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10 de ago. de 2018

Há um pássaro azul no meu peito de Charles Bukowski

Fiona Watson 

(…) Há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas sou bastante esperto, deixo que ele saia
somente em algumas noites
quando todos estão dormindo.
Eu digo: sei que você está aí,
então não fique triste.
Depois, o coloco de volta em seu lugar,
mas ele ainda canta um pouquinho
lá dentro, não deixo que morra
completamente
e nós dormimos juntos
assim
como nosso pacto secreto
e isto é bom o suficiente para
fazer um homem
chorar,
mas eu não choro,
e você ?”

In: Textos Autobiográficos. tradução de Pedro Gonzaga.

--------------------------
there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too clever, I only let him out
at night sometimes
when everybody's asleep.
I say, I know that you're there,
so don't be
sad.
then I put him back,
but he's singing a little
in there, I haven't quite let him
die
and we sleep together like
that
with our
secret pact
and it's nice enough to
make a man
weep, but I don't
weep, do
you?

Charles Bukowski in The Last Night of the Earth Poems. Santa Rosa CA: Black Sparrow, 1992. 


24 de jan. de 2018

Viajantes de Baudelaire

Carte postale "17e courrier par Ballon - Wien 1957"



Mas viajantes de fato apenas são aqueles
Que partem por partir; o coração flutuante,
Jamais hão de aceitar ser outros senão eles
E, sem saber por quê, ordenam sempre: Adiante!

outra versão 

Mas os verdadeiros viajantes são só aqueles que partem
Por partir; corações leves, semelhantes a balões,
Jamais se separam de seu destino,
E, sem saber por que, dizem sempre: Vamos!

.........................

Mais les vrais voyageurs sont ceux-là seuls qui partent 
Pour partir, coeurs légers, semblables aux ballons,
De leur fatalité jamais ils ne s'écartent,
Et, sans savoir pourquoi, disent toujours : Allons !
................................

But the true voyagers are only those who leave
Just to be leaving; hearts light, like balloons,
They never turn aside from their fatality
And without knowing why they always say: "Let's go!”



8 de fev. de 2017

Vida bordada :: Silvana Conterno

Kira Nichols
Em muitos matizes
Agulhas perfuram
Profundamente
Nossos tecidos
Forma custosa
Demorada
Muitas voltas, laçadas
Ponto atrás, quando preciso
Ponto haste, dando direção
Correntinha para amenizar
Um coração em rococó
Marco preciso com ponto cruz
Para os vazios infindáveis
Tentamos o ponto cheio
E segundo dizem
É pelo avesso que se vê
O capricho de uma vida
Nós e fios cortados
Arremate que nunca finda

18 de ago. de 2015

O que Me Dói não É :: Fernando Pessoa

Eugenio Cuttica

O que me dói não é 
O que há no coração 
Mas essas coisas lindas 
Que nunca existirão... 

São as formas sem forma 
Que passam sem que a dor 
As possa conhecer 
Ou as sonhar o amor. 

São como se a tristeza 
Fosse árvore e, uma a uma, 
Caíssem suas folhas 
Entre o vestígio e a bruma. 

in: Cancioneiro 

14 de ago. de 2015

DESEJO :: FEDERICO GARCIA LORCA

Beatriz Milhazes, 1995
Só o teu coração quente, 
e nada mais 

Meu paraíso um campo 
sem rouxinol 
nem liras, 
com um rio discreto 
e uma fontezinha. 

Sem a espora do vento 
sobre a fronde, 
nem a estrela que quer 
ser folha. 

Uma enorme luz 
que fosse 
pirilampo 
de outra, 
num campo de 
olhadas partidas. 

Um repouso claro 
e ali nossos beijos, 
lunares sonoros 
do eco, 
se abririam muito longe. 

E teu coração quente, 
nada mais. 


In Livro de Poemas 


24 de jul. de 2015

Tempo do coração :: Ana Jácomo


Os mais lindos bordados da vida são feitos
 com os fios de delicadeza
 que respeitam a sabedoria amorosa
 do tempo do coração.

14 de jun. de 2015

Bilhete do escritor :: Dalton Trevisan (Curitiba, 14 de junho de 1925)

Loredano

"Só a obra interessa.
O autor não vale o personagem.
O conto é sempre melhor que o contista.
Vampiro sim, de almas.
Espião de corações solitários, escorpião de bote armado.
Eis o contista.
Só invente o vampiro que exista.
Com sorte, você adivinha o que não sabe.
Para escrever mil novos contos, a vida inteira é curta.
Uma história nunca termina. Ela continua depois de você.
Um escritor nunca se realiza. A obra é sempre inferior aos sonhos. Fazendo as contas percebe que negou o sonho, traiu a obra, cambiou a vida por nada.
O melhor conto só se escreve com tua mão torta, teu avesso, teu coração danado.
Todas as histórias, a mesma história, uma nova história.
O conto não tem mais fim senão começo.
Quem me dera o estilo do suicida em seu último bilhete."

