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29 de mar. de 2017

Futuro :: Noemi Jaffe


o celular me avisa que não tenho nenhum lembrete futuro. mas gostaria de tê-los. gostaria que o futuro me mandasse lembretes sobre como ele terá sido passado. que o futuro sentisse saudades de não ter acontecido ainda. que ele dissesse: não venha agora não, que por aqui as coisas estão complicadas. ou então o contrário: você não imagina como está bom por aqui, aguardo sua chegada ansioso. que ele indicasse o caminho mais longo para eu seguir até chegar nele. ou então que ele se tocasse da sua inexistência e entendesse que, quando ele chegar, ele não será nada. que ele saísse do aviso do celular e ficasse sossegado lá, sem me encher o saco.

3 de jul. de 2016

Os Dois Horizontes :: Machado de Assis

          Um horizonte, — a saudade 
          Do que não há de voltar; 
          Outro horizonte, — a esperança 
          Dos tempos que hão de chegar; 
          No presente, — sempre escuro,— 
          Vive a alma ambiciosa 
          Na ilusão voluptuosa 
          Do passado e do futuro. 

          Os doces brincos da infância 
          Sob as asas maternais, 
          O vôo das andorinhas, 
          A onda viva e os rosais; 
          O gozo do amor, sonhado 
          Num olhar profundo e ardente, 
          Tal é na hora presente 
          O horizonte do passado. 

          Ou ambição de grandeza 
          Que no espírito calou, 
          Desejo de amor sincero 
          Que o coração não gozou; 
          Ou um viver calmo e puro 
          À alma convalescente, 
          Tal é na hora presente 
          O horizonte do futuro. 

          No breve correr dos dias 
          Sob o azul do céu, — tais são 
          Limites no mar da vida: 
          Saudade ou aspiração; 
          Ao nosso espírito ardente, 
          Na avidez do bem sonhado, 
          Nunca o presente é passado, 
          Nunca o futuro é presente. 

          Que cismas, homem? – Perdido 
          No mar das recordações, 
          Escuto um eco sentido 
          Das passadas ilusões. 
          Que buscas, homem? – Procuro, 
          Através da imensidade, 
          Ler a doce realidade 
          Das ilusões do futuro. 
          
          Dois horizontes fecham nossa vida. 

Machado de Assis. in Crisálidas. Civilização Brasileira, 1976. 

3 de set. de 2015

Se eu fosse eu :: Clarice Lispector




















Joseph Beuys


Quando não sei onde guardei um papel importante e a procura se revela inútil, pergunto-me: se eu fosse eu e tivesse um papel importante para guardar, que lugar escolheria? Às vezes dá certo. Mas muitas vezes fico tão pressionada pela frase “se eu fosse eu”, que a procura do papel se torna secundária, e começo a pensar. Diria melhor, sentir.

E não me sinto bem. Experimente: se você fosse você, como seria e o que faria? Logo de início se sente um constrangimento: a mentira em que nos acomodamos acabou se ser levemente locomovida do lugar onde se acomodara. No entanto já li biografias de pessoas que de repente passavam a ser elas mesmas, e mudavam inteiramente de vida. Acho que eu fosse realmente eu, os amigos não me cumprimentariam na rua porque até minha fisionomia teria mudado. Como? Não sei.

Metade das coisas que eu faria se eu fosse eu, não posso contar. Acho, por exemplo, que por certo motivo eu terminaria presa na cadeia. E se eu fosse eu daria tudo o que é meu, e confiaria o futuro ao futuro.

“Se eu fosse eu” parece representar o nosso maior perigo de viver, parece a entrada nova do desconhecimento. No entanto tenho a intuição de que, passadas as primeiras chamadas loucuras da festa que seria, teríamos enfim a experiência do mundo. E a nossa dor, aquela que aprendemos a não sentir. Mas também seríamos por vezes tomados de um êxtase de alegria pura e legítima que mal posso adivinhar. Não, acho que já estou de algum modo adivinhando porque me senti sorrindo e também senti uma espécie de pudor que se tem diante do que é grande demais.

