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31 de dez. de 2015

Versos de fim de ano :: Carlos Drummond de Andrade

Botero
I

Você sabia que a lua
ainda não foi visitada?
Que há sempre uma lua nova
dentro de outra, e encantada?

É lá que vivem as graças
que nesta quadra do ano
a gente sonha e deseja
a todo o gênero humano.

Mas a lua, preguiçosa,
nem sempre atende à pedida?
A gente pede assim mesmo
até melhorar a vida.

II
É tempo de pesquisar no tempo
uma estrela nova, um sorriso;
de dizer à nuvem: sê escultura;
e à escultura: sê nuvem.

Tempo de desejar, tempo de pensar
madura e docemente o bom tempo de acontecer
(e mesmo não acontecendo fica desejado),
pássaro-mensageiro, traço
entre vida e esperança
como satélite no espaço.

III
Na volta da esperança,
um princípio de vida:
ser outra vez criança
por toda, toda a vida.


16 de jun. de 2015

A curva dos teus olhos :: Paul Éluard

Andrew Wyeth

A curva dos teus olhos dá a volta ao meu peito
É uma dança de roda e de doçura.
Berço nocturno e auréola do tempo,
Se já não sei tudo o que vivi
É que os teus olhos não me viram sempre.

Folhas do dia e musgos do orvalho,
Hastes de brisas, sorrisos de perfume,
Asas de luz cobrindo o mundo inteiro,
Barcos de céu e barcos do mar,
Caçadores dos sons e nascentes das cores.

Perfume esparso de um manancial de auroras
Abandonado sobre a palha dos astros,
Como o dia depende da inocência
O mundo inteiro depende dos teus olhos
E todo o meu sangue corre no teu olhar.

26 de jan. de 2015

Poema :: Bernhard Wosien

Marc Chagall
Eu danço
uma canção do silêncio
seguindo uma música cósmica
e coloco meu pé ao longo das beiras do céu
eu sinto
como seu sorriso me faz feliz

5 de dez. de 2014

Idea Vilariño: "Tudo é tão simples"

Tudo é tão simples muito
mais simples e no entanto
'inda assim há momentos
em que é demasiado para mim
em que não entendo
e não sei se sorrir com gargalhadas
ou se chorar de medo
ou estar aqui sem pranto
sem risos
em silêncio
assumindo minha vida
meu trânsito
meu tempo.

Tradução de Adriano Nunes
:::::::::::::::::::::;
Todo es muy simple mucho
más simple y sin embargo
aun así hay momentos
en que es demasiado para mí
en que no entiendo
y no sé si reírme a carcajadas
o si llorar de miedo
o estarme aqui sin llanto
sin risas
en silencio
asumiendo mi vida
mi tránsito
mi tiempo.



VILARIÑO, Idea. Poesía Completa. Montevideo: Cal y Canto, 2012, p. 118.

5 de jul. de 2014

O utopista :: Murilo Mendes

Daily Bread - Wojciech Siudmak

Ele acredita que o chão é duro
Que todos os homens estão presos
Que há limites para a poesia
Que não há sorrisos nas crianças
Nem amor nas mulheres
Que só de pão vive o homem
Que não há um outro mundo.


15 de mar. de 2014

Pra Sonhar de Marcelo Jeneci

Quando te vi passar fiquei paralisado
Tremi até o chão como um terremoto no Japão
Um vento, um tufão
Uma batedeira sem botão
Foi assim viu
Me vi na sua mão

Perdi a hora de voltar para o trabalho
Voltei pra casa e disse adeus pra tudo que eu conquistei
Mil coisas eu deixei
Só pra te falar
Largo tudo

Se a gente se casar domingo
Na praia, no sol, no mar
Ou num navio a navegar
Num avião a decolar
Indo sem data pra voltar
Toda de branco no altar
Quem vai sorrir?
Quem vai chorar?
Ave maria, sei que há
Uma história pra sonhar
Pra sonhar

O que era sonho se tornou realidade
De pouco em pouco a gente foi erguendo o nosso próprio trem,
Nossa Jerusalém,
Nosso mundo, nosso carrossel
Vai e vem vai
E não para nunca mais