Bilhete do escritor, lido na cerimônia de entrega do  Prêmio Portugal Telecom de Literatura 2007

27 de mai. de 2015

Deus fale conosco :: Goethe


 Henri Matisse

Simplesmente não consigo compreender como é que se pode acreditar que Deus fale conosco através de livros e de histórias. Se o mundo não te revela imediatamente de que modo se relaciona contigo, se teu coração não te diz o que deves a ti próprio e aos outros, jamais o farão os livros, que na verdade só servem para dar nomes aos nossos erros. 

De: GOETHE, J.W. Wilhelm Meisters Lehrjahre. Buch VII. München: DTV, 1988.

18 de mai. de 2015

Com o Tempo a Sabedoria :: W. B. Yeats

 Frida Kahlo, 1943

Embora muitas sejam as folhas, a raiz é só uma;
Ao longo dos enganadores dias da mocidade,
Oscilaram ao sol minhas folhas, minhas flores;
Agora posso murchar no coração da verdade.
..............

The Coming of Wisdom with Me
Though leaves are many, the root is one;
Through all the lying days of my youth
I swayed my leaves and flowers in the sun;
Now I may wither into the truth.
  
Tradução: José Agostinho Baptista. 

29 de abr. de 2015

Milagre de Mia Couto

Isaac Levitan

(…) Como ele sempre dissera: o rio e o coração, o que os une? O rio nunca está feito, como não está o coração. Ambos são sempre nascentes, sempre nascendo. Ou como eu hoje escrevo: milagre é o rio não findar mais. Milagre é o coração começar sempre no peito de outra vida (…)
in:  A Chuva Pasmada


