30 de abr. de 2019

Trabalhador e criança :: Edvard Munch


O JOGO EM QUE ANDAMOS :: Juan Guelman

Se me permitissem escolher, eu escolheria
esta saúde de saber que estamos muito doentes,
esta felicidade de andarmos tão infelizes.
Se me permitissem escolher, eu escolheria
esta inocência de não ser um inocente,
esta pureza em que ando impuro.
Se me permitissem escolher, eu escolheria
este amor com que odeio,
esta esperança que come pãos desesperados.
Aqui se passa, senhores,
que me jogo com a morte

...
Si me dieran a elegir, yo elegiría
esta salud de saber que estamos muy enfermos,
esta dicha de andar tan infelices.
Si me dieran a elegir, yo elegiría
esta inocencia de no ser un inocente,
esta pureza en que ando por impuro.
Si me dieran a elegir, yo elegiría
este amor con que odio,
esta esperanza que come panes desesperados.
Aquí pasa, señores,
que me juego la muerte.


ser un inocente,
esta pureza en que ando por impuro.

Si me  a elegir, yo elegiría
este amor con que odio,
esta esperanza que come panes desesperados.

Aquí pasa, señores,
que me juego la muerte.

20 de abr. de 2019

De longe te hei de amar :: Cecilia Meireles

Henri Fantin-Latour

De longe te hei de amar,
– da tranquila distância
em que o amor é saudade
e o desejo, constância.

Do divino lugar
onde o bem da existência
é ser eternidade
é parecer ausência.

Quem precisa explicar
o momento e a fragrância
da Rosa, que persuade
sem nenhuma arrogância?

E, no fundo do mar,
a estrela, sem violência,
cumpre a sua verdade,
alheia à transparência




In Obra poética. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1967.

14 de abr. de 2019

Desatenção :: Wislawa Szymborska

Ontem me comportei mal no universo.
Vivi o dia inteiro sem indagar nada,
sem estranhar nada.

Executei as tarefas diárias
como se isso fosse tudo o que devia fazer.

Inspirar, expirar, um passo, outro passo, obrigações,
mas sem um pensamento que fosse
além de sair de casa e voltar para casa.

O mundo podia ter sido percebido como um mundo louco,
e eu o tomei somente para uso habitual.

Nenhum — como — e por quê —
e como foi que aqui apareceu —
e de que lhes servem tantas minúcias buliçosas.

Fiquei como um prego mal pregado na parede
ou
(aqui uma comparação que me faltou).

Uma depois da outra ocorreram mudanças
mesmo no estrito espaço de um pestanejar.

Sobre uma mesa mais nova, por mão um dia mais nova,
o pão de ontem foi cortado de um modo diferente.

Nuvens como nunca, uma chuva como nunca,
pois caíram gotas diferentes.

A Terra girou em torno de seu eixo,
mas num espaço já abandonado para sempre.

Isso durou umas boas 24 horas.
1440 minutos de chances.
86 400 segundos para intuições.

O savoir-vivre cósmico,
embora se cale sobre nós,
ainda assim nos exige algo:
alguma atenção, umas frases de Pascal
e uma participação perplexa nesse jogo
de regras desconhecidas.

SZYMBORSKA, Wislawa. Um amor feliz. Seleção, tradução e prefácio de Regina Przybycien. 1ª ed. São Paulo. Companhia das Letras. 2016.

Alfredo Volpi Machado (Lucca, Itália 14 de abril de 1896 — São Paulo, 28 de maio de 1988)