Jornal do Brasil. 30 de novembro de 1968



12 de ago. de 2015

Gramática da felicidade :: Mario Quintana

Virgil Solis

Vivemos conjugando o tempo passado (saudade, para os românticos) 
e o tempo futuro (esperança para os idealistas). Uma gangorra, 
como vês, cheia de altos e baixos — uma gangorra emocional. 
Isso acaba fundindo a cuca de poetas e sábios e maluquecendo de 
vez o homo sapiens. Mais felizes os animais, que, na sua gramática
imediata, apenas lhes sobra um tempo: o presente do indicativo.
E nem dá tempo para suspiros…

in: A vaca e o hipogrifo. 1977.

28 de mar. de 2015

O que faz andar a estrada? Mia Couto

Paul Klee, 1929

O que faz andar a estrada?
É o sonho. 
Enquanto a gente sonhar a estrada permanecerá viva.
É para isso que servem os caminhos, 
para nos fazerem parentes do futuro.

18 de mar. de 2015

Vive : Fernando Pessoa

Felix Vallotton
Vive, dizes, no presente,
Vive só no presente.

Mas eu não quero o presente, quero a realidade;
Quero as coisas que existem, não o tempo que as mede.

O que é o presente?
É uma coisa relativa ao passado e ao futuro.
É uma coisa que existe em virtude de outras coisas existirem.
Eu quero só a realidade, as coisas sem presente.

Não quero incluir o tempo no meu esquema.
Não quero pensar nas cousas como presentes; quero pensar
nelas como coisas.
Não quero separá-las de si-próprias, tratando-as por presentes.

Eu nem por reais as devia tratar.
Eu não as devia tratar por nada.

Eu devia vê-las, apenas vê-las;
Vê-las até não poder pensar nelas,
Vê-las sem tempo, nem espaço,
Ver podendo dispensar tudo menos o que se vê. 
É esta a ciência de ver, que não é nenhuma.

Poemas Inconjuntos

In: Fernando Pessoa – Antologia Poética. 
Editora Ulisses


11 de fev. de 2015

Short trip :: Alice Ruiz


minha cidade
cai pela janela
como um cisco

meu olho
caleidoscópio
é o coração que acolhe
fragmento por fragmento
até que toda cidade
e sua história
caiba dentro

nessa rua, por exemplo,
já passei há muito tempo
mas não tinha esse olhar
indo embora

para o futuro,
a memória desse momento
que passou agora
será a lembrança de outro
e ainda outro mais antigo

caio como um cisco
na cidade
somos, as duas,
uma rápida paisagem.
De passagem.



20 de jan. de 2015

Parceria :: Flora Figueiredo (São Paulo, SP. – 1951 )

 Abraham Manievich

Ficamos assim: você joga as queixas no telhado,
eu ponho as manias de lado,
você lava a escadaria, eu rego o jardim.
Podemos varrer juntos as nódoas secas aderentes ao passado.
Se você se habilita, eu me disponho, num desafio à desdita.
Você acende a luz, eu desempeno o sonho,
enquanto você ensaia o passo, eu troco a fita.
Na mesa torta, a toalha colorida.
O resto é fácil: basta mandar flores ao futuro,
derrubar o muro e acreditar na vida.


25 de dez. de 2014

Não serei o poeta de um mundo caduco :: Carlos Drummond de Andrade

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.

O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.

Sentimento do mundo. Rio de Janeiro : Pongetti, 1940.