22 de abr. de 2015

19 de abr. de 2015

OS INFELIZES CÁLCULOS DA FELICIDADE :: Mia Couto

O homem da história é chamado Julio Novesfora. Noutras falas o mestre Novesfora. Homem bastante matemático, vivendo na quantidade exacta, morando sempre no acertado lugar. O mundo, para ele, estava posto em equação de infinito grau. Qualquer situação lhe algebrava o pensamento. Integrais, derivadas, matrizes para tudo existia a devida fórmula. A maior parte das vezes mesmo ele nem incomodava os neurónios:
- É conta que se faz sem cabeça.
Doseava o coração em aplicações regradas, reduzida a paixão ao seu equivalente numérico. Amores, mulheres, filhos tudo isso era hipótese nula. O sentimento, dizia ele, não tem logaritmo. Por isso, nem se justifica a sua equação. Desde menino se abstivera de afectos. Do ponto de vista da algebra, dizia, a ternura é um absurdo. Como o zero negativo. Vocês vejam, dizia ele aos alunos a erva não se enerva, mesmo sabendo-se acabada em ruminagem de boi. E a cobra morde sem ódio. É só o justo praticar da dentadura injectavel dela. Na natureza não se concebe sentimento. Assim, a vida prosseguia e Julio Novesfora era nela um aguarda-factos. Certa vez, porém, o mestre se apaixonou por uma aluna, menina de incorrecta idade, toda a gente advertia essa menina é mais que nova, não dá para si.
- Faça as contas mestre.
Mas o mestre já perdera o calculo. Desvalessem os razoáveis conselhos. Ainda mais grave ele perdia o matemático tino. Já nem sabia o abecedário dos números. Seu pensamento perdia as limpezas da lógica. Dizia coisas sem pés. Parecia, naquele caso, se confirmar o lema quanto mais sexo menos nexo. Agora, a razão vinha tarde de mais. O mestre já tinha traçado a hipotenusa à menina. Em folgas e folguedos, Julio Novesfora se afastava dos rigores da geometria. O oito deitado é um infinito. E, assim, o professor ataratonto, relembrava:
- A paixão é o mundo a dividir por zero.
Não questionassem era aquela a sua paixão. Aquilo era um amor idimensional, desses para os quais nem tanto há mar, nem tanto há guerra. Chamaram um seu tio, único familiar que parecia merecer-lhe as autoritárias confianças. O tio lhe aplicou muita sabedoria, doutrinas de por facto e roubar argumento. Mas o matemático resistia:
- Se reparar, tio, é a primeira vez que estou a viver.
Corolariamente, é natural que cometa erros.
- Mas, sobrinho, você sempre foi de calculo. Faça agora contas à sua vida.
- Essa conta tio, não se faz de cabeça. Faz-se de coração.
O professor demonstrava seu axioma, a irresoluvel paixão pela desidosa menina. Tinha experimentado a fruta nessa altura que o Verão ainda está trabalhando nos açucares da polpa. E de tão regalado, arregalava os olhos. Estava com a cabeça lotada daquela arrebitada menina. O tio ainda desfilou avisos não vislumbrava ele o perigo de um desfecho desilusionista? Não sabia ele que toda a mulher saborosa é dissaborosa? Que o amor é falso como um tecto. Cautela, sobrinho, olho por olho, dente prudente. Novesfora, porém, se renitentava, inóxidável. E o tio foi dali para a sua vida. Os namoros prosseguiram. O mestre levava a menina para a margem do mar onde os coqueiros se vergavam, rumorosos, dando um fingimento de frescura.
- Para bem amar não há como ao pé do mar, ditava ele.
A menina só respondia coisas simples, singelices. Que ela gostava do Verão.
- Do Inverno gosto é para chorar. As lágrimas, no frio, me saem grossas, cheiinhas de água.
A menina falava e o mestre Novesfora ia passeando as mãos pelo corpo dela, mais aplicado que cego lendo braille.
- Vai falando, não pare ­ pedia ele enquanto divertia os dedos pelas secretas humidades da menina. Gostava dessa fingida distracção dela, seus actos lhe pareciam menos pecaminosos. Os transeuntes passavam, deitando culpas no velho professor. Aquilo é idade para nenhumas-vergonhas? Outros faziam graça:
- Sexagenário ou sexogenário?
O mestre se desimportava. Recolhia a lição do embondeiro que é grande mas não dá sombra nenhuma. Vontade de festejar deve eclodir antes de acabar o baile. Tanto tempo decorrera em sua vida e tão pouco tempo tivera para viver. Tudo estando ao alcance da felicidade porque motivo se usufruem tão poucas alegrias? Mas o sapo não sonha com charco se alaga nele. E agora que ele tinha a mão na moça é que iria parar? Uma noite, estando ela em seu leito, estranhos receios invadiram o professor essa menina vai fugir, desaparecida como o arco-íris nas traeiras da chuva. Afinal, os outros bem tinham razão chega sempre o momento em que o amendoim se separa da casca. Novesfora nem chegou de entrar no sono, tal lhe doeram as suspeitas do desfecho. Passaram-se os dias. Até que, certa vez, sob a sombra de um coqueiro, se escutaram os acordes de um lamentochão. O professor carpia as já previsiveis mágoas? Foram a ver, munidos de consolos. Encontraram não o professor mas a menina derramada em pranto, mais triste que cego sentado em miradouro. Se aproximaram, lhe tocaram o ombro. O que passara, então? Onde estava o mestre?
- Ele foi, partiu com outra.
Resposta espantável afinal, o professor é que se fora, no embora, sem remédio. E partira como? Se ainda ontem ele aplicava a ventosa naquele lugar? A ditosa namorada respondeu que ele se fora com outra, extranumerária. E que esta seria ainda muito mais nova, estreável como uma manhã de Domingo. Provado o doce do fruto do verde se quer é o sabor da flor. Enquanto a lagrimosa encharcava réstias de palavras os presentes se foram afastando. Se descuidavam do caso, deixando a menina sob a sombra do coqueiro, solitária e sózinha, no cenário de sua imprevista tristeza. Era Inverno, estação preferida por suas lágrimas.

 In "Histórias Abensonhadas"

20 de mar. de 2015

Cartas de Meu Avô :: Manuel Bandeira


A tarde cai, por demais
Erma, úmida e silente…
A chuva, em gotas glaciais,
Chora monotonamente.

E enquanto anoitece, vou
Lendo, sossegado e só,
As cartas que meu avô
Escrevia a minha avó.

Enternecido sorrio
Do fervor desses carinhos:
É que os conheci velhinhos,
Quando o fogo era já frio.

Cartas de antes do noivado…
Cartas de amor que começa,
Inquieto, maravilhado,
E sem saber o que peça.

Temendo a cada momento
Ofendê-la, desgostá-la,
Quer ler em seu pensamento
E balbucia, não fala…

A mão pálida tremia
Contando o seu grande bem.
Mas, como o dele, batia
Dela o coração também.

19 de mar. de 2015

Parada cardíaca :: Paulo Leminski

Henri Matisse

Essa minha secura
essa falta de sentimento
não tem ninguém que segure,
vem de dentro.
Vem da zona escura
donde vem o que sinto.
Sinto muito,
sentir é muito lento.

