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27 de out. de 2015

Eu terra :: Ana Estaregui

Olafur Eliasson, 1997
sempre gostei da palavra island.
talvez por causa desse som elíptico do ésse ou talvez, sei lá, por outra coisa que não se explica.

o fato é que me impressiona essa afirmação que a terra faz aos quatro ventos ao mar: eu, terra, resisto às tuas águas.

6 de out. de 2015

A turma :: Manoel de Barros

A gente foi criado no ermo igual ser pedra.
Nossa voz tinha nível de fonte.
A gente passeava nas origens. Bernardo conversava pedrinhas
com as rãs de tarde.
Sebastião fez um martelo de pregar água
na parede.
A gente não sabia botar comportamento
nas palavras.
Para nós obedecer a desordem das falas
Infantis gerava mais poesia do que obedecer
as regras gramaticais.
Bernardo fez um ferro de engomar gelo.
Eu gostava das águas indormidas.
A gente queria encontrar a raiz das
palavras.
Vimos um afeto de aves no olhar de
Bernardo.
Logo vimos um sapo com olhar de árvore!
Ele queria mudar a Natureza?
Vimos depois um lagarto de olhos garços beijar as pernas da Manhã!
Ele queria mudar a Natureza?
Mas o que nós queríamos é que a nossa
palavra poemasse.

1 de out. de 2015

Dor :: Alfonsina Storni :(1892 -1938)

Nicholas Roerich 
Quisera esta tarde divina de outubro 
passear pela beira longínqua do mar; 
Que a areia de ouro, e as águas verdes, 
e os céus puros me vissem passar. 

Ser alta, soberba, perfeita, quisera, 
como uma romana, para concordar 
com as grandes ondas, e as rocas mortas 
e as largas praias que apertem o mar. 

Com o passo lento, e os olhos frios 
e a boca muda, deixar-me levar; 
ver como se rompem as ondas azuis, 
contra os granitos e não pestanejar; 
ver como as aves de rapina se comem 
os peixes pequenos e não despertar; 
pensar que puderam as frágeis barcas 
Afundar-se nas águas e não suspirar; 
Ver que se adianta a garganta ao ar, 
O homem mais belo não desejar amar… 

Perder o olhar, distraidamente, 
perde-lo e que nunca o volte a encontrar: 
E figura erguida entre céu e praia 
sentir-me o esquecimento perene do mar. 

Tradução de Maria Teresa Almeida Pina 

.............
Quisiera esta tarde divina de Octubre
pasear por la orilla lejana del mar;

que la arena de oro, y las aguas verdes,
y los cielos puros me vieran pasar.

Ser alta, soberbia, perfecta, quisiera,
como una romana, para concordar

con las grandes olas, y las rocas muertas
y las anchas playas que ciñen el mar.

Con el paso lento, y los ojos fríos
y la boca muda, dejarme llevar;

ver cómo se rompen las olas azules
contra los granitos y no parpadear;

ver cómo las aves rapaces se comen
los peces pequeños y no despertar;

pensar que pudieran las frágiles barcas
hundirse en las aguas y no suspirar;

ver que se adelanta la garganta al aire,
el hombre más bello no desear amar;

perder la mirada, distraidamente,
perderla, y que nunca la vuelva a encontrar;

y, figura erguida, entre cielo y playa,
sentirme el olvido perenne del mar.

10 de ago. de 2015

BAIRRO RECONQUISTADO :: Jorge Luis Borges

Maurice Brazil Prendergast
Ninguém viu a beleza das ruas
até que, pavoroso, num clamor,
se precipitou o céu esverdeado
num abatimento de água e de sombra.
A tempestade foi unânime
e malquisto aos olhares foi o mundo,
mas quando um arco abençoou
a tarde com as cores do seu perdão
e um cheiro a terra molhada
animou os jardins,
pusemo-nos a andar por entre as ruas
como por uma herdade recuperada,
e nos cristais houve generosidades de sol
e nas folhas luzentes
disse a sua trémula imortalidade o verão.