1 de nov. de 2014

O milagre existe :: Clarice Lispector


"Não, não há razão de espanto:
o milagre existe: o milagre é uma sensação.
Sensação de quê? de milagre. 
Milagre é uma atitude assim como o girassol vira lentamente 
sua abundante corola para o sol.
O milagre é a simplicidade última de existir. 
O milagre é o riquíssimo girassol se explodir de caule,
corola e raiz - e ser apenas uma semente. 
Semente que contém o futuro."
fonte:  Um Sopro de Vida

14 de set. de 2014

Conversa puxa conversa à toa - Clarice Lispector

    Jean Metzinger, 1919

Eu estava na copa tomando um café e ouvi a cozinheira na área de serviço cantando uma melodia linda, sem palavras, uma espécie de cantilena extremamente harmoniosa. Perguntei-lhe de quem era a canção. Respondeu: é bobagem  minha mesmo.
     Ela não sabia que era criativa. E o mundo não sabe que é criativo. Parei de tomar o café, meditei: o mundo ainda será muito mais criativo. O mundo não se conhece a si próprio. Estamos tão atrasados  em relação a nós mesmos. Inclusive a palavra criativa não será usada como palavra, nem mesmo vai se falar nela: apenas tudo se criará. Não é culpa nossa - continuei com meu café - se estamos atrasados de milhares de anos. Ao pensar em "milhares de anos à nossa frente", deu-me quase uma vertigem pois não consigo contar sequer com a cor que a terra terá. A posteridade existe e esmagará o nosso presente. E se o mundo se cria por ciclos, digamos, é possível que voltemos às cavernas e que tudo se repita de novo? Dói-me até o corpo ao pensar que não saberei jamais como o mundo será daqui a milhares de anos. Por outro lado, continuei, nós estamos engatinhando até depressa. E a toada que a moça cantava vai dominar esse mundo novo: vai-se criar sem saber. Mas por enquanto estamos secos como um figo seco onde ainda há um pouco de umidade.
     Enquanto isso a empregada estende roupa na corda e continua sua melopéia sem palavras. Banho-me nela. A empregada é magra e morena, e nela se aloja um "eu". Um corpo separado dos outros, e a isso se chama de "eu"? É estranho ter um corpo onde se alojar, um corpo onde sangue molhado corre sem parar, onde a boca sabe cantar, e os olhos tantas vezes devem ter chorado. Ela é um "eu".
In: A Descoberta do mundo. Editora Nova Fronteira, 1984. p. 444

31 de ago. de 2014

AS TRÊS PALAVRAS MAIS ESTRANHAS :: Wislawa Szymborska

Mel Bochner, 2012
Quando pronuncio a palavra Futuro
a primeira sílaba já pertence ao passado.
Quando pronuncio a palavra Silêncio,
destruo-o.
Quando pronuncio a palavra Nada,
crio algo que não cabe em nenhum não-ser.


Tradução de Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves

20 de ago. de 2014

TODA A VIDA EM UM SEGUNDO :: Rodrigo de Souza Leão

Araquem Alcantara

Morrendo a cada
Dez minutos uma vez

O círculo se fecha
E cada vez mais

O que vai indo vai
Pra nunca mais

O que fica é o futuro
Uma criança na foto

Por que nenhuma
Mãe guardou

Nossas fotos
Quando adultos

27 de abr. de 2014

Heraclito, o Obscuro de Hélio Pellegrino


Klaus Tiedge.


A pedra se move menos que a planta.

A planta se move menos que o réptil, movendo-se sobre a

pedra.

O réptil se move menos que o leopardo, na espessura da

floresta.

O leopardo se move menos que o homem, faminto de

mundo e espaço.

Todo ser, ao mover-se, exprime o seu desassossego: arco

tendido na direção do vir-a-ser.

A pedra tem mais sossego que a planta.

A planta tem mais repouso que o réptil.

O réptil é mais sonolento que o leopardo.

O homem, este é pura insônia — trabalho futuro, vôo e flecha.

