Ando sempre em preparativos.
Acumulo material, encomendo peças. Junto o necessário. Tomo
todas as providências. E trato também da ornamentação.
Com isso, vou-me distraindo. Troco coisas e ideias. Alguns me
ajudam, servem-se também de mim. E todos assim nos distraímos
nesses preparativos.
Mas com que seriedade! Com que paixão!
Nos momentos de intervalo, construímos cidades, casamos,
discutimos, entramos na guerra.
Preparamo-nos todos para qualquer coisa que ainda não aconteceu.
Há dezenas de anos tem sido assim. Há milhares de anos...
adoro os detalhes que aliviam o peso do conjunto. O que me atrapalha,
porém, não é tanto o tempo perdido na escolha do material – isso
até me preenche as horas – o que me atrapalha é a rapidez com
que as coisas se deterioram.
Às vezes recebo intimações para acabar depressa. Mas desconfio
e faço cera. Acabar depressa, o quê?
Saio então a ver se encontro qualquer coisa que seja bem difícil
de achar – acontecimento ou mulher.
Meu medo é a interrupção dessa busca por colapso de entusiasmo
ou pela aparição fácil do objeto.
Procuro sempre... Procuro sem remitência. Invento novas dificuldades.
Adoro os obstáculos...
Vivo assim amontoando, renovando, corrigindo, experimentando,
caindo e me aprumando.
Assim não chegará jamais o dia da minha inauguração. Pois o meu
pavor é a viagem concluída, a coisa acabada...
o meu pavor é a estátua de pedra, o feixe de ossos gelando
na chuva ou debaixo da terra.
... enquanto vocês aí fora continuam procurando, procurando...
Não. Nunca serei inaugurado.
In: Cadernos de João. 1957