E no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perde da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito — depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado — sem glória nem humilhação.
Creio que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.
E que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?
Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil.
Ah, talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus.
A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo.
fonte: A Traição das Elegantes. Sabiá, 1967. p. 83.
Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
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15 de jun. de 2015
Despedida :: Rubem Braga
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29 de nov. de 2014
Eduardo Galeano: "Primeras letras"
Com as toupeiras, aprendemos a fazer túneis.
Com os castores, aprendemos a fazer diques.
Com os pássaros, aprendemos a fazer casas.
Com as aranhas, aprendemos a tecer.
Com o tronco que rolava encosta abaixo, aprendemos a roda.
Com o tronco que boiava à deriva, aprendemos o barco.
Com o vento, aprendemos a vela.
Quem nos tem ensinado os muitíssimos males?
De quem aprendemos a atormentar ao próximo e a humilhar ao mundo?
Tradução de Adriano Nunes
:::::::::::::::::::::::::::::
De los topos, aprendimos a hacer túneles.
De los castores, aprendimos a hacer diques.
De los pájaros, aprendimos a hacer casas.
De las arañas, aprendimos a tejer.
Del tronco que rodaba cuesta abajo, aprendimos la rueda.
Del tronco que flotaba a la deriva, aprendimos la nave.
Del viento, aprendimos la vela.
¿Quién nos habrá enseñado las malas mañas?
¿De quién aprendimos a atormentar al prójimo y a humillar al mundo?
In: GALEANO, Eduardo. “El Viaje”. Mini Letras/ H KliCZKOWSKI, primera edición: septiembre de 2006., p. 26.
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