23 de mar. de 2014

O Passado de Contardo Calligaris

"O PASSADO ", de Hector Babenco, estreou na última sexta-feira. O filme, que, antes disso, abriu a Mostra de Cinema de São Paulo, é inspirado no romance homônimo de Alan Pauls (Cosac Naify).
Resumindo a história ao osso, para não estragar o prazer dos espectadores futuros: Rímini e Sofía se juntam muito jovens e se separam, amistosamente, depois de 12 anos. De uma maneira ou de outra, a relação que eles viveram não os deixa tranqüilos.
Na saída do cinema, a conversa era animada. Os amigos (homens) achavam o filme tão apavorador quanto "Atração Fatal", de Adrian Lyne: para eles, Analía Couceyro, como Sofia, era mais inquietante que Glenn Close, justamente por parecer menos louca. Nossos objetos de amor talvez sejam sempre assim, familiares até o dia em que, na hora de uma separação, a própria paixão os torna totalmente estranhos.
As amigas respondiam que a causa do problema era a fraqueza do protagonista masculino. De fato, Rímini (Gael García Bernal) parece seguir o desejo de todas as mulheres que ele encontra, sem nunca descobrir e afirmar o seu.
Outra discussão dizia respeito ao fim do filme: será que Rímini conseguira se livrar do passado, de vez? Eu pensei que não, que talvez ele tivesse conseguido se livrar das atenções incômodas de sua antiga companheira, mas não há amnésia que possa acalmar o passado.
A história de Rímini e Sofía me evocou um trecho da autobiografia de Tchecov ("Minha Vida", ed. Nova Alexandria), em que o escritor comenta que o ditado "tudo vai passar" pode tanto aliviar nossa tristeza com a idéia de que dias melhores virão quanto mitigar nossa euforia com a idéia de que as vacas magras voltarão. Mas, por útil que seja, essa sabedoria é falsa: nada passa, nunca; tudo o que acontece é indelével.
Acrescento: sobretudo os amores, por mais que acabem, continuam vivendo, subterrâneos, dentro de nós, porque, bem ou mal, são essas as vivências que mais nos formaram e transformaram.
A estética do filme de Babenco me tocou tanto quanto a história de Rímini e Sofía. Por exemplo, os personagens circulam por interiores abarrotados de restos do passado: livros, fotografias, quadros, os inúmeros objetos que, a cada mudança de casa, confirmam que nunca conseguimos deixar para trás os vestígios de nossa vida pregressa. Num momento do filme, Rímini se fecha, desesperado, num apartamento vazio; rapidamente, ele se encontra imerso numa montanha de restos: o lixo se acumula como prova irrefutável de que nem na derrelição é possível começar do zero.
À primeira vista, isso pode parecer estranho. Afinal, estamos acostumados a pensar que, na modernidade, os indivíduos são definidos por suas potencialidades futuras mais do que pelo passado. Não é assim?
Pois é, não exatamente. A modernidade começa quando paramos de deixar que a tradição diga quem somos. Não terei necessariamente a mesma profissão que meu pai, não serei nobre porque ele foi, não viverei no mesmo lugar dos meus antepassados, não escolherei meus amores para preservar a integridade de minha casta, religião ou raça e por aí vai.
Mas se o legado da tradição se torna menos relevante, é justamente porque o que me constitui é minha história -não apenas a intensidade do momento e a audácia de meus planos, mas o conjunto das experiências que vivi.
No começo da Revolução Francesa, o povo queria fazer tábua rasa: eliminar os nobres pela guilhotina e seus vestígios pelo fogo. Após um vigoroso debate, os vestígios foram poupados, e foram inventados os museus públicos. Poucas décadas depois, nasciam os conceitos de patrimônio histórico e de preservação dos monumentos. Ao mesmo tempo, surgia um interesse, que nunca mais se desmentiu, pela narração e pela compreensão da história.
Não funcionamos diferente: é possível guilhotinar os amores do passado ou (menos radical) apagar seus números de nosso celular, é possível até queimar fotografias -embora dificilmente sacrificaremos aquele desenho que compramos juntos, num sábado, na praça Benedito Calixto. De qualquer forma, mais que a lembrança, os rastros do passado sempre assombram o presente e o futuro.

