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28 de jul. de 2015

Dez poemas para M. R. :: LUIZ RUFFATO


Primeiro poema
Desperto: a noite farfalha
teu nome. Estiveste aqui
há pouco. O chão da casa
acaricia teus passos breves,
tua voz ilumina caligrafias
na parede, molda tua pele
o lençol ainda impregnado
de ausência… Desperto.


Segundo poema
Há qualquer coisa de azul na tarde que escapole para além dos edifícios.
E não é nuvem, não é véu. Não é espectro, labareda, água.
Talvez relógios enguiçados, canções interrompidas,
Talvez visitas inesperadas, primaveras extintas.
Talvez tua delicada sombra fugidia.

Terceiro poema
Dezembro emergiu do calendário
agarrado em teus cabelos negros.
Bóiam horas impalpáveis,
sobrenadam palavras ainda virgens.
No tumulto do oceano hostil
nossos sonhos resgatamos
conduzindo-os em cardumes
à região mais transparente.

Quarto poema
No último dia do último ano da falseada infância,
vomitando solidão pelas noturnas ruas da cidade,
não imaginava que, mil e quatrocentos quilômetros além,
tu já existias, forma entre formas, magros dedos
desenhavam efêmeros rabiscos na suada vidraça
de um inverno engastalhado na memória,
cicatrizes maculavam teu corpo inúbil,
pernas ocultavam silêncios entre os móveis,
noites aqueciam mágoas
aqueciam nódoas.
No último dia do último ano da falseada infância,
vomitando solidão pelas noturnas ruas da cidade,
só eu não existia ainda. Tu me inventaste.

Quinto poema
No princípio
eras palavra
verbo adjetivos
imagem subsumida
no etéreo universo.
Então encarnaste
sujeito predicados
nítida metáfora
flor calor cor
mar ar amar.

Sexto poema
Cativo, em silêncio
amanhas olores
de outras tardes
talvez havidas
no caos das horas
sempre as mesmas.
Mas lá, onde gemem
de frio as noites úmidas,
apascentavas sonhos,
interpretavas pegadas,
desertavas das dores,
refugiada em alheias vidas.
Quanto de ti ressuma
paredes trêmulas,
bocas silentes,
mãos vazias?
Quanto de ti
são lonjuras, distância,
poeira de estradas
nunca percorridas?

Sétimo poema
Quatro ou cinco motivos
para renunciar, eis a coluna
de haveres. E persisti,
embora tenham sumido
canetas e dias inteiros
no estranho calendário?
que carrego às costas.
Eu não sabia — tu não sabias —
mas as fomes de domingos
as madrugadas rodoviárias
os nomes que se apagavam
as errantes ofertas dos ventos,
tudo nos empurrava para a porta
nunca aberta, nunca cerrada.

Oitavo poema
E súbito compreendo o primeiro não:
meus frágeis pés tocaram a água fria
e vi, quando descidos dos retratos ovais,
rostos entulhavam a despensa de histórias.
E súbito compreendo o primeiro não:
meus braços cingiram a madrugada
rejeitando nomes, tão pouca terra
para tão grandes desaparecimentos.
E súbito compreendo o primeiro não:
o tempo avança do agora para o anteontem.

Nono poema
Ainda há pouco era dia.
Eu asilava na sombra
a estirpe dos antepassados.
Temia a chegada da tarde
com seus pássaros, vertigens,
cortejos, fantasmagorias.
No entanto, sem sabermos,
caminhávamos, ombro a ombro,
evitando as largas veredas.
E quando afinal a tarde desceu
entre labirintos, vales e cristais,
entrelaçamos as mãos inseguras.
Juntos, partilhamos o tempo,
reconstruindo pedra e pedra
a vida que quedou imediata.


Décimo poema
Não é a mesma tristeza de quando, assentado o dia,
recolhíamos a pálida solidão estendida no varal.
Não é a mesma tristeza de quando, cajados e ferrugem,
cerrávamos as portas ao uivo aflitivo das idades.
Não é a mesma a tristeza de quando, a lua ignorando,
pulsava insone a treva, sob prenúncio do fim absoluto.
Não é a mesma tristeza de quando, carregada a alma,
despetalávamos as cinzas reveladas no monturo.
Não é a mesma tristeza de quando, intuída à distância,
imaginava-a em imensos quartos cultivando abris e maios.
Não é a mesma tristeza de quando, pertencente ao nada,
inventei teus abraços esculpidos em promessas e pólen.
Não, não é a mesma. Essa, a de agora, é beleza de cântaros
descansando vinhos, aquários vazios a aguardar caranguejos.


16 de out. de 2014

Informe sobre caricias : Mario Benedetti

Fernand Khnopff
1
La caricia es un lenguaje
si tus caricias me hablan
no quisiera que se callen

2
La caricia no es la copia
de otra caricia lejana
es una nueva versión
casi siempre mejorada

3
Es la fiesta de la piel
la caricia mientras dura
y cuando se aleja deja
sin amparo a la lujuria

4
Las caricias de los sueños
que son prodigio y encanto
adolecen de un defecto
no tienen tacto

5
Como aventura y enigma
la caricia empieza antes
de convertirse en caricia

6
Es claro que lo mejor
no es la caricia en sí misma
sino su continuación

9 de out. de 2013

A idade me cai bem :: Andréa Beheregaray

 Berthe Morisot1889
Uma amiga ao ver essa foto* escreveu que, a idade me cai bem.
Lhe respondi que isso é bom, já que com a idade muita coisa cai também!
E pensativa fiquei, aos 33, ainda não me apavorei.
Se existe a mulher moranguinho, e também a melância.
E eu o que seria?
Talvez a mulher bergamota, com a pele cheia de relevos.
Não olho no espelho, e com isso pouca coisa percebo.
Mas sei que também poderia
ser chamada de a mulher braile.
1000 furinhos a compor curvas,
Celulite também é cultura,
basta que entendas a escrita dos cegos.
O que será que contam os textos da minha pele?
Mas bom mesmo é não saber.
Evitar biquinis, se esconder.
Porque se a idade me cai bem,
o resto tem caido também!

* não se trata da imagem de Berthe Morison

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...