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25 de ago. de 2014

Não basta abrir a janela :: Fernando Pessoa

 Childe Hassam
Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.

In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993).  p. 75.

14 de fev. de 2013

Amando uma mulher inteligente de Luiz Felipe Pondé


(...) hoje vou falar de coisa mais séria; vou falar de amor romântico e de um filme maravilhoso para quem gosta do tema e também de filosofia: "O Amante da Rainha, filme dinamarquês dirigido por Nikolaj Arcel, com Mads Mikkelsen (o amante) e Alicia Vikander (a rainha) no elenco.
Você acredita no amor romântico? Dito assim parece uma pergunta idiota. Alguns dirão que pessoas maduras sabem que o amor não existe. Outros, que é diferente de paixão, sendo esta passageira, enquanto o amor seria algo mais sólido, dado a parcerias de longa duração.
Nada mais pernicioso para um casamento de longa duração do que a expectativa de amor romântico depois de um certo número de anos, diriam os "maduros". Expectativas assim seriam "coisa de mulher", o que também é uma besteira. Homens sonham com momentos de paixão com suas mulheres no dia a dia. "Ter uma mulher" significa exatamente isso.
Supor que os homens são animais de cerveja, futebol e sexo é não entender nada sobre os homens. Pensar que os homens só pensam em cerveja, futebol e sexo é a mesma coisa que pensar que mulher é um ser menos inteligente.
A suposta simplicidade masculina é tão falsa quanto a também suposta irracionalidade feminina.
O tema encanta, apesar de alguns teóricos afirmarem que o amor é uma mera invenção da literatura europeia medieval (como o Papai Noel), universalizada, de modo equivocado, pelos autores românticos dos séculos 19 e 20.
Digo "equivocada" porque, para os medievais, nem todo mundo seria capaz de viver ou suportar tal forma de amor avassalador. Já para os românticos, modernos, todo mundo poderia viver essa forma de encantadora doença da alma.
Eu não acredito que o amor romântico seja uma invenção da literatura, mas concordo com os medievais: muita gente passa pela vida sem experimentá-lo. Uma pena, pobres miseráveis...
A narrativa medieval descreve essa "maladie de la pensée" (doença do pensamento, do espírito), dito no original provençal (um tipo de francês comum na Idade Média), como um modo de obsessão que arrasta o homem e a mulher, fazendo com que fiquem presos no desejo de estar um com o outro e atormentados quando não podem se encontrar, quando não podem se tocar.
Segundo os medievais, ele ficará horas imaginando o que ela estaria fazendo, pensando, sonhando, com o desejo de penetrar em todos os segredos de sua alma e de seu corpo ("Tratado do Amor Cortês", de André Capelão, publicado pela editora Martins Fontes).
A estrutura ideal supõe o amor impossível, no qual a morte espera os dois ou um dos dois --e a desgraça do que sobrevive. Quando o amante é amigo fiel do marido dela, a estrutura dramática encontra seu modo mais perfeito de impasse.
Dirão os especialistas que o amor romântico cantado nos séculos 18 e 19 fala da destruição de qualquer forma de vida que não a interesseira, típica da burguesia e sua alma de "merceeiro", como diria Marx.
"O Amante da Rainha" tem exatamente essa estrutura. O amante é médico e confidente do rei e se apaixonará enlouquecidamente, e será correspondido, pela rainha.
Esse médico, chamado de "o alemão" pelos dinamarqueses (o personagem é alemão), é um iluminista (leitor de Rousseau e Voltaire) que crê na superação da barbárie pelo uso da razão e da ciência. Ela também.
O amor dos heróis não é apenas construído a partir de "sentimentos" mas, também, do encontro entre suas almas inquietas com o mundo a sua volta. Ambos são filósofos de uma época em que a filosofia se revoltou com a estupidez do mundo (o filme se passa na segunda metade do século 18). Aliás, a filosofia sempre se revoltará, porque o mundo será sempre estúpido.
Além de belas pernas e belos seios, a delícia de partilhar inquietações filosóficas com uma mulher que amamos pode ser uma das maiores formas de amor romântico que existe. Infeliz aquele que não sabe disso.

28 de mar. de 2012

Não basta abrir a janela de Fernando Pessoa / Alberto Caieiro



Não basta abrir a janela

Para ver os campos e o rio.

Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há idéias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.

“Poemas Inconjuntos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993). - 75. 

9 de out. de 2011

Olhar crítico



A Sra. Michel tem a elegância do ouriço: por fora, é crivada de espinhos, uma verdadeira fortaleza, mas tenho a intuição de que dentro é tão simplesmente requintada quanto os ouriços, que são uns bichinhos indolentes, ferozmente solitários e terrivelmente elegantes”. Muriel Barbery in “A Elegância do Ouriço”

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...