14 de mar. de 2015

Vitória-régia :: Clarice Lispector

Walter Hood Fitch circa 1847
Vitória-régia está no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Enorme até quase dois metros de diâmetro. Aquáticas, é de se morrer delas. Elas são o amazônico dinossauro das flores. Espalham grande tranquilidade.
A um tempo majestosas e simples. E apesar de viverem no nível das águas elas dão sombras.
In: Água viva. 

26 de dez. de 2014

O Sul :: Jorge Luis Borges


De um dos teus pátios ter olhado
as antigas estrelas,
e do banco da sombra ter olhado
essas luzes dispersas
que a minha ignorância não aprendeu a nomear
nem a ordenar em constelações,
ter sentido o círculo da água
na secreta cisterna,
o cheiro do jasmim, da madressilva,
o silêncio do pássaro a dormir,
o arco do saguão, a umidade
- essas coisas talvez sejam o poema.

:::::::::::::::::::

EL SUR
Desde uno de tus patios haber mirado

las antiguas estrellas,
desde el banco de
la sombra haber mirado
esas luces dispersas
que mi ignorancia no ha aprendido a nombrar
ni a ordenar en contelaciones,
haber sentido el circulo del agua
en el secreto aljibe,
el olor del jazmin y la madreselva,
el silencio del pájaro dormido,
el arco del zanguán, la hemedad
–esas cosas, acaso, son el poema.

de la edición 1969 de Fervor de Buenos Aires

4 de out. de 2014

EXPLICAÇÃO NECESSÁRIA :: Yannis Ritsos (1909-1990)

Matisse
Há certos versos - às vezes poemas inteiros -
que eu próprio não sei o que querem dizer. O que ignoro
retém-me ainda. E tu, tu tens razão em interrogar. Não interrogues.
Já te disse que não sei.
Duas luzes paralelas
vindo do mesmo centro. O ruído da água
que cai, no inverno, da goteira a transbordar
ou o ruído de uma gota de água caindo
de uma rosa no jardim, regado há pouco,
devagar, devagarinho, uma tarde de primavera,
como o soluço de um pássaro. Não sei que quer dizer este ruído; contudo aceito-o.
As coisas que sei explico-tas,
sem negligência.
Mas as outras também acrescentam a nossa vida.
Eu olhava
o seu joelho dobrado, como ela dormia,
levantando o lençol -
não era apenas amor. Este ângulo
era o cume da ternura, e o cheiro
do lençol, a lavado e a primavera, completava
este inexplicável, que eu procurei,
em vão ainda, explicar-te.


(Tradução de  Eugénio de Andrade)

24 de jul. de 2014

ENVELOPE COM FOTOGRAFIAS :: TJISKE JANSEN nasceu em Barneveld, Holanda, em 1971.

Helen von Borstel.

Tal como o mar me consola com a sua profundeza
porque não consigo contar a água,
pois é maior que toda a terra
por onde as pessoas andam,
porque há peixes a quem esse espaço pertence,
pois ele não é das pessoas,

consola-me não me recordar de lá ter estado,
ter feito isto ou aquilo,
daquele bibe, ou daquele vestido,
daquelas meias até ao joelho, ao lado daquela miúda,
ao colo do senhor com a guitarra,
ao colo da avó quando tinha sete meses.

E nos momentos dos quais não há fotografias,
também lá ter estado.

21 de mar. de 2014

Azul Vazio :: Arnaldo Antunes

Ouve, só se ouve ouvir
O rio só se ouve quem
De longe lá de onde vem
O rio daqui se ouve bem
De dentro ecoa a água
Que deságua no azul vazio

Serpente, serpenteia o rio
Percorre corre em minha veia
A correnteza o coração bombeia
O rio navega e lava
O pensamento leva
O corpo todo como um navio

Um rio que não tem beira
Por um fio abismo cachoeira
Onde deságua se não tem mar
E não tem margem só o olho d'água
Brota espelho molha o azul do céu

Ouve, só se ouve ouvir
O rio só se ouve quem
De longe lá de onde vem
O rio daqui se ouve bem
De dentro ecoa a água
Que deságua no azul vazio