De tanto não parar a gente chegou lá
Do outro lado da montanha onde tudo começou
Quando sua voz falou:
Pra onde você quiser eu vou
Largo tudo

Se a gente se casar domingo
Na praia, no sol, no mar
Ou num navio a navegar
Num avião a decolar
Indo sem data pra voltar
Toda de branco no altar
Quem vai sorrir?
Quem vai chorar?
Ave maria, sei que há
Uma história pra contar

Domingo
Na praia, no sol, no mar
Ou num navio a navegar
Num avião a decolar
Indo sem data pra voltar
Toda de branco no altar
Quem vai sorrir?
Quem vai chorar?
Ave maria, sei que há
Uma história pra contar
Pra contar

https://www.youtube.com/watch?v=iJ33C0xqmG0

7 de jul. de 2013

Há mulheres que trazem o mar nos olhos - Sophia de Mello Breyner Andresen

Fernanda Correia Dias . Caminho no Mar .
Há mulheres que trazem o mar nos olhos
Não pela cor
Mas pela vastidão da alma
E trazem a poesia nos dedos e nos sorrisos
Ficam para além do tempo
Como se a maré nunca as levasse
Da praia onde foram felizes
Há mulheres que trazem o mar nos olhos
pela grandeza da imensidão da alma
pelo infinito modo como abarcam as coisas e os Homens...
Há mulheres que são maré em noites de tardes
e calma

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN, in OBRA POÉTICA (Ed. Caminho, 2010)

24 de mar. de 2013

Desenraizados de Cesare Pavese

Van Gogh 

Chega de mar. Já vimos mar que chegue.
Ao entardecer, quando deslavada a água se estende
e esfuma no nada, o meu amigo olha-a fixamente
e eu fixo o meu amigo e nenhum de nós fala.
Chegada a noite, acabamos por nos fechar nos fundos duma taberna,
perdidos no meio do fumo, e bebemos. O meu amigo tem sonhos
(o bramir do mar torna os sonhos um tanto monótonos)
em que a água é apenas o espelho, entre uma ilha e outra,
que reflecte colinas salpicadas de flores selvagens e cascatas.
Quando bebe, dá-lhe para isso. De olhos postos no copo,
vê-se a erguer colinas verdejantes sobre a planura do mar.
As colinas, a mim agradam-me; e deixo-o falar do mar
porque a água é tão clara que se vêem mesmo as pedras do fundo.

Eu, o que vejo é só colinas, e enchem-me o céu e a terra
com as linhas nítidas dos seus perfis, distantes ou próximas.
Mas as minhas são agrestes, estriadas de vinhedos
que crescem penosamente num solo calcinado. O meu amigo aceita-as
e quer vesti-las de flores e frutos selvagens
para nelas descobrir, entre risos, raparigas mais nuas que os frutos.
Não é preciso: aos meus sonhos mais agrestes não falta um sorriso.
Se amanhã, cedinho, nos metermos ao caminho,
poderemos encontrar nessas colinas, no meio das vinhas,
uma rapariga de pele morena, tisnada pelo sol,
e, talvez, metendo conversa, comer-lhe algumas uvas.


trabalhar cansa
trad.carlos leite
cotovia
1997

2 de set. de 2012

Teu sorriso - Pablo Neruda


Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.

Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.

Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.
............................................................


Póngame con el pan, si se quiere,
me deja sin aliento, pero no
le quita su risa.

No quita la rosa,
la lanza que arrancar,
el agua que de repente
estalla en alegría,
la repentina ola
plata nacer en ti.

Mi lucha es dura y el retorno
con los ojos cansados
a veces vemos
que la tierra no cambia,
pero cuando tu risa entra
sube al cielo buscándome
y se abre para mí todas las
las puertas de la vida.

Mi amor, en los momentos
más oscuro suelto
tu risa y de repente
ves que mi sangre mancha
las piedras de la calle,
reír, porque reír
será para mis manos
como una espada fresca.

