Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
16 de abr. de 2012
Intimidade, por Luiz Fernando Verissimo
Os dois na cama.
— Bem...
— Mmm?
— Posso te fazer uma pergunta?
— Se você pode me fazer uma pergunta? 40 anos de casados e você precisa de permissão para me fazer uma pergunta?
— É uma coisa que me intriga há 40 anos...
— O que?
— A sua calcinha pendurada no box do chuveiro...
— Sim?
— Está ali para secar ou para molhar mais?
— Como é?!
— A sua calcinha pendurada no...
— Eu ouvi a pergunta. Só não estou acreditando. Há 40 anos você vive com essa dúvida? O que a calcinha dela está fazendo no box do banheiro?
— É. Ela foi lavada e está secando, ou está ali para receber mais água?
— E por que você levou 40 anos para me fazer essa pergunta?
— Sei lá. Eu...
— Você achou que nós não tínhamos intimidade o bastante para tratar do assunto, é isto?. Que eram necessários 40 anos de vida em comum para podermos discutir a minha calcinha pendurada no box sem constrangimentos. É isto? Você sabe tudo ao meu respeito. Sabe toda a minha vida, conhece cada estria e sinal do meu corpo, sabe do que eu gosto e não gosto, em quem eu voto, sabe as minhas manias e os meus ruídos, mas estava faltando este detalhe. Este ponto cego no nosso relacionamento. O que a minha calcinha faz pendurada no box do banheiro.
— Não, eu queria perguntar há tempo, mas...
— Já sei. Você achou que fosse uma coisa só de mulher, que homem jamais entenderia. As calcinhas penduradas no chuveiro seriam uma espécie de demarcação de território, um ritual de congregação tribal. Um mistério que une todas as mulheres do mundo e um terreno em que homem só entra com o risco de enlouquecer. Por isso demorou tanto para fazer a pergunta.
— Nada disso. Eu só...
— Francamente.
Ele já estava quase dormindo quando se deu conta. Ela não respondera a pergunta.
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