Serpente, serpenteia o rio
Percorre corre em minha veia
A correnteza o coração bombeia
O rio navega e lava
O pensamento leva
O corpo todo como um navio

Um rio que não tem beira
Por um fio abismo cachoeira
Onde deságua se não tem mar
E não tem margem só o olho d'água
Brota espelho molha o azul do céu

O olho d'água
Brota espelho molha o azul do céu

http://letras.mus.br/arnaldo-antunes/azul-vazio/

13 de set. de 2013

Mulher pena :: Clara Coelho de Carvalho

Kamil Vojnar

de pena em pena
fico nua

só com a alma despenada
me permito chorar
cachoeiras
debaixo d'agua

pena de mim
tão grande em amor
que não caibo em ti

pena de ti
tão grande em si
que não entra em mim

pena de todos
dos homens pássaros
e das mulheres sabiás

penas penas
apenas

(leves, no primeiro vento, as penas se vão)

22 de mai. de 2013

Como El Agua - Camaron de la Isla y Paco de Lucia

Limpiava el agua del río
como la estrella de la mañana,
limpio va el cariño mío
al manantial de tu fuente clara.

Como el agua. 

Como el agua clara
que abaja del monte,
así quiero verte
de día y de noche.

Como el agua. 

Yo te eche mi brazo al hombro
y un brillo de luz de luna
iluminaba tus ojos.

De ti deseo yo to el calor
pa ti mi cuerpo si lo quieres tu
fuego en la sangre nos corre a los dos.

Como el agua. 

Si tus ojillos fueran
aceitunitas verdes,
toa la noche estaría
muele que muele, muele que muele,
toa la noche estaría
muele que muele, muele que muele, muele que muele.

Luz del alma me adivina
que a mí me alumbra mi corazón
mi cuerpo alegre camina
porque de ti lleva la ilusión.



Como el agua

http://letras.mus.br/camaron-de-la-isla/748731/

11 de fev. de 2013

Chovendo na Roseira de Tom Jobim



Olha está chovendo na roseira
Que só dá rosa mas não cheira
A frescura das gotas úmidas
Que é de Luisa
Que é de Paulinho
Que é de João
Que é de ninguém

Pétalas de rosa carregadas pelo vento
Um amor tão puro carregou meu pensamento

Olha um tico-tico mora ao lado
E passeando no molhado
Adivinhou a primavera

Olha que chuva boa prazenteira
Que vem molhar minha roseira
Chuva boa criadeira
Que molha a terra
Que enche o rio
Que limpa o céu
Que traz o azul

Olha o jasmineiro está florido
E o riachinho de água esperta
Se lança em vasto rio de águas calmas

Ah, você é de ninguém
Ah, você é de ninguém

27 de dez. de 2012

Inscrição de Cecilia Meireles

Sou entre flor e nuvem, 
Estrela e mar. 
Por que havemos de ser unicamente humanos, 
Limitados em chorar? 

Não encontro caminhos 
Fáceis de andar. 
Meu rosto vário desorienta as firmes pedras 
Que não sabem de água e de ar. 

E por isso levito. 
É bom deixar 
Um pouco de ternura e encanto indiferente 
de herança, em cada lugar. 

Rastro de flor e estrela, 
Nuvem e mar. 
Meu destino é mais longe e meu passo mais rápido: 
A sombra é que vai devagar.

29 de out. de 2012

Canção do estrangeiro de Edmond Jabès


William Kay Blacklock
Estou à procura
de um homem que não conheço,
que nunca foi tão eu mesmo
quanto desde que comecei a procurá-lo.
Teria ele meus olhos, minhas mãos
e todos esses pensamentos semelhantes
aos destroços deste tempo?
Estação de mil naufrágios,
o mar deixa de ser mar,
para tornar água gelada dos túmulos.
Mas, mais longe, quem sabe mais longe?
Uma menina canta a contragosto,
enquanto a noite reina sobre as árvores,
pastora em meio a seus carneiros. 
Venham arrebatar do grão de sal a sede
que nenhuma bebida poderá mitigar.
Com as pedras, um mundo se devora 
para ser, como eu, de parte alguma. 

(tradução: Caio Meira)

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...