de que foi um sentimento súbito que os juntou.
É bela uma certeza como essa,
mas é mais bela a incerteza.
Acham que por não se terem conhecido antes
nunca houve nada entre eles.
E o que diriam as ruas, escadas, corredores,
onde há muito podiam se cruzar?
Queria perguntar-lhes
se não lembram –
na porta giratória talvez
um dia cara a cara?
em meio à multidão um “com licença”?
no telefone a voz “engano”?
– mas conheço sua resposta.
Não, não se lembram.
Ficariam surpreendidos de saber
que já faz tempo
o acaso brincava com eles.
Não preparado ainda
a transformar-se para eles num destino,
aproximava-os e os afastava,
cortava-lhes o caminho
e, abafando a gargalhada,
saltava para o lado.
Houve sinais, signos,
só que ilegíveis.
Talvez há três anos atrás
ou na terça-feira passada
certa folha voou
de um ombro para o outro?
Houve algo perdido e recolhido.
Quem sabe, uma bola
já no bosque da infância.
Houve maçanetas e campainhas,
em que antes
já o toque se punha no toque.
As malas lado a lado no depósito de bagagem.
Talvez, numa certa noite, o mesmo sonho
apagado imediatamente depois de acordar.
Pois cada princípio
é apenas uma continuação,
e o livro de eventos
sempre aberto no meio.
Wisława Szymborska (Kórnik, 2 de Julho de 1923 — Cracóvia, 1 de fevereiro de 2012)