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4 de jun. de 2015

NOSSA HISTÓRIA :: Yehuda Amichai

Andrew Wyeth
Na história de nosso amor, um foi sempre
Uma tribo nômade, outro uma nação em seu próprio solo.
Quando trocamos de lugar, tudo tinha acabado.
O tempo passará por nós, como paisagens
Passam por trás de atores parados em suas marcas
Quando se roda um filme.
As palavras
Passarão por nossos lábios, até as lágrimas
Passarão por nossos olhos.
O tempo passará
Por cada um em seu lugar.
E na geografia do resto de nossas vidas,
Quem será uma ilha e quem uma península.
Ficará claro pra cada um de nós no resto de nossas vidas
Em noites de amor com outros.

tradução de Millôr Fernandes

3 de jun. de 2015

Estrada : Rui Knopfli

Renoir 
Súbito apercebo-me:
Segue a viagem dos anos.
Passou o tempo das amoras
e das laranjas furtadas,
a flor da chuva de ouro
para sugar o gostinho a açúcar.

Sonho com uma comprida paisagem de cedros
que nunca vi.
Apetece-me deixar o corpo adormecido
junto ao rádio
e ir passear pelos galhos das árvores
e sobre os fios telefónicos.

Nada feito,
pesada de agruras e desertos
segue a viagem dos anos.

30 de abr. de 2015

Sendo quem sou, em nada me pareço :: Hilda Hilst - (1930 - 2004)

Henry Fuseli 
Sendo quem sou, em nada me pareço.
Desloco-me no mundo, ando a passos
e tenho gestos e olhos convenientes.
Sendo quem sou
não seria melhor ser diferente
e ter olhos a mais, visíveis, úmidos
ser um pouco de anjo e de duende?
Cansam-me estas coisas que vos digo.

As paisagens em ti se multiplicam
e o sonho nasce e tece ardis tamanhos.
Cansam-me as esperanças renovadas
e o verso no meu peito repetido.
Cansa-me ser assim quem sou agora:
planície, monte, treva, transparência.
Cansa-me o amor porque é centelha
e exige posse e pranto, sal e adeus.

Queres o verso ainda? Assim seja.
Mas viverás tua vida nesses breus.

*            *            *

In: "Exercícios" 

23 de mar. de 2015

Pampas :: Everardo Norões (Crato, Ceará )

 Friedensreich Hundertwasser, 1966

São sempre linhas
as paisagens,
a cortarem geometricamente
nossas rotinas.
As curvas senoidais
das serras,
as retas dormentes
das planícies.
E nós:
pequenos pontos
num papel rasgado.

26 de fev. de 2015

Eu posso ir lá fora ? :: Mario Quintana


Louisa Matthiasdottir, 1985

Oh! aquele menininho que dizia
“Fessora, eu posso ir lá fora?”
mas apenas ficava um momento
bebendo o vento azul...
Agora não preciso pedir licença a ninguém.
Mesmo porque não existe paisagem lá fora:
somente cimento.
O vento não mais me fareja a face como um cão amigo...
Mas o azul irreversível persiste em meus olhos.


QUINTANA, Mario. A vaca e o hipogrifo. São Paulo, Globo, 1995. p.51

11 de fev. de 2015

Short trip :: Alice Ruiz


minha cidade
cai pela janela
como um cisco

meu olho
caleidoscópio
é o coração que acolhe
fragmento por fragmento
até que toda cidade
e sua história
caiba dentro

nessa rua, por exemplo,
já passei há muito tempo
mas não tinha esse olhar
indo embora

para o futuro,
a memória desse momento
que passou agora
será a lembrança de outro
e ainda outro mais antigo

caio como um cisco
na cidade
somos, as duas,
uma rápida paisagem.
De passagem.



25 de dez. de 2014

Não serei o poeta de um mundo caduco :: Carlos Drummond de Andrade

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.

O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.

Sentimento do mundo. Rio de Janeiro : Pongetti, 1940.

21 de nov. de 2013

Elena Poniatowska, Prêmio Cervantes 2013

Eugene de Blaas

Você sabe, desde a minha infância estive sentada assim a esperar, sempre fui dócil, porque esperava você.
Sei que todas as mulheres aguardam.
Aguardam a vida futura, todas essas imagens forjadas na solidão, todo esse bosque que caminha na direção delas;
toda essa imensa promessa que é o homem; uma romã que de repente se abre e mostra seus grãos vermelhos, brilhantes;
uma romã como uma boca generosa de mil gomos.
Mais tarde, essas horas vividas na imaginação, feito horas reais, terão que receber peso e tamanho e aspereza.
Estamos todos - oh meu amor - tão cheios de retratos interiores, tão cheio de paisagens não vividas.




Sabes, desde mi infancia me he sentado así a esperar, siempre fui dócil, porque te esperaba. Sé que todas las mujeres aguardan. Aguardan la vida futura, todas esas imágenes forjadas en la soledad, todo ese bosque que camina hacia ellas; toda esa inmensa promesa que es el hombre; una granada que de pronto se abre y muestra sus granos rojos, lustrosos; una granada como una boca pulposa de mil gajos. Más tarde esas horas vividas en la imaginación, hechas horas reales, tendrán que cobrar peso y tamaño y crudeza. Todos estamos - oh mi amor- tan llenos de retratos interiores, tan llenos de paisajes no vividos.
 In: PoniatowskaElena. De noche vienes. Biblioteca Era. México, 1996.

17 de out. de 2013

O Amor no Éter Adélia Prado


Há dentro de mim uma paisagem
entre meio-dia e duas horas da tarde.
Aves pernaltas, os bicos mergulhados na água,
entram e não neste lugar de memória,
uma lagoa rasa com caniço na margem.
Habito nele, quando os desejos do corpo,
a metafísica, exclamam: como és bonito!
Quero escrever-te até encontrar
onde segregas tanto sentimento.
Pensas em mim, teu meio-riso secreto
atravessa mar e montanha,
me sobressalta em arrepios,
o amor sobre o natural.
O corpo é leve como a alma,
os minerais voam como borboletas.
Tudo deste lugar
entre meio-dia e duas horas da tarde.

17 de jul. de 2013

Beleza de Burle Marx

Burle Marx
"Com o tempo, comecei a imaginar a beleza natural organizada. Queria uma coisa que tivesse ritmo, cor, surpresas e emoção estética. O jardim é isso, tem de deixar a pessoa leve. E nisso tudo, a planta é o ator principal. Cada uma representa uma peça, dramas, comédias, tragicomédias, dependendo da graça e do talento que ela traz."

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...