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25 de jun. de 2015

Inventário :: Jorge Luis Borges

Há que encostar uma escada para subir. Falta-lhe um degrau.
O que podemos procurar no alto
Senão o que a desordem amontoa?
Há o cheiro a umidade.
O entardecer entra pela casa em lâminas de luz.
As vigas do céu raso estão próximas e o piso está vencido.
Ninguém ousa pôr-se de pé.
Há um velho divã desengonçado.
Há umas ferramentas inúteis.
Ali está a cadeira de rodas do morto.
Há um pé de candeeiro.
Há uma rede de dormir paraguaia, com borlas, a desfiar-se.
Há utensílios e papéis.
Há uma estampa do estado-maior de Aparicio Saravia.
Há um velho grelhador a carvão.
Há um relógio de tempo parado, com o pêndulo partido.
Há uma moldura desdourada, sem tela.
Há um tabuleiro de cartão e umas peças desemparelhadas.
Há uma braseira de dois pés.
Há uma arca de cabedal.
Há um exemplar bolorento do Livro dos Mártires de Foxe, em intrincada escrita gótica.
Há uma fotografia que já pode ser de qualquer pessoa.
Há uma pele já gasta que foi de tigre.
Há uma chave que perdeu a sua porta.
O que podemos procurar no alto
Senão o que a desordem amontoa?
Ao esquecimento, às coisas do esquecimento, acabo de erguer este monumento,
Sem dúvida menos duradouro que o bronze e que se confunde com elas.
........................

Hay que arrimar una escalera para subir. Un tramo le falta.

¿Qué podemos buscar en el altillo
Sino lo que amontona el desorden?
Hay olor a humedad.
El atardecer entra por la pieza de plancha.
Las vigas del cielo raso están cerca y el piso está vencido.
Nadie se atreve a poner el pie.
Hay un catre de tijera desvencijado.
Hay unas herramientas inútiles.
Está el sillón de ruedas del muerto.
Hay un pie de lámpara.
Hay una hamaca paraguaya con borlas, deshilachada.
Hay aparejos y papeles.
Hay una lámina del estado mayor de Aparicio Saravia.
Hay una vieja plancha a carbón.
Hay un reloj de tiempo detenido, con el péndulo roto.
Hay un marco desdorado, sin tela.
Hay un tablero de cartón y unas piezas descabaladas.
Hay un brasero de dos patas.
Hay una petaca de cuero.
Hay un ejemplar enmohecido del Libro de los Mártires de Foxe, en intrincada letra gótica.
Hay una fotografía que ya puede ser de cualquiera.
Hay una piel gastada que fue de tigre.
Hay una llave que ha perdido su puerta.
¿Qué podemos buscar en el altillo
Sino lo que amontona el desorden?
Al olvido, a las cosas del olvido, acabo de erigir este monumento,
Sin duda menos perdurable que el bronce y que se confunde con ellas.


Jorge Luis Borges, A Rosa Profunda (1975)


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