Folha de São Paulo, quinta-feira, 01 de novembro de 2007

21 de nov. de 2013

Elena Poniatowska, Prêmio Cervantes 2013

Eugene de Blaas

Você sabe, desde a minha infância estive sentada assim a esperar, sempre fui dócil, porque esperava você.
Sei que todas as mulheres aguardam.
Aguardam a vida futura, todas essas imagens forjadas na solidão, todo esse bosque que caminha na direção delas;
toda essa imensa promessa que é o homem; uma romã que de repente se abre e mostra seus grãos vermelhos, brilhantes;
uma romã como uma boca generosa de mil gomos.
Mais tarde, essas horas vividas na imaginação, feito horas reais, terão que receber peso e tamanho e aspereza.
Estamos todos - oh meu amor - tão cheios de retratos interiores, tão cheio de paisagens não vividas.




Sabes, desde mi infancia me he sentado así a esperar, siempre fui dócil, porque te esperaba. Sé que todas las mujeres aguardan. Aguardan la vida futura, todas esas imágenes forjadas en la soledad, todo ese bosque que camina hacia ellas; toda esa inmensa promesa que es el hombre; una granada que de pronto se abre y muestra sus granos rojos, lustrosos; una granada como una boca pulposa de mil gajos. Más tarde esas horas vividas en la imaginación, hechas horas reales, tendrán que cobrar peso y tamaño y crudeza. Todos estamos - oh mi amor- tan llenos de retratos interiores, tan llenos de paisajes no vividos.
 In: PoniatowskaElena. De noche vienes. Biblioteca Era. México, 1996.

18 de set. de 2013

A verdade Histórica :: Ana Luísa Amaral



A minha filha partiu uma tigela

na cozinha.

E eu que me apetecia escrever

sobre o evento,

tive que pôr de lado inspiração e lápis,

pegar numa vassoura e varrer

a cozinha.

A cozinha varrida de tigela

ficou diferente da cozinha

de tigela intacta:

local propício a escavação e estudo,

curto mapa arqueológico

num futuro remoto.


Uma tigela de louça branca

com flores,

restos de cereais tratados

em embalagem estanque

espalhados pelo chão.


Não eram grãos de trigo de Pompeia,

mas eram respeitosos cereais

de qualquer forma.

E a tigela, mesmo não sendo da dinastia Ming,

mas das Caldas,

daqui a cinco ou dez mil anos

devia ter estatuto admirativo.


Mas a hecatombe

deu-se.

E  escorregada de pequeninas mãos,

ficou esquecida de famas e proveitos,

varrida de vassouras e memórias.


Por mísero e cruel balde de lixo

azul

em plástico moderno

(indestrutível)

24 de ago. de 2013

Quando pronuncio de Wislawa Szymborska


Quando pronuncio a palavra Futuro
a primeira sílaba já se perde no passado.
Quando pronuncio a palavra Silêncio,

suprimo-o.

Quando pronuncio a palavra Nada,

crio algo que não cabe em nenhum não ser.


fonte: Poemas. Companhia da Letras, 2011.

14 de ago. de 2013

Comprava uma bala de tamarindo :: Alice Sant'Anna ( 1988, no Rio de Janeiro)

Marisela Mungia 
comprava uma bala de tamarindo
depois da aula
para fazer companhia
na volta pra casa.
rabo de cavalo preso
no alto da cabeça, dentes da frente
separados. o caderno de pauta
tem linhas azuis
e a ponta da caneta bic
está em apuros de tanto ser
mastigada (talvez daí
os dentes separados).
não quer adivinhar
o futuro, o cadarço do tênis
desamarrou, talvez ganhe muito dinheiro
com pensamentos em caixinhas
ou receba estudantes estrangeiras
de tempos em tempos (pode ser
que more numa casa
com longos corredores). a única
coisa certa é que quarta-feira
tem carne moída com purê de batatas
e aula de piano às seis.


Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...