17 de mar. de 2015

Não Comerei da Alface a Verde Pétala : Vinicius de Moraes ( Rio de Janeiro 19 de outubro de 1913 - de 9 de julho de 1980 )

Zacharias Wagner 

Não comerei da alface a verde pétala
Nem da cenoura as hóstias desbotadas
Deixarei as pastagens às manadas
E a quem maior aprouver fazer dieta.

Cajus hei de chupar, mangas-espadas
Talvez pouco elegantes para um poeta
Mas peras e maçãs, deixo-as ao esteta
Que acredita no cromo das saladas.

Não nasci ruminante como os bois
Nem como os coelhos, roedor; nasci
Omnívoro: deem-me feijão com arroz

E um bife, e um queijo forte, e parati
E eu morrerei feliz, do coração
De ter vivido sem comer em vão.

11 de mar. de 2015

Burn It Blue :: Caetano Veloso


Incendeie esta casa
Incendeie em azul
Coração ficando vazio
Tão perdido sem você
Mas o céu da noite desabrocha com fogo
E a cama em chamas flutua mais alto
E ela está livre para voar
Mulher tão cansada
Abra suas asas inteiras
Voe livre enquanto a andorinha canta
Venha para os fogos de artifício
Veja a senhora escura sorrir
Ela incendeia
E o céu da noite desabrocha com fogo
E a cama em chamas flutua mais alto
E ela está livre para voar
Incendeie esta noite
Preto e azul
Tão frio de manhã
Tão frio sem você
E o céu da noite desabrocha com fogo
E a cama em chamas flutua mais alto
E ela está livre para voar
E a noite que se incendeia
E a cama que se eleva
A voar
E dos dias escuros
Pintados em tonalidades de cinza escuro
Eles se desvanecem com o sonho com você
Embrulhado em veludo vermelho
Dançando a noite toda
Eu queimo
Azul da meia-noite
Abra estas asas
Voe livre com as andorinhas
Voe junto com o vento
E ela é chama que se eleva
E é um pássaro a voar
E é um pássaro a voar
Na noite que se incendeia
O inferno é este céu
Estrela de escuridão
E o céu da noite desabrocha com fogo
E a cama em chamas flutua mais alto
E ela está livre para voar
Só uma faísca no céu
Pintando Céu e Inferno
Muito mais brilhante
Incendeie esta casa
Incendeie em azul
Coração ficando vazio
Tão perdido sem você


Burn this house
Burn it blue
Heart running on empty
So lost without you
But the night sky blooms with fire
And the burning bed floats higher
And she's free to fly
Woman so weary
Spread your unbroken wings
Fly free as the swallow sings
Come to the fireworks
See the dark lady smile
She burns
And the night sky blooms with fire
And the burning bed floats higher
And she's free to fly
Burn this night
Black and blue
So cold in the morning
So cold without you
And the night sky blooms with fire
And the burning bed floats higher
And she's free to fly
Y la noche que se incendia
Y la cama que se eleva
A volar
And of the dark days
Painted in dark gray hues
They fade with the dream of you
Wrapped in red velvet
Dancing the night away
I burn
Midnight blue
Spread those wings
Fly free with the swallows
Fly one with the wind
Y ella es flama que se eleva
Y es un pájaro a volar
Y es un pájaro a volar
En la noche que se incendia
El infierno es este cielo
Estrella de oscuridad
And the night sky blooms with fire
And the burning bed floats higher
And she 's free to fly
Just a spark in the sky
Painting heaven and hell
Much brighter
Burn this house
Burn it blue
Heart running on empty
So lost without you


https://www.youtube.com/watch?v=YTMSojPcF1g



4 de mar. de 2015

MINHA CASA :: FELIX PITA RODRIGUEZ (1909-1990)

Heart - Jean David

Uma de cal e outra de lua,
esta é a fórmula precisa,
uma de cal e outra de lua.

Sobre a porta, a divisa
no escudo do portão.
Sobre a porta a divisa:

"No mais alto o coração."
Nada o estorve nem o impeça:
no mais alto o coração.

Que ele ponha o preço e ele decida
 - se é contra mim, tanto pior-,
que ele ponha o preço e ele decida:

Sempre direi: teve razão.


Tarot de la poesia, 1971-1972

11 de fev. de 2015

Short trip :: Alice Ruiz


minha cidade
cai pela janela
como um cisco

meu olho
caleidoscópio
é o coração que acolhe
fragmento por fragmento
até que toda cidade
e sua história
caiba dentro

nessa rua, por exemplo,
já passei há muito tempo
mas não tinha esse olhar
indo embora

para o futuro,
a memória desse momento
que passou agora
será a lembrança de outro
e ainda outro mais antigo

caio como um cisco
na cidade
somos, as duas,
uma rápida paisagem.
De passagem.



Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...