E no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perde da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito — depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado — sem glória nem humilhação.
Creio que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.
E que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?
Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil.
Ah, talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus.
A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo.
fonte: A Traição das Elegantes. Sabiá, 1967. p. 83.
Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
Mostrando postagens com marcador Estação. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Estação. Mostrar todas as postagens
15 de jun. de 2015
Despedida :: Rubem Braga
Marcadores:
Adeus,
Amantes,
Carnaval,
Despedida,
Estação,
Explicação,
Humilhar,
Lembranças,
palavras,
Partida,
Saudade,
Separação,
Silêncio,
Solidão,
Tristeza,
Vida
16 de mai. de 2015
O Regresso :: Manuel António Pina (1943-2012)
Paul Cezanne
Como quem, vindo de países distantes fora de
si, chega finalmente aonde sempre esteve
e encontra tudo no seu lugar,
o passado no passado, o presente no presente,
assim chega o viajante à tardia idade
em que se confundem ele e o caminho.
Entra então pela primeira vez na sua casa
e deita-se pela primeira vez na sua cama.
Para trás ficaram portos, ilhas, lembranças,
cidades, estações do ano.
E como agora por fim um pão primeiro
sem o sabor de palavras estrangeiras na boca.
10 de mar. de 2015
Não há guarda-chuva :: João Cabral de Melo Neto
Brassai, 1934
Não há guarda-chuva
contra o poema
subindo de regiões onde tudo é surpresa
como uma flor mesmo num canteiro.
Não há guarda-chuva
contra o amor
que mastiga e cospe como qualquer boca,
que tritura como um desastre.
Não há guarda-chuva
contra o tédio:
o tédio das quatro paredes, das quatro
estações, dos quatro pontos cardeais.
Não há guarda-chuva
contra o mundo
cada dia devorado nos jornais
sob as espécies de papel e tinta.
Não há guarda-chuva
contra o tempo,
rio fluindo sob a casa, correnteza
carregando os dias, os cabelos.
fonte: João Cabral de Melo Neto - Obra completa. Editora Nova Aguilar, 1994. p. 79.
5 de fev. de 2015
VIVÊNCIA :: FLORA FIGUEIREDO
Se sua rua porventura aparecer
coberta de pétalas caídas
pela inclemência
de um vento qualquer,
não faça nada.
Deixe-a assim desordenada
e descabida.
São reticências que sobraram da estação passada.
Acabarão varridas pela própria vida.
In Amor a céu aberto, 1992
1 de jan. de 2014
Um lugar, quero um lugar! de Mahmoud Darwich
Trecho de "Les deux moitiés de l’orange", carta escrita durante o exílio em Paris a Samih al-Kassem, seu amigo residindo na Palestina.
Assinar:
Postagens (Atom)
Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector
Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...
-
Tem de haver mais Agora o verão se foi E poderia nunca ter vindo. No sol está quente. Mas tem de haver mais. Tudo aconteceu, Tu...
-
A ilha da Madeira foi descoberta no séc. XV e julga-se que os bordados começaram desde logo a ser produzidos pel...