Margaret Mee
Minha busca pela “flor-do-luar” (Strophocactus wittii, agora chamada Selenicereus wittii) continuou. Eu já havia colhido esta planta três vezes em viagens ao Rio Negro e seus afluentes, porém nunca com flores. Ainda em busca desse maravilhoso cactus, Sue Loram e eu encontramos um amigo no aeroporto do Rio de Janeiro. Havíamos reservado nossos bilhetes no primeiro voo para Manaus. Após quatro horas, descemos no calor da Amazônia. Manaus havia se expandido nos últimos cinco anos, após minha última visita, de modo que a periferia da cidade estava irreconhecível e, no lugar das lindas florestas ao redor, a região havia sido limpa e encontrava-se agora coberta de casas e fábricas.
No dia seguinte, encontramo-nos com Gilberto Castro e na metade da manhã já seguíamos lentamente pelo Rio Negro, tendo como piloto Paulo, que é o navegador do Gilberto. Vi que as florestas haviam desaparecido. Grandes áreas tinham sido devastadas pelos fazendeiros e queimadores de carvão. Ao amanhecer, encontramo-nos no paraná das Anavilhanas, onde na margem esquerda florestas magníficas se alinhavam pelo rio. As enormes árvores estavam carregadas de filodendros. As bromélias penduravam-se nos galhos e, ocasionalmente, uma orquídea brilhava em contraste com a cortina verde. Dez horas após a partida de Manaus o motor foi desligado, e em perfeito silêncio o barco manteve-se deslizando até a margem em frente à choupana onde permanecemos em 1982. Muito pouco havia mudado, graças aos cuidados do Gilberto, e muitas outras árvores estavam crescendo no local. A busca Pela porta, olhamos ao longo de um largo canal alinhado de floresta intacta, com o paraná e o igapó ao fundo. Como já nos aproximávamos da tempestade de chuvas, o nível do rio estava bastante elevado, atingindo a colina gramada e, provavelmente, nos próximos dois meses subiria pelo menos mais dois metros. Estávamos entusiasmados e otimistas com os planejamentos da busca pelo Strophocactus. Algumas semanas antes de deixarmos o rio, Paulo recebeu instruções para explorar os arredores em suas expedições de pesca em busca do cactus. Após uns quatro ou cinco quilômetros subindo pelo rio paraná, entramos no igapó. Ilhas de mato flutuavam nas águas paradas de onde surgiam troncos cinzas e envelhecidos como esqueletos, com a água atingindo seus ramos. Fiquei desapontada quando Paulo nos mostrou sua primeira descoberta, que era um Phyllocactus cujas folhas vermelhas foram confundidas com as do Strophocactus. Sem se deixar intimidar, ele pilotou o barco até a base da árvore robusta de arapi, onde em uma forquilha encontramos as folhas escarlate do Strophocactus wittii pressionadas de encontro ao tronco, como se fossem decalques. A planta, no entanto, estava sem flor, talvez por estar em uma área externa do igapó, desprotegida da constante luz do sol. Não estávamos longe do igarapé onde a planta foi encontrada em 1982. No entanto, a vegetação havia se tornado densa e a planta desapareceu. Continuamos nossa busca em outro igapó. Nessa região, os esqueletos de árvores permaneciam no meio do rio, com uma barreira de árvores menores e arbustos, parcialmente submersos, ao fundo protegendo a floresta. As árvores altas estavam profundamente imersas na água como colunas de um templo parcialmente afundado. As copas, impenetráveis, balançando-se logo acima do leito do rio, filtravam até o sol do meio-dia. Entramos no igapó utilizando a canoa menor, que se inclinava sem estabilidade à medida que forçávamos nosso caminho pelos arbustos espinhosos e ásperos, para depois deslizarmos suavemente por entre as árvores. Para meu entusiasmo, de uma grande árvore pendiam cordões de folhas esmaecidas do cactus, com três enormes botões de flor. A planta estava solta, um pouco acima da água, presa por uma trepadeira. Deve ter caído e o próximo vento provavelmente a sopraria rio abaixo. Por este motivo, decidi levá-la para plantá-la em um igapó próximo de casa, onde eu poderia observar o seu desenvolvimento. Mais alto em uma árvore, entre as inúmeras folhas, havia outros botões de flores do cactus, que sem dúvida produziria sementes para germinar no igapó.
Enquanto desenhava, desejei que chegasse um polinizador, que os especialistas acreditam ser uma mariposa ou talvez um morcego. Nossa vigília durou toda a noite e cheguei à conclusão de que nossa intromissão acabou por importunar o equilíbrio desenvolvido durante dezenas de milhões de anos. Esse distúrbio, no entanto, era muito pequeno em comparação com o que havia visto nos cursos do Amazonas, pois a floresta havia mudado consideravelmente e as plantas adoráveis que eu pintava ao longo do Rio Negro haviam desaparecido. Lembrava-me do entusiasmo de minha primeira viagem à região, entre as enormes árvores das margens. A mudança havia sido desastrosa e a destruição com a queimada da floresta provocam incertezas para o futuro de nosso planeta. A “Flor-do-Luar” fechou-se antes do amanhecer. Pássaros deixavam seus ninhos e sobrevoavam as ilhas. Um tucano apareceu úmido de orvalho sobre a copa de uma árvore. Uma elegante garça pescava. É o amanhecer de um outro dia. fonte: Mee, Margaret. Flores da floresta amazonica - a arte botãnica de Margaret Mee. Escrituras, 2011 |
Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
Mostrando postagens com marcador Margaret Mee. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Margaret Mee. Mostrar todas as postagens
7 de mai. de 2013
A Flor-do-Luar no Rio Negro, 1988 - Margaret Mee
Assinar:
Postagens (Atom)
Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector
Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...
-
Tem de haver mais Agora o verão se foi E poderia nunca ter vindo. No sol está quente. Mas tem de haver mais. Tudo aconteceu, Tu...
-
A ilha da Madeira foi descoberta no séc. XV e julga-se que os bordados começaram desde logo a ser produzidos pel...