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23 de jun. de 2015

A PROEMINÊNCIA DA MÃO DIREITA :: Luís Quintais (1968)

georgi dimitrov
É a mão direita que domina.
A esquerda obedece
cegamente.
É a mão direita que fere.
A esquerda consola.
É a mão direita que disciplina,
brutaliza.
A esquerda, é o exercício
próximo e doméstico
de afagar
o que a comove, o que
recatadamente a silencia.

Esta é a terra,
os modos de nela me orientar:
as minhas mãos, a proeminência
da direita sobre a esquerda,
o que toda a vida quis negar.

25 de mai. de 2015

Rua do Bonjardim :: Inês Lourenço

Vindo do marquês, o autocarro
chiava na curva estreita, soltando
os seus vapores de gasóleo, e
num portal surgia um gato pardo
para o qual me inclinei, sabendo
que fugiria ao contacto
da minha mão, ou apenas ao
esboço de carícia, como fazem
os gatos, tão fugidios na presença
de estranhos. Mas o animal, no
instante do recuo, aceitou o
deslizar dos meus dedos,
em troca de amáveis energias. E
uma longa saudade subiu-me pelo
braço, no arquear festivo
daquele pequeno tigre.

20 de mar. de 2015

Cartas de Meu Avô :: Manuel Bandeira


A tarde cai, por demais
Erma, úmida e silente…
A chuva, em gotas glaciais,
Chora monotonamente.

E enquanto anoitece, vou
Lendo, sossegado e só,
As cartas que meu avô
Escrevia a minha avó.

Enternecido sorrio
Do fervor desses carinhos:
É que os conheci velhinhos,
Quando o fogo era já frio.

Cartas de antes do noivado…
Cartas de amor que começa,
Inquieto, maravilhado,
E sem saber o que peça.

Temendo a cada momento
Ofendê-la, desgostá-la,
Quer ler em seu pensamento
E balbucia, não fala…

A mão pálida tremia
Contando o seu grande bem.
Mas, como o dele, batia
Dela o coração também.

25 de jan. de 2015

19 de jan. de 2015

Poética :: Claudio Willer

então é isso
quando achamos que vivemos estranhas experiências
a vida como um filme passando
ou faíscas saltando de um núcleo
não propriamente a experiência amorosa
porém aquilo que a precede
e que é ar
concretude carregada de tudo:
a cidade refletindo para sua hora noturna e todos indo para casa ou então
marcando encontros improváveis e absurdos, burburinho da multidão circulando
pelo centro e pelos bairros enquanto as lojas fecham mas ainda estão iluminadas,
os loucos discursando pelas esquinas, a umidade da chuva que ainda não passou,
até mesmo a lembrança da noite anterior no quarto revolvendo-nos em carícias e
expondo as sucessivas camadas do que tem a ver – onde a proximidade dos
corpos confunde tudo, palavra e beijo, gesto e carícia
tudo gravado no ar
e não o fazemos por vontade própria
mas por atavismo

in: Pinto,  Manuel da Costa.Antologia Comentada da Poesia Brasileira do Seculo 21. Publifolha, 2006.

13 de jan. de 2015

Quando acordares lembra-te de mim :: Manuel António Pina

Marc Chagall, 1981

"Quando acordares lembra-te de mim. Eu sou aquele que te pegou na mão, e o que te acariciou os cabelos. Estavas cheio de medo e o sono não conseguia arrastar-te para dentro de ti, nem o tempo para dentro de tua mais íntima idade. Precisavas de alguém que te amparasse a cabeça e te falasse em voz alta. Tantas vozes, lembras-te? Tanto silêncio, lembras-te? Eu estava lá e só eu te ouvia."

 in Todas as palavras

23 de out. de 2014

Caixa de fósforos :: Laura Esquível

foto: Carlos Porto
A minha avó tinha uma teoria muito interessante, dizia que embora todos nasçamos com uma caixa de fósforos no nosso interior, não os podemos acender sozinhos, precisamos (...) de oxigénio e da ajuda de uma vela. Só que neste caso o oxigénio tem de vir, por exemplo, do hálito da pessoa amada; a vela pode ser qualquer tipo de alimento, música, carícia, palavra ou som que faça disparar o detonador e assim acender um dos fósforos (...). Cada pessoa tem de descobrir quais são os seus detonadores para poder viver, pois a combustão que se dá quando um deles se acende é que alimenta a alma de energia.

31 de jan. de 2014

Senha :: Adélia Prado

 Istvan Ilosvai Varga, 1959

Eu sou uma mulher sem nenhum mel
eu não tenho um colírio nem um chá
tento a rosa de seda sobre o muro
minha raiz comendo esterco e chão.
Quero a macia flor desabrochada
irado polvo cego é meu carinho.
Eu quero ser chamada rosa e flor
Eu vou gerar um cacto sem espinho.

