos claro — um esgar — surpreende-nos inesperadamente
e voltamos a olhar para tudo como antes do amanhecer.
A cidade clara assiste aos trabalhos e aos esgares.
Nada pode turvar a manhã. Tudo pode
acontecer e basta levantar a cabeça
do trabalho e olhar. Rapazes que se escaparam
e que ainda não fazem nada passam na rua
e alguns até correm. As árvores das avenidas
dão muita sombra e só falta a erva
entre as casas que assistem imóveis. São tantos
os que à beira-rio se despem ao sol.
A cidade permite-nos levantar a cabeça
para pensar estas coisas, e sabe bem que em seguida a baixamos.

In:  Trabalhar Cansa (Lavorare Stanca)
Tradução de Carlos Leite

16 de nov. de 2014

Não sei se sabes de Rui Costa

The fire - Rene Magritte, 1943
Não sei se sabes
que a meio da manhã

o verde dos teus lábios

passou para as encostas

e um gomo transparente

adormeceu nos juncos e abriu.

Abriu um brilho qualquer

na gruta fria e pôs uma fogueira

pequenina numa taça

e elevou as mãos quentes

pelo dia.


talvez tu saibas que o principal

do amor

é uma montanha de efeitos secundários.



In: A Nuvem Prateada das Pessoas Graves. Edições Quasi

3 de nov. de 2014

Insiro o rosto :: ANTÓNIO RAMOS ROSA

Nadejda Anfalova
Insiro o rosto
entre os ramos de um arbusto
e bebo a delicada fábula
dos fulgores solares

Consumi toda a minha fragilidade verde

Dormi como uma folha
de braços abertos
e passo a passo
subi ao cimo do dia

 in NUMA FOLHA LEVE E LIVRE. Lua de Marfim Editora,  2013.

28 de abr. de 2014

Saciedade de Alice Ruiz


Gary Bunt
Só pedaços do mesmo tamanho
ficam prontos ao mesmo tempo,
sejam nacos ou migalhas.

A força para sacudir a panela
depende do que se põe nela
às vezes ao fogo brando
às vezes na fornalha.

Os crepes pedem paciência
as panquecas agilidade.
Cada receita pede
um gesto mais suave
ou mais grosseiro
conforme seu tempero.

Assim também se prepara
o gosto dos dias
o sabor das noites
até a saciedade.

27 de nov. de 2013

Aléns :: Mia Couto

 M.C. Escher
(...) Olhei  o poente e vi as aves carregando o sol, empurrando o dia para outros aléns.
 Aquela era a minha última noite desse retiro nos matos.  Manhã seguinte eu já entrava na vila, como quem regressa a seu próprio corpo depois do sono. Olhei o poente e vi as aves carregando o sol, empurrando o dia para outros aléns.

fonte: O último voo do flamingo. Companhia das Letras, 2005.

2 de ago. de 2013

Dai-nos, meu Deus um pequeno absurdo quotidiano que seja de Alexandre O'Neill

Dai-nos, meu Deus, um pequeno absurdo quotidiano que seja,
que o absurdo, mesmo em curtas doses,
defende da melancolia e nós somos tão propensos a ela!
Se é verdade o aforismo faca afia faca
(não sabemos falar senão figuradamente
sinal de que somos pouco capazes de abstracção).
Se faca afia faca,
então que a faca do absurdo
venha afiar a faca da nossa embotada vontade,
venha instalar-se sobre a lâmina do inesperado
e o dia a dia será nosso e diferente.
Aflições? Teremos muitas não haja dúvida.
Mas tudo será melhor que este dia a dia.
Os povos felizes não têm história, diz outro aforismo.
Mas nós não queremos ser um povo feliz.
Para isso bastam os suiços, os suecos, que sei eu?
Bom proveito lhes faça!
Nós queremos a maleita do suíno,
a noiva que vê fugir o noivo,
a mulher que vê fugir o marido,
o órfão que é entregue à caridade pública,
o doente de hospital ainda mais miserável que o hospital
onde está a tremer, a um canto, e ainda ninguém lhe ligou nenhuma.
Nós queremos ser o aleijado nas ruas,
a pedir esmola, a esbardalhar-se frente aos nossos olhos.
Queremos ser o pai desempregado que não sabe que Natal há-de dar aos seus.
Garanti-nos, meu Deus, um pequeno absurdo cada dia,
um pequeno absurdo às vezes chega para salvar.

Alexandre Manuel Vahía de Castro O'Neill (n. em Lisboa a 19 de Dez de 1924; m. em 21 de Agosto de 1986).

13 de mar. de 2013

O dia já envelheceu de Manoel de Barros

Van Gogh "Landscape At Twilight" 

No fim da tarde, nossa mãe aparecia nos fundos do quintal :
Meus filhos, o dia já envelheceu, entrem pra dentro.
Manoel de Barros

10 de dez. de 2012

Extraordinário de Clarice Lispector (nascida Haia Pinkhasovna Lispector (Tchetchelnik, Ucrânia em 10 de dezembro de 1920 — Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1977)

“De algum modo já aprendera que cada dia nunca era comum, era sempre extraordinário. E que a ela cabia sofrer o dia ou ter prazer nele. Ela queria o prazer do extraordinário que era tão simples de encontrar nas coisas comuns: não era necessário que a coisa fosse extraordinária para que nela se sentisse o extraordinário.”

In: Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres, Relógio D’Água

11 de set. de 2012

Belo, belo de Manuel Bandeira


Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.

Tenho o fogo de constelações extintas há milênios.
E o risco brevíssimo — que foi? passou — de tantas estrelas cadentes.

A aurora apaga-se,
E eu guardo as mais puras lágrimas da aurora.

O dia vem, e dia adentro
Continuo a possuir o segredo grande da noite.

Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.

Não quero o êxtase nem os tormentos.
Não quero o que a terra só dá com trabalho.

As dádivas dos anjos são inaproveitáveis:
Os anjos não compreendem os homens.

Não quero amar,
Não quero ser amado.

Não quero combater,
Não quero ser soldado.

— Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples.

14 de ago. de 2012

Rondel de Samuel Beckett




pela praia fora 
ao final do dia 
só som de passos 
longo som só 
que inesperado fica 
som nenhum depois 
pela praia fora 
longo som nenhum 
que inesperado parte 
só som de passos 
longo som só
pela praia fora 
ao final do dia

1976

9 de jul. de 2012

Canto de um Povo de um Lugar - Caetano Veloso


Egon Schiele


Todo dia o sol levanta
E a gente canta
Ao sol de todo dia

Fim da tarde a terra cora
E a gente chora
Porque finda a tarde

Quando a noite a lua mansa
E a gente dança
Venerando a noite

Madrugada, céu de estrelas
E a gente dorme
sonhando com elas.

16 de mar. de 2012

Acalanto de Paulo Henriques Britto


Noite após noite, exaustos, lado a lado,
digerindo o dia, além das palavras
e aquém do sono, nos simplificamos,

despidos de projetos e passados,
fartos de voz e verticalidade,
contentes de ser só corpos na cama;

e o mais das vezes, antes do mergulho
na morte corriqueira e provisória
de urna dormida, nos satisfazemos

em constatar, com uma ponta de orgulho,
a cotidiana e mínima vitória:
mais uma noite a dois, e um dia a menos.

E cada mundo apaga seus contornos
no aconchego de um outro corpo morno. 

fonte: BRITTO, Paulo Henriques. Macau. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...