Por el mar en otoño,
tu risa debe aumentar
su cascada de espuma,
y la primavera, el amor,
Quiero tu risa como
la flor que se esperaba,
la flor azul, la rosa
de mi país por el eco.

Ríete de la noche
el día, la luna,
Ríete de las calles
pasteles en la isla,
se ríen de esta gruesa
chico que te ama,
pero cuando abro
los ojos y cerca de ellos,
cuando mis pasos van,
cuando mis pasos regreso,
me niegan el pan, el aire,
la luz, la primavera,
pero nunca tu risa,
porque después mueren.


O teu riso

Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.

Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.

Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.

19 de ago. de 2012

29 de jan. de 2012

Meu avô de Débora Siqueira Bueno




"SONHO Na verdade, sonhar é outra maneira de lembrar."  Freud 

Essa noite sonhei com o pai de minha mãe, 
meu avô bonito e mudo. 
No sonho ele falava comigo, 
reclamava de eu ter dito bom dia. 
– É porque eu gosto do senhor, Vô! 
Estava no meu quarto de menina. 
Acomodei-o para que dormisse, 
mas ele prosseguiu e conversava. 
Seus olhos claros tinham um brilho 
que a vida embaçou e nunca vi. 
A voz cascateava, alegre até, 
num tom que também não conheci. 
Meu avô falava grego e latim; 
criança, quis achar sua linguagem. 
Às vezes brincava quieta ao seu lado, 
horas. 
Olhava-o de soslaio, tímida sorria, 
esperando que a vida aparecesse. 

Uma vez vieram seus irmãos, 
os nomes muito antigos: 
Gamaliel, Arcelino, 
Alberico, Pergentino. 
Sóbrios, com seus chapéus na mão, 
traziam os cheiros da fazenda. 
Doce de leite, goiabada e rapadura 
os presentes dados. 
A conversa era pausada, 
Siqueiras são circunspetos. 
Sentados na varanda em frente ao rio 
o que mais se ouvia era a voz das águas. 
Foi quando ouvi a voz do meu avô, 
única vez. 

Meu avô me dava livros, muitos, 
devolvidos à minha avó porque pensava 
que me eram dados por engano. 
Sobraram dois – 
um, de botânica, 
o outro, de uma coleção – Pensamento Vivo, 
O pensamento vivo de Freud. 
Meu nome está escrito – 
a mim foi dedicado. 
Foi assim que meu avô falou comigo, 
só o descobri depois, muito depois. 

Manuseio o livro amarelado, 
repleto de anotações nas margens. 
Sítio arqueológico, traz impressas 
mensagens destinadas ao futuro. 
Ao final encontro, frases soltas – 
"O eterno presente – onde o tempo não passa. 
Momento da liberdade, 
onde não há recordações do passado, 
nem as inquietações do futuro. 
Porém, a vida palpita sempre. 
Sonhada felicidade, o futuro, 
visão de esperança". 

Meu avô no sonho ria, satisfeito, os dentes lindos.

27 de jan. de 2012

Eu queria somente olhar de Clarice Lispector




" ...... eu o vi de repente e era um homem tão extraordinariamente bonito e viril que eu senti uma alegria de criação. Não é que eu o quisesse para mim assim como não quero para mim o menino que vi com cabelos de arcanjo correndo atrás da bola. Eu queria somente olhar. O homem olhou um instante para mim e sorriu calmo: ele sabia quanto era belo e sei que sabia que eu não o queria para mim. Sorriu porque não sentiu ameaça alguma.É que os seres excepcionais em qualquer sentido estão sujeitos a mais perigos do que o comum das pessoas. Atravessei a rua e tomei um táxi. A brisa arrepiava-me os cabelos da nuca. E eu estava tão feliz que me encolhi no canto do táxi de medo porque a felicidade dói. E isto tudo causado pela visão do homem bonito. Eu continuava a não querê-lo para mim - gosto é das pessoas um pouco feias e ao mesmo tempo harmoniosas, mas ele de certo modo dera-me muito com o sorriso de camaradagem entre pessoas que se entendem. Tudo isso eu não entendia."

Água Viva. Editora Nova Fronteira, 1980. p. 65

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...