Miserere. Record, 2014.

22 de mai. de 2013

Como El Agua - Camaron de la Isla y Paco de Lucia

Limpiava el agua del río
como la estrella de la mañana,
limpio va el cariño mío
al manantial de tu fuente clara.

Como el agua. 

Como el agua clara
que abaja del monte,
así quiero verte
de día y de noche.

Como el agua. 

Yo te eche mi brazo al hombro
y un brillo de luz de luna
iluminaba tus ojos.

De ti deseo yo to el calor
pa ti mi cuerpo si lo quieres tu
fuego en la sangre nos corre a los dos.

Como el agua. 

Si tus ojillos fueran
aceitunitas verdes,
toa la noche estaría
muele que muele, muele que muele,
toa la noche estaría
muele que muele, muele que muele, muele que muele.

Luz del alma me adivina
que a mí me alumbra mi corazón
mi cuerpo alegre camina
porque de ti lleva la ilusión.



Como el agua

http://letras.mus.br/camaron-de-la-isla/748731/

15 de mai. de 2013

Eucanaã Ferraz, "Rimas para Suzana"


O amor com que Suzana
rega as plantas do jardim.

Segue o mundo, segue a rua,
seque tudo até ao fim.

Suzana persiste, atenta; mais,
concentrada; mais, amorosa,

como se o universo fora
a erva, a orquídea, a rosa.

O amor com que Suzana
planta, replanta, vela,

como se cuidasse do tempo
e a água viesse dela.

Ao redor de seus cuidados
se ajunta de tudo a sede:

o alecrim, a bromélia,
um verde que não se mede.

O amor com que Suzana
se faz mãe e matinal,

matando a sede de azul
da montanha, do animal,

sede de água e carinho,
sede de tudo o que esteja

na quadra de seu jardim
ainda que seu jardim seja

a memória, o mundo todo.
O amor é o seu modo.

12 de set. de 2012

Carinhoso - Letra de Braguinha, Composição de Pixinguinha


Meu coração
Não sei porque
Bate feliz, quando te vê
E os meus olhos ficam sorrindo
E pelas ruas vão te seguindo
Mas mesmo assim, foges de mim

Ah! Se tu soubesses
Como sou tão carinhoso
E muito e muito que te quero
E como é sincero o meu amor
Eu sei que tu não fugirias mais de mim

Vem, vem, vem, vem
Vem sentir o calor
Dos lábios meus
À procura dos teus
Vem matar esta paixão
Que me devora o coração
E só assim então
Serei feliz, bem feliz

Alfredo da Rocha Viana Filho, conhecido como Pixinguinha (Rio de Janeiro, 23 de abril de 1897 — Rio de Janeiro, 17 de fevereiro de 1973)
Carlos Alberto Ferreira Braga, conhecido como Braguinha e também por João de Barro, (Rio de Janeiro, 29 de março de 1907 – 24 de dezembro de 2006)

27 de abr. de 2012

Canção Para Álbum de Moça Carlos Drummond de Andrade



Bom dia: eu dizia à moça
que de longe me sorria.
Bom dia: mas da distância
ela nem me respondia.
Em vão a fala dos olhos
e dos braços repetia
bom-dia a moça que estava
de noite como de dia
bem longe de meu poder
e de meu pobre bom-dia.

Bom-dia sempre: se acaso
a resposta vier fria ou tarde vier,
contudo esperarei o bom-dia.
E sobre casas compactas
sobre o vale e a serrania
irei repetindo manso
a qualquer hora: bom dia.
Nem a moça põe reparo
não sente, não desconfia
o que há de carinho preso
no cerne deste bom-dia.

Bom dia: repito à tarde
à meia-noite: bom dia.
E de madrugada vou
pintando a cor de meu dia
que a moça possa encontrá-lo
azul e rosa: bom dia.

Bom dia: apenas um eco na mata
(mas quem diria)
decifra minha mensagem,
deseja bom o meu dia.
A moça, sorrindo ao longe
não sente, nessa alegria,
o que há de rude também
no clarão deste bom-dia.
De triste, túrbido, inquieto,
noite que se denuncia
e vai errante, sem fogos,
na mais louca nostalgia.
Ah, se um dia respondesses
Ao meu bom-dia: bom dia!
Como a noite se mudara
no mais cristalino dia!

18 de mar. de 2012

Em rede de algodão rendada de Guimarães Rosa



Até que, um dia, eu estava repousando, no claro estar, em rede de algodão rendada. Alegria me espertou, um pressentimento. Quando eu olhei, vinha vindo uma moça. Otacília. Meu coração rebateu, estava dizendo que o velho era sempre novo. Afirmo ao senhor, minha Otacília ainda se orçava mais linda, me saudou com o salvável carinho, adianto de amor.
João Guimarães Rosa in: Grande Sertão: Veredas

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...